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Regra Matriz de Incidência Tributária

Por:   •  5/11/2016  •  Artigo  •  9.923 Palavras (40 Páginas)  •  679 Visualizações

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Revista da Receita Federal: estudos tributários e aduaneiros, Brasília-DF, v.1, n.2, p. 123-147, jan./jul. 2015. Maurício Dias Marques Mestrando em Agronegócio e Desenvolvimento pela UNESP-Tupã; Especialista em Direito Tributário pelo IBET-São Paulo Especialista em Direito Tributário pela FAZESP-São Paulo Especialista em Direito pelo CEPG-FADAP-Tupã Especialista em Administração pela UNIMAR-Marília Graduado em Ciências Contábeis e Administração pela FACCAT-Tupã; Graduado em Direito pela FADAP-Tupã; licenciado em Letras pela UNINOVE-São Paulo. Bacharel em Teologia pela FTA-Araraquara Professor da Faculdade de Ciências Contábeis de Lucélia-SP Aposentado como Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo RESUMO: Este artigo trata da aplicação da regra matriz de incidência tributária e da regra matriz do direito ao crédito, em conformidade com o princípio da não cumulatividade do ICMS. A regra matriz de incidência tem seu fundamento lógico e prático através dos critérios material, temporal e espacial (no antecedente) e pessoal e quantitativo (no consequente), nova forma de ver o Direito Tributário, segundo o mestre Paulo de Barros Carvalho e os demais professores que seguem seus ensinamentos. A partir de suas lições, tentou-se construir duas regras matrizes: a Regra Matriz de Incidência Tributária do ICMS (RMIT) e a Regra Matriz do Direito ao Crédito do ICMS (RMDC), para os mais importantes campos de incidência desse tributo, ou seja: 1) a circulação de mercadorias; 2) os serviços de comunicação, 3) a prestação de serviços de transporte e 4) a importação de mercadorias, chamado ICMS-importação. Seguindo-se o princípio da não cumulatividade, aplica-se a RMIT e de seu resultado deduz-se a RMDC, trabalhando então com as duas “regras matrizes” para que se conheça o que se tem a recolher ou o que se tem de saldo credor. Como elas estão no campo das normas gerais e abstratas, deve-se aplicá-las ao fato concreto, transformando-as em normas individuais e concretas. Considerando-se as limitações de extensão do presente trabalho, o exemplo prático fica apenas no primeiro e mais comum campo de incidência do ICMS, citado acima. A relação jurídica nascida da aplicação da RMIT tem como sujeito ativo o Estado (ou Distrito Federal), enquanto que a relação jurídica nascida da aplicação da RMDC tem como sujeito ativo o contribuinte. Essas relações jurídicas são colocadas no sistema jurídico por meio da Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA) que é o informativo final do chamado “lançamento por homologação” ou “autolançamento”, realizado nos livros fiscais do contribuinte. Palavras chave: Regra matriz de incidência. Princípio da não cumulatividade. Regra matriz de incidência tributária do ICMS. Regra matriz do direito ao crédito do ICMS. ABSTRACT: This article deals with the application of the rule of tax incidence matrix and rule matrix of the right to credit, to comply with the principle of non-cumulative ICMS. The incidence matrix rule has its logical and practical foundation through the material criteria, temporal and spatial (in the antecedent), and personal and quantitative (the consequent), a new way of seeing the Tax Law, according to the Master Paul de Barros Carvalho and other teachers who follow his teachings. From his lessons, we try to construct two matrices rules: the rule of tax incidence matrix of ICMS (RMIT) and the rule matrix of the right to credit of ICMS (RMDC), to the most important fields wherein incide this tax or is: 1) the movement of ICMS – REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E REGRA MATRIZ DO DIREITO AO CRÉDITO ICMS - THE MATRIX RULE OF TAX INCIDENCE AND THE MATRIX RULE OF THE RIGHT TO CREDIT ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 124 goods; 2) communication services, 3) the provision of transport services and 4) the importation of goods, called ICMS-import. Following the principle of non-cumulative, applies to RMIT and from his result we deduct the RMDC, working with the two "rules arrays" so that we know what has to be collected or what has credit balance. As they are in the field of general and abstract rules, should apply them to concrete fact, turning them into individual and concrete rules. Considering the limitations of extent of this work , the practical example is just the first and most common field of ICMS, quoted above. The legal relationship which born of implementation of RMIT has the State as the active subject while the legal relationship which born of application of RMDC has as active subject the taxpayer. These legal relations are placed in the legal system through the Information and Statement Guide of ICMS (GIA), which is the final newsletter of the " ratification launch" or " self launch" held on the tax books of the taxpayer. Keywords: The matrix rule of tax incidence. Principle of non-cumulative. The matrix rule of tax incidence of ICMS (RMIT). The matrix rule of the right to credit of ICMS (RMDC). 1. INTRODUÇÃO Este artigo objetiva expor a funcionalidade da regra matriz do direito ao crédito frente à regra matriz de incidência tributária, para operacionalizar o princípio da não cumulatividade do ICMS. Inicia-se com a exposição da validade prática da regra matriz de incidência abordando seus fundamentos teóricos lógicos, trazendo um resumo de seus critérios e funcionalidades, como ensinam os respeitosos professores de direito. Passa-se então à construção da Regra Matriz de Incidência Tributária do ICMS – RMIT, levando-se em conta as peculiaridades desse tributo e considerando-se ao menos quatro RMIT: 1) para a circulação de mercadorias; 2) para os serviços de comunicação, 3) para prestação de serviços de transporte e 4) para a importação de mercadorias, comumente chamado ICMS-importação. A par dessa construção e na mesma linha de raciocínio, passa-se a construir a Regra Matriz do Direito ao Crédito do ICMS - RMDC, desdobrando-a também em quatro. Por tratar-se de imposto sujeito ao princípio da não cumulatividade, este estudo volta-se às regras de incidência e às regras do direito ao crédito. Como a tributação recai sobre o valor acrescido, e isso se opera quando da apuração do imposto a recolher, em cada operação tem-se, de um lado, a norma de incidência do imposto e, de outro, a norma do direito ao crédito. Confrontando-se ambas as “regras matrizes”, no campo das normas gerais e abstratas, somente assim torna-se possível operacionalizar o princípio da não cumulatividade do ICMS. O exemplo prático corresponde à circulação de mercadorias, como corte metodológico, para estabelecer as relações jurídicas em linguagem de normas individuais e concretas. Maurício Dias Marques 125 Atente-se que, em se tratando da RMIT, a relação jurídica tem como sujeito ativo o Estado (ou o Distrito Federal), enquanto que na RMDC, o contribuinte. Essas relações jurídicas são estabelecidas por meio do lançamento, conhecido no ICMS como “lançamento por homologação” ou “autolançamento”, e exteriorizadas por intermédio dos documentos fiscais (notas fiscais), livros fiscais, principalmente o livro Registro de Apuração do ICMS e a GIA, pela qual são noticiadas a obrigação tributária e o direito ao crédito. 2. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa bibliográfica como base para a construção das “regras matrizes” ora propostas. Livros e artigos foram consultados para que este trabalho pudesse ser formalizado e fundamentado. Segundo Marconi e Lakatos (2003, p.183), a pesquisa bibliográfica é o levantamento de toda a bibliografia já publicada em relação ao tema em estudo, valendo-se de jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, etc., até meios orais de comunicação. Sua finalidade é fazer com que o pesquisador entre em contato direto com todo o material escrito, dito ou filmado. Utilizando-se do método dedutivo, segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 106), “partindo das teorias e leis, na maioria das vezes prediz a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente)”, então se propõe a Regra Matriz de Incidência do ICMS e a Regra Matriz do Direito ao Crédito, como se verá adiante. 3. RESULTADO E DISCUSSÃO Registra-se, passo a passo, nos subitens seguintes, as fases da pesquisa com a finalidade de atingir o objetivo proposto. 3.1 Regra Matriz de Incidência Em “Curso de Direito Tributário” (2005, p. 242-244), o professor Paulo de Barros Carvalho consolida o que denominou de regra matriz de incidência ou, mais precisamente, regra matriz de incidência tributária, construção que vem sendo utilizada por vários autores. A regra matriz de incidência é uma regra padrão, geral e abstrata, para que seja aplicada aos casos concretos. Aurora Tomazini de Carvalho (p. 363) afirma categoricamente que a regra matriz de incidência serve para os diversos `ramos´ do direito. Aurora Tomazini de Carvalho expõe: ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 126 Chamamos “regra-matriz de incidência” as normas padrões de incidência, aquelas produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que se inscrevem entre as regras gerais e abstratas, podendo ser de ordem tributária, previdenciária, penal, administrativa, constitucional, civil, trabalhista, comercial, etc., dependendo das situações objetivas para as quais seu vetor semântico aponta.” Em notas de rodapé, coloca: “320. Com a expressão ‘regra padrão de incidência´ reportamo-nos às normas construídas para incidir em infinitos casos concretos, como aquelas que tipificam crimes, instituem tributos, estabelecem sanções administrativas, dispõem sobre direito dos empregados, etc., isto é, normas gerais e abstratas. (CARVALHO, 2009, p. 361/362) Portanto, a “regra-matriz de incidência” é uma norma jurídica de estrutura lógica, composta pelo jurista, a partir dos preceitos que se acham dispersos no corpo das leis. É elaborada por recursos do intelecto, que busca estabelecer o elo entre a proposição hipótese e a proposição tese, entre o antecedente e o consequente. Segundo Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 604): “A construção da regra-matriz de incidência, assim como de qualquer norma jurídica, é obra do intérprete, a partir dos estímulos sensoriais do texto legislado.” “Regra-matriz de incidência tributária” é uma norma geral e abstrata que contém a previsão legal do fato que desencadeia o dever (obrigação) de satisfazer aos cofres públicos, bem como a forma de fazê-lo. Nela estará descrito um fato que, potencialmente, pode gerar (dar nascimento) a uma obrigação tributária e qual é essa obrigação. Contém a previsão legal do fato que desencadeia o dever (obrigação) de satisfazer aos cofres públicos, ainda no campo da abstração, portanto, norma geral e abstrata. A lei descreve um fato que potencialmente pode gerar (dar nascimento) a uma obrigação tributária e diz como esta deve ser cumprida. Segundo os ensinamentos do professor Paulo de Barros Carvalho (2005), é a construção de linguagem prescritiva geral e abstrata (hipótese tributária), composta da hipótese de incidência propriamente dita, em seu antecedente (desdobrado nos critérios material, espacial e temporal) - “SE” - e os efeitos ou consequências determinadas em seu consequente (desdobrado nos critérios pessoal e quantitativo) – “ENTÃO DEVE SER”. É uma norma geral e abstrata, um enunciado conotativo. É Aurora Tomazini de Carvalho quem leciona: Na expressão `regra-matriz de incidência´ emprega-se o termo “regra” como sinônimo de norma jurídica, porque trata-se de uma construção do intérprete, alcançada a partir do contato com os textos legislados. O termo `matriz´ é utilizado para significar que tal construção serve como modelo padrão sintáticosemântico na produção da linguagem jurídica concreta. E “de incidência”, porque se refere a normas produzidas para serem aplicadas. (CARVALHO, 2009, p. 362) Maurício Dias Marques 127 Critérios e funcionalidade: Lourival Vilanova (1997, p. 73 e 95), ensina que: “Na proposição normativa ou deôntica, o dever-ser (que se triparte nas modalidades O, P, V, obrigatório, permitido e proibido) é constitutivo da estrutura formal, é o operador específico que conduz à proposição deôntica.” E, mais adiante assim se expressa: “O dever-ser transparece no verbo ser acompanhado de adjetivo participial: `está obrigado´, `está facultado ou permitido´, `está proibido´...” Segundo Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 9): “... em todas as unidades do sistema encontraremos a descrição de um fato “F” que, ocorrido no plano da realidade físico-social, fará nascer uma relação jurídica (S´R S´´) entre dois sujeitos de direito, modalizada com um dos operadores deônticos: obrigatório, proibido ou permitido (O, V ou P).” Lourival Vilanova (2000, p. 115), assim leciona: “Mas proibir, ou obrigar, ou permitir ações e omissões importa necessariamente em estabelecer relações normativas entre os portadores – os sujeitos-de-direito – da conduta. As condutas vedadas, exigidas ou facultadas são estruturas relacionais.” É de se ver, segundo Paulo de Barros Carvalho (2009), que a hipótese normativa está ligada à consequência pelo elo da imputação deôntica. Então, a hipótese implica na consequência de obrigação, de dever, estando presentes os modais deônticos: permitido, proibido e obrigatório. No antecedente, descritor, suposto, hipótese, prótase, pressuposto, descobre-se o fato. É composto por: a) Aspecto ou critério material: “É a expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o núcleo do acontecimento a ser promovido à categoria de fato jurídico”, segundo Aurora Tomazini (209, p. 368). Contém a descrição objetiva do fato, ou o comportamento de uma pessoa, representado por verbo pessoal de predicação incompleta e seu complemento. É o núcleo da hipótese normativa, referindo-se ao comportamento. Vem sempre descrito por meio de expressões genéricas designativas de comportamentos de pessoas: um fazer, um dar, ou, simplesmente, um ser (estado). Ex: “vender mercadorias”, “ser proprietário de imóvel”, “prestar serviços”. b) Aspecto ou critério espacial: “É a expressão, ou enunciado, da hipótese que delimita o local em que o evento, a ser promovido à categoria de fato jurídico, deve ocorrer.” (Aurora Tomazini, 2009, p. 373) ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 128 Contém as condições territoriais. Assinala o lugar preciso em que a ação há de acontecer. Os dados relativos ao lugar estão ligados à competência do ente impositivo da obrigação tributária. Determina o lugar preciso em que acontece a ação do verbo. c) Aspecto ou critério temporal: “É o feixe de informações contidas na hipótese normativa que nos permite identificar, com exatidão, o momento de ocorrência do evento a ser promovido à categoria de fato jurídico.” (Aurora Tomazini, 2009, p. 380). Contém as circunstâncias que definem o momento da ocorrência do evento. Oferece elementos para se saber em que instante ocorre o fato descrito. É importante para determinar o momento em que surge o direito subjetivo do Estado exigir de alguém prestações pecuniárias. Determina o exato minuto ao qual se reportam os efeitos da obrigação tributária. Representa o grupo de indicações contidas no suposto da regra, que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito. Interessante aqui diferenciar tempo e lugar do fato, de tempo e lugar no fato. É Aurora Tomazini Carvalho (2009, p. 540) quem define: “O tempo e o lugar do fato estão relacionados ao processo de aplicação do direito e constituição do fato jurídico, enquanto o tempo e o lugar no fato referem-se ao evento.” Então, o tempo do fato indica o momento em que o enunciado denotativo (linguagem) do fato jurídico é emitido, sendo sua emissão posterior à ocorrência do evento; e, o tempo no fato indica o átimo no qual deve ocorrer o evento tributário. No consequente, prescritor, mandamento, tese, apódose, estatuição, descobre-se o perfil da relação jurídica imputada ao fato, ou seja, os sujeitos dessa relação e a prestação a ser exigida (os efeitos do antecedente). É composto por: a) Aspecto ou critério pessoal: “É o feixe de informações contidas no consequente normativo que nos permite identificar, com exatidão, os sujeitos da relação jurídica a ser instaurada quando da constituição do fato jurídico.” (Aurora Tomazini, 2009, p. 387) Contém os sujeitos da relação jurídica tributária: o sujeito ativo, credor ou pretensor e o sujeito passivo ou devedor. Aponta não apenas os indivíduos que realizam ou participam do evento, como também as características desses indivíduos. Veja que pode aparecer a responsabilidade solidária e a responsabilidade subsidiária. b) Aspecto ou critério quantitativo: Maurício Dias Marques 129 Denominando de “critério prestacional”, Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p. 394), leciona que “assim como o critério material define o núcleo da hipótese de incidência”, este critério quantitativo (prestacional) “demarca o núcleo do consequente, apontando qual conduta deve ser cumprida pelo sujeito passivo em favor do sujeito ativo.” Para efeito da “regra matriz de incidência tributária” – RMIT, este critério contém a base imponível (base de cálculo) e a alíquota. Observe-se ainda que, no consequente ou tese da RMIT ainda não se tem a relação jurídica, mas só os critérios para identificá-la, eis que esta se instaura efetivamente por meio de uma norma individual e concreta. O professor Paulo de Barros Carvalho assim define: Relação jurídica, como tantas outras expressões usadas no discurso jurídico, prescritivo ou descritivo, experimenta mais de uma acepção. (...) Para a Teoria Geral do Direito, relação jurídica é definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação. (CARVALHO, 2005, P. 286) É preciso reconhecer que a relação jurídica se instaura por virtude de um enunciado fáctico, posto pelo consequente de uma norma individual e concreta, uma vez que, na regra geral e abstrata, aquilo que encontramos são classes de predicados que um acontecimento deve reunir para tornar-se fato concreto, na plenitude de sua determinação empírica. (CARVALHO, 2004, p. 149) A professora Aurora Tomazini de Carvalho (2009, p. 360) leciona ainda que: “Em todas as regras encontramos, tanto no suposto quanto no consequente, referências a critérios, aspectos, elementos ou dados identificativos de um evento e de uma relação entre sujeitos.” 3.2 Considerações sobre a legislação Como a RMIT “Regra Matriz de Incidência Tributária” e a RMDC “Regra Matriz do Direito ao Crédito” são trabalhos de construção do intérprete a partir dos textos legais prescritivos, deve-se ter em mente as principais disposições gerais relativas ao ICMS contidas na legislação, na Constituição Federal, na Lei Complementar 97/96 e, tratando-se do Estado de São Paulo, na Lei 6.374/89. Por brevidade, traz-se à colação apenas a parte relativa ao texto do art. 155 da Constituição Federal: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) ... ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 130 II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) ... § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; ... XII - cabe à lei complementar: ... c) disciplinar o regime de compensação do imposto; No CTN, os artigos que tratavam sobre o ICM estão revogados pelo Decreto Lei 406/68, que por sua vez foi tacitamente revogado pela Lei Complementar 87/96, por tratar esta de toda a matéria daquele. Essa lei contém as diretrizes básicas do tributo. Mais especificamente, para o Estado de São Paulo, tem-se a Lei 6.374/89. Observe-se que, conforme já transcrito acima, o art. 155, § 2º, II da CF estabelece que a não incidência e a isenção são exceções ao direito ao crédito do ICMS. Constatadas estas circunstâncias, o próprio documento fiscal (nota fiscal), elemento que dá substância às relações jurídicas, não deve trazer em destaque o imposto. Na hipótese da não incidência não se instalaria a regra matriz de incidência tributária para o fornecedor e, portanto, em decorrência, não haveria a regra matriz do direito ao crédito para o adquirente. Na hipótese da isenção, no dizer de Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 737), “a regra-matriz de incidência tributária fica neutralizada, não havendo falar-se em acontecimento do `fato gerador´ e, por via de conseqüência, em nascimento da obrigação tributária”, por parte do fornecedor da mercadoria e, portanto, neutralizada também a regra matriz do direito ao crédito para o adquirente. 3.3 A Regra Matriz de Incidência Tributária do ICMS A construção da regra matriz de incidência tributária do ICMS deve levar em conta a abrangência desse tributo. Ainda assim, trabalhando apenas com as situações genéricas e mais comuns (deixando de abordar os pormenores, como substituição tributária, diferimento, diferencial de alíquota, arrematação em leilões, etc.), e trabalhando com a legislação do Estado de São Paulo, tendo este como Sujeito Ativo, pode-se destacar ao menos quatro Maurício Dias Marques 131 RMIT: 1) para a circulação de mercadorias; 2) para os serviços de comunicação, 3) para prestação de serviços de transporte e 4) para a importação de mercadorias, comumente chamado ICMS-importação. Nessa linha, ver-se-á de forma bastante resumida o envolvimento de cada materialidade do ICMS: Circulação de Mercadorias, envolve negócio jurídico mercantil ou operações mercantis, segundo José Eduardo Soares de Melo (in Barreto et al, 2004, p. 145), cujas definições seriam: Operações configuram o verdadeiro sentido do fato juridicizado, a prática de ato jurídico como a transmissão de um direito (posse ou propriedade). Ninguém fica obrigado a recolher o tributo pelo simples fato de possuir uma mercadoria. Circulação é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob um título jurídico, sendo irrelevante a mera circulação física ou econômica. Mercadoria é o bem corpóreo da atividade profissional do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, como é o caso do ativo permanente. Os conceitos de “operação”, “circulação”, e “mercadoria” permanecem intimamente vinculados, devendo os intérpretes e os destinatários do imposto tomá- los na sua concepção jurídica para efeito de caracterização de sua incidência. (MELO, in BARRETO et al, 2004, p. 145/147) Interessante também a luz que o professor Paulo de Barros Carvalho traz sobre os termos “operações”, “circulação” e “mercadorias”: “Operações”, “circulação” e “mercadorias” são três elementos essenciais para a caracterização da venda de mercadorias. Tenho para mim que o vocábulo “operações”, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios jurídicos hábeis para provocar a circulação de mercadorias. “Circulação”, por sua vez, é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, com a consequente mudança de patrimônio. Já o adjunto adnominal “de mercadorias” indica que nem toda a circulação está abrangida no tipo proposto, mas unicamente aquelas que envolvam mercadorias. (CARVALHO, 2009, p. 648). Serviços de Comunicação, segundo o professor José Eduardo Soares de Melo (in Barreto et al, 2004, p. 148), envolve “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.” Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual, também segundo o mesmo professor (in Barreto et al, 2004, p. 147), envolve “a) o início da prestação dos serviços por qualquer via, pessoas, bens, mercadorias e valores; ou a utilização por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado, e não esteja vinculado a operação ou prestação subsequente; e b) o ato ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 132 final do transporte iniciado no exterior, no caso de serviço prestado no exterior, ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior.” Importação de Mercadorias, ainda segundo José Eduardo Soares de Melo (in Barreto et al, 2004, p. 146), envolve a “entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, ...” Assim é que, considerando estar no Estado de São Paulo, e levando-se em conta as diretrizes sobre a RMIT como estudadas pelo professor Paulo de Barros Carvalho, cujos critérios foram resumidamente abordados acima, e considerando também os apontamentos do professor José Eduardo Soares de Melo, e, sobretudo, a legislação, assim formar-se-iam as RMITs: 1ª RMIT – circulação de mercadorias: Antecedente Critério material: realizar operações relativas à circulação de mercadorias. Critério temporal: momento da transferência da titularidade das mercadorias. Critério espacial: limite territorial do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o Estado Sujeito passivo: o estabelecimento comercial que realizar a circulação das mercadorias. Critério quantitativo: Base de cálculo: valor da operação. Alíquota: 18%, 25%, 12%, 7% (dependendo da natureza ou do destino da mercadoria). 2ª RMIT – serviços de comunicação: Antecedente Critério material: prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior. Critério temporal: momento da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes. Critério espacial: concluir-se ou iniciar-se no território do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o Estado Sujeito passivo: o prestador do serviço de comunicação. Critério quantitativo: Base de cálculo: preço do serviço de comunicação. Alíquota: 25%. 3ª RMIT – prestação de serviços de transporte: Antecedente Critério material: prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal. Maurício Dias Marques 133 Critério temporal: momento da entrega do serviço prestado. Critério espacial: lugar em que o serviço seja prestado sob o manto da lei estadual. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o Estado Sujeito passivo: o transportador. Critério quantitativo: Base de cálculo: preço do serviço de transporte. Alíquota: 12% nas prestações entre municípios do mesmo Estado. 12% ou 7% nas prestações que ultrapassam o território do Estado. 4% nas prestações de transporte aéreo. 4ª RMIT – ICMS Importação: Antecedente Critério material: realizar operação de importação de mercadorias. Critério temporal: momento do desembaraço aduaneiro. Critério espacial: lugar (Estado) em que se localizar o importador. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o Estado Sujeito passivo: o importador. Critério quantitativo: Base de cálculo: valor da mercadoria, acrescido do valor do II, do IPI, do IOF, das taxas, contribuições e despesas aduaneiras. Alíquota: intena (18%, 25%, 12%, 7% conforme a natureza do produto). 3.4 O Princípio da Não Cumulatividade e a Regra Matriz do Direito ao Crédito do ICMS Observa o professor José Eduardo Soares de Melo (1996, p. 153), que “a expressão `nãocumulatividade´, por si só, não apresenta nenhum significado, nem permite seja alcançado o verdadeiro desígnio constitucional, na forma engendrada para plena operacionalidade do ICMS.” Mas, o professor Paulo de Barros Carvalho traça os rudimentos da aplicação da não cumulatividade, no seguinte sentido: O ICMS, consoante o disposto no art. 155, § 2º, I, da Carta Magna, deve atender ao princípio da não cumulatividade e, para tornar efetivo esse princípio, conduzindo a tributação aos valores que pretende realizar, exige-se, em cada elo da cadeia produção ou circulação, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada jurídica do bem) e a relação jurídica tributária (que nasce com a saída da mercadoria). Estão ai presentes, portanto, dois momentos distintos, duas situações diversas que dão a duas consequências diferentes: dois antecedentes e dois consequentes, ou seja, duas ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 134 normas jurídicas, incidindo sobre fatos jurídicos independentes (embora participantes de uma mesma cadeia de circulação de mercadorias) e impondo comportamentos específicos no seio de relações jurídicas igualmente distintas. Analisando a fenomenologia da não cumulatividade, verifica-se que o direito ao crédito do sujeito adquirente provém de uma norma jurídica instituidora do direito ao crédito, que denominamos “regra matriz do direito ao crédito” - RMDC. Sua incidência implica uma relação jurídica que tem como sujeito ativo o adquirente/destinatária de mercadorias, detentor do direito ao crédito do imposto, e como sujeito passivo o Estado. (CARVALHO, 2009, p. 730/731) Registre-se também o entendimento do professor José Eduardo Soares de Melo: Assim, já se pode asseverar ser inadmissível a inobservância do comando constitucional, tanto no lançamento do ICMS (operações realizadas e serviços prestados), quanto na escrituração do crédito (aquisição de bens e serviços). A inteligência da norma constitucional permite firmar a tranquila diretriz de que o crédito não pode constituir uma mera faculdade outorgada ao contribuinte, traduzida em um procedimento discricionário. Como o débito deve ser exigido, lançado e liquidado, o mesmo ocorre com o crédito, sem o que o princípio resultaria ineficaz, frustrando-se a dicção constitucional. (MELO, 1996, p. 155) Entenda-se que, para aplicação do princípio da não cumulatividade, tem que se operar ao menos duas normas jurídicas: a regra matriz de incidência tributária - RMIT e a regra matriz de direito ao crédito - RMDC, como já bem estudado pelo professor Paulo de Barros Carvalho. Por sua vez, André Felix Rocotta de Oliveira, em sua tese de mestrado “A Regra Matriz do Direito ao Crédito do ICMS”, assim expressa: Não desrespeita o princípio da não cumulatividade o fato do fisco não apurar os créditos que o contribuinte tem direito, quando realiza o lançamento do imposto que entende devido, a uma, porque não está anulando o direito a crédito de ICMS do contribuinte que poderá utilizar na apuração mensal do imposto, a duas, o direito a crédito do ICMS é um direito subjetivo do contribuinte, não é automático e objetivo, o fisco somente deve observá-lo quando o contribuinte exercer seu direito de abater o crédito com o débito. (OLIVEIRA, 2010, p. 106) Seguindo a mesma disposição das RMIT do ICMS como construída acima, pode-se também construir as respectivas RMDC, na coerência desse direito em função do princípio da não cumulatividade anteriormente exposto. Convém notar e atentar que, obedecendo-se o disposto no § 2º do art. 155 da CF; no art. 20 da LC 87/96 e no art. 37 da Lei 6.374/89, o direito ao crédito só é possível quando as operações ou prestações são tributadas e pertinentes à atividade do estabelecimento recebedor do crédito, o que será observado na construção da materialidade das RMDC. Além disso, se já antecipadamente for possível saber que as saídas ou prestações subsequentes não são tributadas ou estejam isentas, então não se aplica a RMDC. Christine Mendonça, que denomina o direito ao crédito do contribuinte como “débito do Fisco escritural”, assim trata as restrições do § 2º, II, do art. 155 da CF: Maurício Dias Marques 135 No supramencionado art. 155, § 2º, II, encontramos duas restrições: (i) a isenção ou imunidade não implica nascimento do débito do Fisco escritural para ser compensado com os créditos tributários seguintes; (ii) a isenção ou imunidade acarreta a anulação do débito do Fisco escritural relativo às operações anteriores. Em razão disso, optamos por dividir a discussão em torno desse tema em dois momentos: (i) quando ocorre a isenção ou imunidade do ICMS em operação/prestação referente à entrada da mercadoria ou ao recebimento do serviço no estabelecimento, ou seja, a operação/prestação anterior não foi tributada pelo ICMS; e (ii) quando ocorre a isenção ou imunidade do ICMS em operação/prestação referente à saída da mercadoria ou na prestação do serviço, ou seja, o comerciante ou prestador de serviço não recolherá ICMS. (MENDONÇA, 2005, p. 175) Mais adiante, essa mesma autora expõe: Antes de expor o nosso posicionamento, destacamos que trabalhamos com os seguintes conceitos de isenção e imunidade: quando ocorre a isenção, entendemos que a regra matriz do crédito tributário é mutilada parcialmente pela norma jurídica isentiva, ou seja, há uma revogação parcial de um dos critérios da regra matriz do crédito tributário. (...) Já quando ocorre a imunidade, entendemos que a regra matriz do crédito tributário nem chega a albergar aquela situação imune, uma vez que a imunidade é uma norma jurídica constitucional que estabelece a incompetência das pessoas políticas para expedirem a regra matriz do crédito tributário para algumas situações específicas. (...) Tanto na isenção quanto na imunidade não há que se falar, com relação às situações isentas ou imunes, em regra matriz do crédito tributário. (...) Se o fato anterior não é passível de tributação, não haverá imposto para ser compensado. (MENDONÇA, 2005, p. 185, 186, 188) Assim, após estas considerações de grande importância, pode-se construir as 4 (quatro) RMDC, que acompanham as RMIT: 1ª RMDC – circulação de mercadorias: Antecedente Critério material: adquirir mercadorias tributadas pelo ICMS e pertinentes à atividade do estabelecimento. Critério temporal: momento da entrada física ou simbólica das mercadorias no estabelecimento (pela transferência da titularidade das mercadorias) Critério espacial: limite geográfico do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o contribuinte adquirente das mercadorias. Sujeito passivo: o Estado. Critério quantitativo: Base de Cálculo: valor da operação. Alíquota: 18%, 25%, 12%, 7% (dependendo da procedência ou natureza da mercadoria). 2ª RMDC – serviços de comunicação: Antecedente ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 136 Critério material: receber ou utilizar serviços de comunicação, mesmo iniciados no exterior, tributados pelo ICMS, desde que esses serviços destinem-se à execução de outros serviços de comunicação ou sejam utilizados em operação de saída ou prestação para o exterior. Critério temporal: momento do recebimento dos serviços de comunicação. Critério espacial: no território do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o contribuinte tomador dos serviços. Sujeito passivo: o Estado. Critério quantitativo: Base de cálculo: preço do serviço de comunicação. Alíquota: 25%. 3ª RMIT – serviços de transporte: Antecedente Critério material: receber serviços de transporte interestadual ou intermunicipal tributados pelo ICMS e pertinentes à atividade do estabelecimento. Critério temporal: momento do recebimento dos serviços de transporte. Critério espacial: no território do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o contribuinte tomador dos serviços. Sujeito passivo: o Estado. Critério quantitativo: Base de cálculo: preço do serviço de transporte. Alíquota: 12% nas prestações entre municípios do mesmo Estado. 12% ou 7% nas prestações que ultrapassam o território do Estado. 4% nas prestações de transporte aéreo. 4ª RMDC – ICMS Importação: Antecedente Critério material: importar mercadorias tributadas pelo ICMS e pertinentes à atividade do estabelecimento. Critério temporal: momento da entrada física da mercadoria no estabelecimento. Critério espacial: no território do Estado. Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o contribuinte importador. Sujeito passivo: o Estado. Critério quantitativo: Base de cálculo: valor da mercadoria, acrescido do valor do II, do IPI, do IOF, das taxas, contribuições e despesas aduaneiras. Maurício Dias Marques 137 Alíquota: interna (18%, 25%, 12%, 7% conforme a natureza do produto). 3.5 A Operacionalidade da Não Cumulatividade É sabido que, em termos práticos, o ICMS a ser pago (dever do contribuinte) resulta da subtração levada a efeito entre o débito do imposto (resultante da aplicação da RMIT) e o crédito do imposto (resultante da aplicação da RMDC). O professor José Eduardo Soares de Melo leciona que: Trata-se de distintas categorias jurídicas (“crédito” e “débito”), que desencadeiam relações jurídicas diferentes e independentes, nas quais credor e devedor se alternam. (...) É certo que a “não-cumulatividade”, além de não consubstanciar natureza tributária, não integra a estrutura do ICMS, tendo operatividade em momento posterior à configuração do débito tributário. Não se confunde com base imponível (aspecto integrante da norma de incidência tributária), posto que a compensação dos débitos, com os créditos, é elemento estranho à quantificação do tributo. (MELO, 1996, p. 156) É importante mentalizar que tanto a RMIT quanto a RMDC representam normas gerais e abstratas. Na operacionalização da não cumulatividade, todavia, já tem que se dispor de normas individuais e concretas, ou seja, os fatos previstos nas RMIT e RMDC já ocorreram no mundo fenomênico e estão instrumentados, principalmente, pelo documento fiscal correspondente, sendo que este deve ser idôneo. A partir daí estarão sendo traçadas as relações jurídicas, tendo-se por conseguinte dois sujeitos ativos e dois sujeitos passivos: a) um sujeito ativo, o Estado, titular do direito de exigir a prestação obrigacional do pagamento do imposto (crédito tributário), afigurando-se como sujeito passivo o contribuinte; b) outro sujeito ativo titular do direito de ver reconhecido o crédito do imposto pela compensação (o contribuinte), afigurando-se como sujeito passivo o Estado. Faz-se mister transcrever o ensino do professor Lourival Vilanova, ainda que de caráter geral, mas que se aplica também ao enfoque aqui tratado: A relação jurídica é interpessoal, é relação intersubjetiva. Os sujeitos são os termos da relação jurídica, ainda que só o sujeito da obrigação fique determinado (como na declaração unilateral de vontade nos títulos ao portador, na promessa de recompensa, etc.), e indeterminado fique o sujeito pretensor. Também, ordinariamente, são sujeitos de direito distintos. Extingue-se a relação obrigacional quando no mesmo termo da relação jurídica se reúnem as posições de sujeito credor e sujeito devedor. (VILANOVA, 1997, p. 75) O professor Paulo de Barros Carvalho assim expressa: ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 138 Penso ser inevitável, porém, insistir num ponto que se me afigura vital para a compreensão do assunto: a norma geral e abstrata, para alcançar o inteiro teor de sua juridicidade, reivindica, incisivamente, a edição de norma individual e concreta. Uma ordem jurídica não se realiza de modo efetivo, motivando alterações no terreno da realidade social, sem que os comandos gerais e abstratos ganhem concreção em normas individuais. (CARVALHO, 2005, p. 372) Então, a partir da documentação fiscal idônea, pode-se realizar a escrituração, do débito, no livro fiscal Registro de Saídas, e do crédito, no livro fiscal Registro de Entradas. Procedendo-se dessa forma, cumprir-se-á o consequente das duas regras matrizes, a RMIT e a RMDC. A compensação de que trata a não cumulatividade é realizada com o auxílio do livro Registro de Apuração do ICMS e o resultado informado à Fazenda Pública por meio da GIA (Guia de Informação e Apuração). Ao transportar os valores de débito do livro Registro de Saídas e os valores de crédito do livro Registro de Entradas, para o livro Registro de Apuração do ICMS e, consequentemente, para a GIA, o contribuinte do ICMS estará realizando o lançamento por homologação ou auto lançamento. Com a entrega da GIA o contribuinte informa à Fazenda Pública um resumo de todo seu registro tributário, tanto de débitos como de créditos, de tal maneira que com isso nascerá a norma individual e concreta colocada no sistema pelo contribuinte. Veja o comentário do professor Paulo de Barros Carvalho: Sobremais, recuperando a premissa de que o direito se realiza no contexto de um grandioso processo comunicacional, impõe-se a necessidade premente de que o documento de que falamos seja oferecido ao conhecimento da entidade tributante, segundo a forma igualmente prevista no sistema positivo. De nada adiantaria ao contribuinte expedir o suporte físico que contém tais enunciados prescritivos, sem que o órgão público, juridicamente credenciado, viesse a saber do expediente. O átimo dessa ciência marca o instante preciso em que a norma individual e concreta, produzida pelo sujeito passivo, ingressa no ordenamento do direito posto. (CARVALHO, 2005, p. 438) E, segundo Estevão Horvath (1997, p. 13), “o lançamento é norma jurídica individual e concreta que visa à realização da norma tributária geral e abstrata.” Mesmo que não se entenda ser lançamento aquele chamado “por homologação” ou “auto-lançamento”, o certo é que, no caso do ICMS, é o contribuinte (sujeito passivo) quem produz a norma individual e concreta, confrontando a RMIT com RMDC, cuja subtração, se se achar na condição de devedor, é comunicada ao Estado para que este possa realizar a cobrança. Nesta linha, o professor Eduardo Marcial Ferreira Jardim argumenta: É oportuno registrar, também, que, de acordo com o modus faciendi específico de cobrança de certos tributos, a exemplo do ICMS, cujo pagamento se dá sem o Maurício Dias Marques 139 lançamento, acaso o sujeito passivo declare o valor apurado num dado período e deixe de realizar o respectivo pagamento, mesmo assim a Fazenda Pública abre mão do lançamento e instaura o procedimento tendente a promover a cobrança judicial do valor correspondente. (JARDIM, 1994, p. 203) O professor José Eduardo Soares de Melo assim se expressa: O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias, ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação. O direito de utilizar o crédito extingue-se depois de decorridos cinco anos contados da data de emissão do documento. Os débitos e os créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizado no Estado. (MELO, in BARRETO, 2004, p. 155) Pensando no lançamento (autolançamento) como norma individual e concreta que reflete tanto a RMIT quanto a RMDC, pode-se buscar refúgio junto ao professor Estevão Horvath: Deveras, parece ser que a única forma de realização das normas gerais e abstratas seja mediante as normas individuais e concretas. Em outras palavras, inúteis seriam as normas que contivessem os caracteres de generalidade e abstração – que, segundo alguns doutrinadores seriam o veículo para atingir a igualdade e a certeza (...) – se não pudessem ser aplicadas in concreto, no mundo fático, por meio da expedição de normas individuais e concretas. ... Poderíamos, assim, dizer que, em obediência à norma jurídica tributária que “cria” a obrigação tributária in abstracto, o ato de aplicação desta norma, ou seja o ato jurídico administrativo do lançamento tributário dirá em seu suposto que ocorreu no mundo fenomênico, aquele fato jurídico tributário, no momento e no âmbito espacial previamente estatuído na lei e consequentemente alguém – o sujeito passivo tributário -, por haver praticado aquele fato, deve recolher aos cofres públicos a quantia “x”, perfeitamente determinada, precisada, a título de tributo. (HORVATH, 1997, p. 17 e 21) Parafraseando as últimas notas do ilustre professor poder-se-ia dizer mais ou menos assim: em obediência à norma jurídica tributária que “cria” o crédito tributário in abstracto a favor do sujeito passivo do ICMS, o ato de aplicação desta norma, dirá em seu suposto que ocorreu no mundo fenomênico aquele fato jurídico tributário do direito ao crédito, no momento e no âmbito espacial previamente estatuído na lei. Consequentemente alguém – o sujeito ativo tributário – concede o direito ao sujeito passivo do ICMS de compensar a quantia “y”, perfeitamente determinada, precisada, anteriormente cobrada nas operações anteriores, a título de crédito para reduzir o imposto incidente. Trazendo ainda à colação os ensinos do professor Estevão Horvath: ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 140 O ato do lançamento vem adicionar à obrigação nascida em estado indeterminado a sua determinação, sua liquidação e por fim propiciar-lhe a exigibilidade. Atribui, em outras palavras, eficácia ao crédito tributário. ... Já o lançamento por homologação, como o denomina a lei, também chamado de “autolançamento”, é aquele em que “quase todo o trabalho é cometido ao súdito, limitando-se o fisco a homologar os atos por ele praticados”, como ensina Paulo de Barros Carvalho. ... Temos para nós que a obrigação tributária nasce no exato momento em que ocorre, no mundo fenomênico, aquele fato, previsto abstratamente na hipótese de incidência tributária, capaz de fazer com que o fisco passe a ser credor de uma determinada quantia em dinheiro a título de tributo, do sujeito passivo que deve (dever jurídico) efetuar a prestação objeto dessa relação jurídica obrigacional. (HORVATH, 1997, p. 40, 47 e 53) Parafraseando agora o último parágrafo da citação, dir-se-ia que: Temos para nós que o direito à compensação do crédito do ICMS, cobrado na operação ou prestação anterior, nasce no exato momento em que ocorre, no mundo fenomênico, aquele fato, previsto abstratamente na regra matriz do direito ao crédito, capaz de fazer com que o contribuinte passe a ser credor de uma determinada quantia em dinheiro a título de crédito, do sujeito ativo que deve (dever jurídico) conceder-lhe esse direito de compensar para reduzir a prestação objeto da relação jurídica obrigacional pela incidência do imposto. Alinha ainda o professor Estevão Horvath as seguintes instruções: O “autolançamento” é o ato, ou o conjunto de atos do particular, que, materialmente, tem o mesmo conteúdo do lançamento, mas não pode produzir os efeitos próprios deste – uma vez que não provém da Administração – a não ser mediante uma ficção jurídica, ou equiparação ao ato de lançamento, o que ocorrerá no caso de ser confirmado (o autolançamento) pela Administração, expressamente, ou pelo decurso de tempo apto a provocar os efeitos do silêncio positivo do Fisco. ... Segundo pensamos, o chamado “autolançamento” é realmente a operação ou o conjunto de operações mentais ou intelectuais, e não somente aritméticas, mas também interpretativas e, sobretudo, aplicativas do Direito correspondente. (HORVATH, 1997, p. 79 e 89) Arremata o ilustre professor Estevão Horvath: As chamadas “GIAs” do ICMS constituem-se num exemplo do que queremos referir. Nelas estão materializadas operações efetuadas pelo sujeito obrigado e pressupõem a interpretação e aplicação, pelo particular, do ordenamento jurídico tributário (ou a adequação da conduta daquele ao que prescreve a lei). Ao conjunto dessas operações denominamos autolançamento, com referência ao qual as “GIAs” são uma das formas da sua exteriorização. ... As chamadas “GIAs”, por conseguinte, contêm o autolançamento praticado pelo sujeito obrigado, podendo ser consideradas como uma espécie de materialização. deste. (HORVATH, 1997, p. 130/131) Maurício Dias Marques 141 3.6 A RMIT e a RMDC como normas gerais e abstratas e a operacionalidade do direito ao crédito como norma individual e concreta. Tratou-se neste estudo das normas gerais e abstratas, tanto aquela representada pela RMIT (Regra Matriz de Incidência Tributária), quanto aquela representada pela RMDC (Regra Matriz de Direito ao Crédito). Então, diante de todo o exposto, e, levando-se em consideração que o princípio da não cumulatividade, genericamente, se estriba na “compensação” do imposto devido na operação com o imposto cobrado nas operações anteriores, pode-se agora restringir esta abordagem, até para necessária síntese e melhor entendimento, às RMIT e RMDC que compreendam tão somente “operações com mercadorias”. Nesse sentido, veja a colocação de Roque Antonio Carrazza: Em síntese, este ICMS deve ter por hipótese de incidência a operação jurídica que, praticada por comerciante, industrial ou produtor, acarreta circulação de mercadoria, isto é, transmissão de sua titularidade. Só há falar em ICMS se comprovadamente houver uma operação mercantil – ou seja, um negócio jurídico que implique circulação de mercadoria. (CARRAZZA, 2006, p. 55) Para aplicação ou operacionalização da não cumulatividade do ICMS, e, portanto, aplicação prática das RMIT e RMDC, nas operações com mercadorias, pode-se pensar em quatro relações jurídicas, num estabelecimento varejista, por exemplo: Primeira: a “relação jurídica comercial”, quando da entrada física ou simbólica da mercadoria, instalada a partir da operação mercantil entre fornecedor e adquirente (transferência da propriedade da mercadoria); Segunda, resultante da primeira, que é a “relação jurídica do direito ao crédito”, em que o adquirente da mercadoria detém o direito ao crédito perante o Estado, instalada a partir da aplicação da regra matriz do direito ao crédito; Terceira, a “relação jurídica comercial”, quando da saída física ou simbólica da mercadoria, instalada agora a partir da operação de transferência de propriedade da mercadoria deste adquirente (varejista) a um terceiro (consumidor); Quarta: a “relação jurídica tributária”, instalada a partir da aplicação da regra matriz de incidência tributária quando da saída física ou simbólica da mercadoria. ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 142 Importa destacar que toda relação jurídica do ICMS é documentada com a emissão de notas fiscais que as retratam, seja para confirmar ou convalidar os negócios jurídicos, seja para convalidar a tributação. O interesse aqui são as relações jurídicas de ordem tributária. Assim, no esquema traçado acima, ter-se-ia que aplicar a segunda (relação do direito ao crédito) e a quarta (relação tributária do débito do imposto). O professor Paulo de Barros Carvalho (2005, p.353) expressa: “As normas reguladoras da não cumulatividade operavam num outro momento, que dissemos arrecadatório, quando o devedor abatia da importância efetivamente devida os créditos que a legislação lhe faculta, recolhendo tão-só o saldo porventura existente.” Relativamente à não cumulatividade, o professor Roque Antonio Carrazza entende que: A compensação em tela efetiva-se por meio de simples operações de encontro de contas de crédito/débito. Conforme já acenamos, o princípio da não cumulatividade outorga ao contribuinte o direito público subjetivo de pagar, à guisa de ICMS, apenas a diferença apurada, no encerramento do período, entre seus créditos e débitos. De fato, a compensação a que estamos aludindo efetiva-se por intermédio da chamada “conta corrente fiscal”, em que o saldo, se devedor, é pago pelo contribuinte e, se credor, é transferido para aproveitamento em períodos subsequentes. O contribuinte tem o direito incontornável de lançar em sua escrita fiscal o “crédito fiscal” decorrente das aquisições de mercadorias, bens ou serviços tributados (ou tributáveis) pelo ICMS para, no momento oportuno (em geral, a cada trinta dias), utilizá-lo como “moeda de pagamento”. (CARRAZZA, 2006, p. 313) Paulo de Barros Carvalho assim expressa: De modo símile, no processo de formação do direito ao crédito, temos: (i) regramatriz do direito ao crédito, (ii) ocorrência do evento previsto no antecedente da norma geral e abstrata, (iii) relato dos acontecimentos pela via da linguagem prevista no direito positivo (linguagem competente), com a emissão da norma individual e concreta, seja pelo contribuinte, seja pela autoridade fazendária, surgindo o fato jurídico e a respectiva relação que veicula o direito ao crédito do imposto; (iv) comunicação da norma individual e concreta ao órgão próprio da Fazenda ou, no caso de expedição pelo fisco, a intimação do administrado, (v) aparecimento formal do direito ao crédito do imposto. (CARVALHO, 1998, RDDT 33) Continua o professor Paulo de Barros Carvalho em sua lição: Para tornar efetivo o princípio da não cumulatividade exige-se, em cada ciclo, a compensação entre a relação do direito ao crédito (nascida com a entrada do bem) e a relação jurídica tributária (que nasce com a saída do bem). É por esse motivo que o direito ao crédito, daquele que participa das fases do ciclo da não Maurício Dias Marques 143 cumulatividade, é tão necessário na consecução dessa técnica impositiva. (CARVALHO, 1998, RDDT 33) Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, discorrendo sobre o direito aplicado, assim mencionam: Assim, antes de realizar saídas, o contribuinte não tem, ainda, como exercitar o seu direito ao crédito do ICMS relativo às entradas de mercadorias em seu estabelecimento. Esse direito nasce, é certo, das entradas, mas as saídas constituem condição indispensável ao exercício desse direito. Na linguagem de Pontes de Miranda, pode-se dizer que ocorridas as entradas o contribuinte tem o direito, mas não tem ainda a pretensão, que lhe confere exigibilidade. ... A não cumulatividade do ICMS, prevista na Constituição, efetiva-se no momento da apuração do valor do imposto a ser pago. Sempre que entram mercadorias no estabelecimento do contribuinte, este credita-se do imposto incidente nas operações anteriores. Quando ocorrem saídas, o contribuinte debita-se do imposto respectivo. No final do período, o valor devido corresponde à diferença entre créditos e ou débitos, quando maiores estes últimos. Havendo saldo credor, será este transferido para o período seguinte. (MACHADO, MACHADO SEGUNDO, 2008, p. 123/122) Dessa maneira, tomando-se um exemplo prático hipotético bem simples, ficar-se-ia com a aplicação das RMIT e RMDC, transpostas agora para o campo da fatalidade (fato acontecido no mundo fenomênico) e transformadas então em normas individuais e concretas, pois só assim se pode operacionalizar a “compensação”. Como ensina o mestre Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 250): “O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidência da norma tributária em sentido estreito ou regra-matriz de incidência tributária.” Continua o professor Paulo de Barros Carvalho a ensinar: Mas esse enquadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção. (...) Para que seja tido como fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real, descrita no suposto da norma individual e concreta expedida pelo órgão competente, tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na norma geral e abstrata. Que apenas um não seja reconhecido, e a dinâmica que descrevemos ficará inteiramente comprometida. (CARVALHO, 2005, p. 250/251) Então, em termos práticos, num estabelecimento varejista qualquer onde houve uma compra de mercadoria tributada por R$1.000,00 e uma venda dessa mercadoria por R$1.200,00, teríamos: a) A relação jurídica do direito ao crédito, ocorrida quando o varejista adquiriu mercadorias tributadas, dentro do Estado de São Paulo, no valor de R$1.000,00, que lhe gerou crédito (imposto devidamente destacado na nota fiscal de compra) de R$ 180,00, direito este sob o comando da RMDC. ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 144 Antecedente Critério material: adquirida a mercadoria tributada pelo varejista Critério temporal: no momento da entrada da mercadoria em seu estabelecimento Critério espacial: no local de seu estabelecimento (Estado de São Paulo) Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o estabelecimento varejista adquirente da mercadoria. Sujeito passivo: o Estado de São Paulo Critério quantitativo: Base de Cálculo: R$1.000,00 (valor da operação) / Alíquota: 18% = R$180,00 (lembrar que o ICMS é calculado “por dentro”) Síntese: “SE o contribuinte do ICMS, estabelecimento varejista, adquire mercadoria tributada, quando da entrada da mercadoria em seu estabelecimento, ENTÃO, esse contribuinte possui um crédito perante o Estado de São Paulo correspondente a R$180,00 (valor da operação: R$1.000,00 x alíquota de 18%).” b) A relação jurídica do débito do imposto, ocorrida quando o varejista vendeu as mercadorias ao consumidor, pelo valor de R$1.200,00, que lhe gerou um débito (comumente impresso no cupom fiscal emitido) de R$ 216,00, dever este sob o comando da RMIT. Antecedente Critério material: realizada a operação de circulação de mercadorias (venda ao consumidor) Critério temporal: no momento da venda (transferência da titularidade das mercadorias) Critério espacial: local do estabelecimento varejista (Estado de São Paulo) Consequente Critério pessoal: Sujeito ativo: o Estado de São Paulo Sujeito passivo: o estabelecimento varejista Critério quantitativo: Base de cálculo: R$ 1.200,00 (valor da operação) / Alíquota: 18% = R$216,00 (lembrar que o ICMS é calculado “por dentro”) Síntese: “SE o contribuinte do ICMS, estabelecimento varejista, vende ao consumidor final mercadoria tributada, no momento da venda ou da transferência de titularidade da mercadoria ocorrida em seu estabelecimento, ENTÃO, esse contribuinte terá que pagar ao Estado de São Paulo o valor de R$216,00 (valor da operação: R$1.200,00 x alíquota de 18%).” c) O confronto dessas contas opera a não cumulatividade, devendo pagar o imposto da diferença R$36,00, dados estes que informará ao Estado através da GIA, estando assim construídas as normas individuais e concretas, tanto da incidência como do crédito. Como visto acima, a operacionalização da não cumulatividade e, portanto, a operacionalidade do exercício do direito ao crédito, depende da ocorrência dos fatos no mundo fenomênico e a compensação, de que tanto fala o princípio da não cumulatividade, só se pode dar Maurício Dias Marques 145 quando aplicadas as normais individuais e concretas, sendo certo que o pagamento do imposto ou acúmulo de crédito opera-se por simples confronto entre as duas normas individuais e concretas. Pode-se aqui transcrever opinião um pouco diferenciada, contida na tese de mestrado de André Felix Ricotta de Oliveira (2010, p. 112, 120/123), em que se fala em três momentos do direito de crédito do ICMS (realização da operação mercantil – suporte fático; escrituração da nota fiscal de entrada nos livros fiscais e apuração do imposto devido pela realização do crédito e débito). O texto a seguir poderia, de certa forma, sintetizar seu pensamento: Desse modo, temos dois momentos distintos no mesmo suporte fático, o primeiro é quando ocorre a incidência do ICMS, quando uma das quatro hipóteses de incidência do imposto é realizada no mundo fenomênico e vertida em linguagem competente, ou seja, quando realizada a operação mercantil ou a prestação de serviço de transporte estadual, intermunicipal ou de comunicação e o fornecedor verte em linguagem competente emitindo o documento fiscal (nota fiscal), ou o fisco verificando a ocorrência no mundo fenomênico realiza o lançamento. O segundo momento é o surgimento do crédito do ICMS, que ocorre quando o adquirente da mercadoria ou da prestação de serviço recebe o documento fiscal que prescreve a operação e escritura o documento nos livros contábeis, ou seja, ao receber a mercadoria com seu respectivo documento fiscal adquire o direito subjetivo de lançá-lo em sua escrita fiscal e abater do imposto devido nas operações anteriores. O terceiro momento é o direito ao crédito do imposto, da efetivação do encontro de contas, da compensação dos créditos de ICMS advindos das operações anteriores, com o montante devido nas posteriores, que ocorre no momento de apuração do imposto devido no exercício, realizando o abatimento dos créditos e débitos em conta gráfica e lançando em GIA. (OLIVEIRA, 2010, p. 111/112) Mas, vislumbrando as normas gerais e abstratas representadas pela RMIT e pela RMDC, que aqui foram expostas de forma singela, não se consegue, s.m.j., colocar num mesmo plano uma outra regra matriz, ou melhor, não se consegue enxergar três regras. Entenda-se que parte-se das RMIT e da RMDC para construção das normas individuais e concretas e a diferença aritmética entre o resultado da aplicação das mesmas (seja a favor ou contra o Estado) é que seria o resultado da compensação, segundo o princípio da não cumulatividade. 4. CONCLUSÃO A regra matriz de incidência, proposta pelo professor Paulo de Barros Carvalho e seguida por vários discípulos, aplica-se a situações obrigacionais que ocorrem no mundo fenomênico e é instrumento de operação do direito de forma prática, lógica e racional. Assim sendo, não seria diferente na operação das normas do ICMS insertas no texto constitucional, lei complementar e lei do ICMS de cada Estado, podendo-se aplicá-la tanto ICMS – Regra matriz de incidência tributária e regra matriz de direito ao crédito 146 para trazer à luz a RMIT (Regra Matriz de Incidência Tributária) como a RMDC (Regra Matriz do Direito ao Crédito), para poder operacionalizar o princípio da não cumulatividade. A partir das “regras matrizes” – RMIT e RMDC – é possível se estabelecer as relações jurídicas, a primeira tendo como sujeito ativo o Estado e sujeito passivo o contribuinte do imposto, enquanto que a segunda tendo como sujeito ativo o contribuinte e sujeito passivo o Estado. As relações jurídicas estabelecidas pelas normas individuais e concretas, como reflexo das normas gerais e abstratas expostas nas citadas “regras matrizes”, geram ou fazem transparecer o confronto entre o direito de uma parte e o direito da outra parte como sujeitos ativos, o que faz operar o requisito da “compensação” apregoado no princípio da não cumulatividade. Na prática, as normas individuais e concretas colocadas no sistema através da GIA – Guia de Informação e Apuração do ICMS, operam a compensação, servindo as “regras matrizes” – RMIT e RMDC aqui expostas, nesse átimo temporal, como instrumentos de conferência ou confirmação da materialidade do direito dos sujeitos ativos (Estado e contribuinte) no mecanismo prático do ICMS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Aires F. et al. Curso de iniciação em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2004. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 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