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A Educação Brasil

Por:   •  5/9/2017  •  Artigo  •  3.627 Palavras (15 Páginas)  •  150 Visualizações

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EDUCAÇÃO INTEGRAL: UMA NOVA IDENTIDADE PARA A ESCOLA BRASILEIRA? ANA MARIA VILLELA CAVALIERE* RESUMO: A escola fundamental pública brasileira vive um momento de perda de identidade cultural e pedagógica. A ampliação desordenada de suas tarefas, bem como as recentes políticas oficiais, tais como programas bolsa-escola, novos critérios de progressão escolar, inclusão no currículo de temas ligados à saúde, à ética e à cultura, parecem delinear uma realidade em que as necessidades só- cio-integradoras assumem posição primordial no cotidiano escolar. O quadro nos leva a revisitar a concepção de educação integral, em sua vertente pragmatista. Destacamos nos trabalhos de Dewey e Habermas fundamentos filosóficos à formulação de uma concep- ção de instituição escolar que possa contribuir com a construção de uma nova identidade para a escola fundamental, respondendo ao desafio democrático hoje posto à sociedade brasileira. Palavras-chave: Educação integral. Funções da escola. Pragmatismo. Escola fundamental. INTEGRAL EDUCATION: A NEW IDENTITY FOR THE BRASILIAN BASIC SCHOOL? ABSTRACT: The Brazilian public school system for basic education is going through both a loss of cultural identity and a pedagogical crisis. The chaotic expansion of its tasks as well as such recent policies as voucher-based programs, new evaluation systems, and the inclusion of topics related to health, ethics and culture into the academic curriculum seem to define a reality in which social integration acquires a central position in daily school life. This scenario leads us to review the concept of “integral education” in its pragmatist approach. The works of Dewey and Habermas provide * Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: anacavaliere@yahoo.com.br 248 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 Disponível em us with sufficient philosophical foundations to create a concept of educational institution that may contribute to constructing a new identity for the basic education system, thereby responding to the democratic challenge facing the present Brazilian society. Key words: Integral education. School’s functions. Pragmatism. Basic education. este artigo, vamos retomar a concepção de educação integral, tendo por base o conceito de “educação como reconstrução da experiência”, no contexto da corrente filosófica pragmatista1 e de seu destacado autor John Dewey. Buscamos aqui uma possível base teórica para a elaboração de uma proposta de educação fundamental que possa corresponder às novas necessidades e problemas que hoje apresentam as escolas públicas brasileiras voltadas para esse segmento do sistema. A escola fundamental vem sendo instada, nos últimos anos, a assumir responsabilidades e compromissos educacionais bem mais amplos do que a tradição da escola pública brasileira sempre o fez. Enquanto se destinava efetivamente a poucos, alcançando pequena parcela da população, tinha a função precípua da instrução escolar, e sua ação social era uma expansão linear dos processos integradores da comunidade sócio-cultural homogênea que a ela tinha acesso. A isso se seguiu o processo de escolarização das grandes massas da população brasileira, realizado na segunda metade do século XX. Este processo deu-se em bases de um esvaziamento das responsabilidades da escola expresso, entre outros fatores, pelas instalações precárias de seu ambiente físico, pela redução da jornada e multiplicação dos turnos, pela desorientação didático-pedagógica e pela baixa qualidade da formação dos professores. Nesse último período, firmou-se a tradição das instituições escolares omissas, cujo principal produto é a exclusão precoce de grande parte das crianças que a elas chegam. Tal situação atingiu o ápice nas décadas de 70, 80 e 90. O coroamento do ciclo de urbanização desordenada associado à políticas públicas erráticas e inadequadas (Cunha, 1995) bem como a tendente privatização do sistema, com a retirada da classe média urbana da escola pública, consolidaram a baixa qualidade prática e simbólica do sistema de educação fundamental pública. Hoje, em meio a essa realidade, se esboça um processo reativo, ainda carente de elaboração política coletiva, conduzido pelos Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 249 Disponível em profissionais das escolas, de incorporação de um conjunto de responsabilidades educacionais, não tipicamente escolares, mas, sem o qual, o trabalho especificamente voltado para a instrução escolar torna-se inviável. São atividades relacionadas à higiene, saúde, alimentação, cuidados e hábitos primários. Além disso, observa-se grande dependência afetiva de parcela importante do alunado que, muitas vezes, tem na escola e em seus profissionais a referência mais estável entre suas experiências de vida. A posição dos professores em relação ao problema é contraditória. Em depoimentos que pudemos recolher ao longo dos últimos anos junto a professores de diversas escolas públicas do Rio de Janeiro 2 prevalece a recusa formal em assumir esses papéis, não considerados típicos de sua identidade profissional. Entretanto, apesar da recusa “teórica”, revela-se também um reconhecimento tácito da inevitabilidade desse caminho. Na prática, aumentam as ações com sentido educacional preliminar e pouco específico, principalmente nas primeiras séries do ensino fundamental, mas também nas séries finais. Essa incorporação desorganizada, imposta pelas circunstâncias, de novos elementos à rotina da vida escolar, que de complementares ou secundários passaram a imprescindíveis, sem um correspondente projeto culturalpedagógico, tem levado à descaracterização, isto é, à crescente perda de identidade da escola fundamental brasileira. As recentes políticas públicas que buscam garantir a permanência das crianças nas escolas pelo menos até o final do período da obrigatoriedade revelam a percepção, por parte da sociedade, de que existe a necessidade de construção de uma nova identidade para a escola fundamental, sendo a primeira e indispensável condição para tal a integra- ção efetiva de todas as crianças à vida escolar. Os programas “Bolsaescola”, as mudanças nos critérios de organização de turmas e de progressão escolar, a inclusão no currículo oficial de temas ligados à saúde, à ética, e à cultura, a delegação a cada instituição escolar de maior autonomia na formulação de seu projeto pedagógico, a programação de “Dias Nacionais” da família na escola são medidas que pretendem conquistar ou fortalecer a adesão das crianças e suas famílias à escola, prolongando sua permanência nela e respondendo aos efeitos desse prolongamento. Em suma, parece delinear-se uma realidade em que as necessidades sóciointegradoras assumem posição primordial no cotidiano da escola fundamental brasileira. Busca-se, de forma pouco explícita e pouco sistematizada, um novo formato para essa escola que associe a instrução escolar a uma forte ação no campo da socialização primária e da integração social de 250 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 Disponível em contingentes da população ainda em grande parte pouco marcados pelo ethos escolar. Não é por outro motivo que as secretarias de educação desenvolvem, em muitos estados brasileiros, programas de complementação do horário escolar com atividades esportivas, culturais ou de “reforço” da aprendizagem. No estado do Rio de Janeiro, principalmente na capital, a sobrevivência das escolas de tempo integral (CIEPs), que representam cerca de 10% do total de estabelecimentos e de alunos da rede municipal,3 a despeito dos inúmeros reveses políticos por que passaram, também expressa essa tendência. A ampliação das funções da escola, de forma a melhor cumprir um papel sócio-integrador, vem ocorrendo por urgente imposição da realidade, e não por uma escolha político-educacional deliberada. Entretanto, a institucionalização do fenômeno pelos sistemas educacionais, que já desponta nas políticas públicas acima citadas, envolverá escolhas, isto é envolverá concepções e decisões políticas. Tanto poderão ser desenvolvidos os aspectos inovadores e transformadores embutidos numa prática escolar rica e multidimensional, como poderão ser exacerbados os aspectos reguladores e conservadores inerentes às instituições em geral. Em vista disso, nos dispusemos, conforme apresentado no início deste texto, a retomar a reflexão sobre um tema antigo e recorrente na história das idéias e das práticas pedagógicas: a educação integral. Esse artigo insere-se em um esforço teórico de buscar, nos fundamentos da concepção de educação integral, aqueles elementos que possam responder à necessidade que aflora no cotidiano escolar brasileiro de uma intencional e efetiva ação socialmente integradora, de forma tal que a natureza dessa ação possa representar uma contribuição ao processo de democratização da instituição escolar pública e não uma reafirmação de seu caráter discriminatório. Sabemos que a busca de uma nova identidade sócio-cultural para a escola não se esgota em seus temas internos. Está necessariamente ligada a um projeto mais amplo de sociedade. Nos limites deste texto, refletir sobre o fenômeno da ampliação das funções da escola e sobre as bases teóricas da concepção de educação integral significou buscar as ligações e rompimentos entre “vida” e educação escolar, tentando desvelar possibilidades e limites para a instituição escolar na realidade em que vivemos. Entretanto, o tema educação integral é vasto. Muitas vertentes poderiam ser trilhadas na exploração do mesmo. Optamos pela Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 251 Disponível em abordagem da corrente filosófica pragmatista, enfocando o pensamento de John Dewey e sua concepção de educação como “reconstrução da experiência”. Com isso, fomos levados a revisitar o movimento liberal reformador da Escola Nova, que teve grande influência na educação brasileira por meio, principalmente, dos escritos e ações de Anísio Teixeira. Em complemento à abordagem pragmatista, analisaremos também aspectos do pensamento de Jürgen Habermas, que enriquecem e possibilitam desdobramentos às proposições originais de Dewey. A educação integral no movimento escolanovista Historicamente, os ideais e as práticas educacionais reformadoras, reunidos sob a denominação de Escola Nova, fizeram uso, com variados sentidos, da noção de educação integral. O movimento reformador, do início do século XX, refletia a necessidade de se reencontrar a vocação da escola na sociedade urbana de massas, industrializada e democrática. De modo geral, para a corrente pedagógica escolanovista a reformulação da escola esteve associada à valorização da atividade ou experiência em sua prática cotidiana. O entendimento da educação como vida, e não como preparação para a vida, foi a base dos diversos movimentos que a formaram. Uma série de experiências educacionais escolanovistas desenvolvidas em várias partes do mundo, durante todo o século XX, tinham algumas das características básicas que poderiam ser consideradas constituidoras de uma concepção de escola de educação integral. As próprias denominações assumidas por estas escolas já indicam muito de seus objetivos. Entre elas, podemos citar as “escolas de vida completa” inglesas; os “lares de educação no campo” e as “comunidades escolares livres” na Alemanha; a “escola universitária” nos EUA; as “casas das crianças” orientadas por Montessori, na Itália; a “casa dos pequenos”, criada por Claparède e Bovet em Genebra; a “escola para a vida”, criada por Decroly em Bruxelas, e muitas outras mais (Luzuriaga,1990; Larroyo, 1974). Apesar das particularidades de cada uma destas experiências, podemos generalizar a importância que davam à articulação da educação intelectual com a atividade criadora, em suas mais variadas expressões, à vida social-comunitária da escola, à autonomia dos alunos e professores; à formação global da criança. 252 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 Disponível em As novas idéias em educação questionavam o enfoque pedagó- gico até então centrado na tradição, na cultura intelectual e abstrata, na autoridade, na obediência, no esforço e na concorrência. Para os reformistas, a educação deveria assumir-se como fator constituinte de um mundo moderno e democrático, em torno do progresso, da liberdade, da iniciativa, da autodisciplina, do interesse e da cooperação. As reformas nas instituições escolares visavam à retomada da unidade entre aprendizagem e educação, rompida a partir do início da era moderna, pela própria escolarização, e buscavam religar a educação à “vida”. Com esta tentativa de desformalizar parcialmente a educação escolar, o movimento escolanovista pretendia que a escola interviesse de maneira ao mesmo tempo mais profunda e mais abrangente na educação dos indivíduos. Do ponto de vista político-social, as novas idéias eram uma resposta à generalização e laicização da educação escolar alcançada, na Europa e nos Estados Unidos, em fins do século XIX. O ideal da educação para todos ganha concretude, e esta concretude põe em xeque as tradições escolares. Já do ponto de vista do conhecimento científico, as novas idéias eram uma conseqüência dos avanços da biologia e da psicologia, que embasavam uma nova visão da criança, da aprendizagem, da educação em geral e da educação escolar. Algumas análises teóricas consideram a emergência do escolanovismo como a expressão, na área educacional, da passagem do liberalismo clássico, historicamente revolucionário, para o liberalismo moderno ou conservador, correspondente à situação hegemônica do sistema capitalista (Saviani, 1989; Gandini, 1980). Nesta fase, o capitalismo torna-se monopolista e o Estado passa a assumir funções reguladoras. Ainda segundo essa interpretação, o pensamento que corresponde a esse tipo de liberalismo jamais chega a questionar a própria representatividade do Estado e vê os antagonismos sociais estruturais como imperfeições a serem corrigidas pelo desenvolvimento científico e cultural da sociedade, ou seja, pela racionalização da vida social. A tendência escolanovista de hipervalorização do papel da educação escolar na vida dos indivíduos e da sociedade é questionada justamente por que tal hipervalorização estaria inserida no contexto de busca da superação dos antagonismos sociais por meio da ação coletiva “equilibradora” do Estado. Dessa forma, o escolanovismo teria Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 253 Disponível em um sentido histórico conservador, pois adequaria a escola ao papel de diluir conflitos. Além disso, ao questionar as práticas no interior da escola, o escolanovismo teria executado um deslocamento do eixo de preocupação do âmbito político (relativo à sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnico-pedagógico (relativo ao interior da escola), cumprindo a função de manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolvendo um tipo de ensino adequado a esses interesses (Saviani, 1989). Se, de fato, a democratização das relações internas à vida escolar não é condição suficiente de democratização da sociedade, ela também não pode ser entendida apenas no âmbito técnico-pedagógico. A vivência de relações democráticas ao longo da vida escolar é uma experiência coletiva, de resultados inelimináveis sobre cada indivíduo, que pode trazer importantes contribuições à vida social em geral. A rigor, ela é a única experiência escolar absolutamente insubstituível pelas tecnologias educacionais. Além disso, vale lembrar a natureza política dos fenômenos que ocorrem no interior da escola, nos termos explicitados desde os anos 70 pela Nova Sociologia da Educação Inglesa (NSE), que destacou a relação não apenas da organização/seleção do currículo, mas também dos processos de transmissão do conhecimento com as formas dominantes de poder e de controle social (Apple, 1989). Ou seja, todo âmbito “técnico-pedagógico” é também necessariamente um âmbito político. A natureza intersubjetiva dos processos de organização dos contextos escolares gera uma imensa e imprevisível gama de alternativas tanto conservadoras como emancipatórias. Mesmo reconhecendo que o significado do escolanovismo não é unívoco e abarca, em sua prática, inúmeras contradições, não se pode deixar de enxergá-lo como uma tentativa de resposta à necessidade de reformulação da escola para que a mesma pudesse realizar a tarefa democrática de acolher, em condições de igualdade, crianças com experiências sociais e culturais diversas. Quanto a isso, é preciso ainda estarmos atentos ao fato de que o grau de desenvolvimento das discussões sobre o tema da diversidade cultural circunscrevia-se, como não poderia deixar de ser, ao paradigma da época, ainda fortemente marcado pela perspectiva de que o alcance de uma sociedade igualitária tinha por base uma aproximação tendencial à homogeneidade cultural. Retrospectivamente, não seria adequado esperar do movimento a antecipação de um tipo de projeto sócio-cultural que 254 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 Disponível em somente as reflexões e teorias da chamada pós-modernidade, da segunda metade do século XX, colocaram em jogo.4 Do ponto de vista prático, é preciso observar se, no caso brasileiro, por exemplo, a expulsão das camadas populares da escola teria sido feita, ao longo de todos esses anos, principalmente com base nos métodos da educação nova. Ao contrário, as reprovações, os conteúdos rigidamente estabelecidos, a concepção formal de disciplina, a rejeição à diferença cultural, elementos típicos da chamada pedagogia tradicional, continuam sendo os mais eficientes vetores do fracasso escolar e da exclusão precoce das crianças brasileiras da escola. O fato de que as concepções da pedagogia nova tenham, em alguns momentos, servido para justificar o descompromisso ou a desorientação pedagógica, não define o sentido histórico do movimento. Identificar, nas formulações e práticas da Escola Nova, aspectos que poderiam, em sua dimensão “lógica”, servir às necessidades renovadas do sistema capitalista monopolista não é o suficiente para prever as resultantes práticas desses mesmos aspectos. Podemos afirmar, com base na sociologia weberiana, que os efeitos concretos das ações sociais, inclusive da ação educativa, nem sempre correspondem seja às suas intenções declaradas, seja às propriedades causais a elas atribuíveis. O movimento escolanovista também corresponde aos avanços do pensamento democrático, desde que este último seja entendido não como simples arranjo, no campo das idéias, visando o favorecimento do funcionamento capitalista, mas sim como fruto de um autêntico impulso intelectual e político em direção a uma sociedade melhor. A redução de um amplo e consciente movimento de questionamento do instituído a uma estratégia de controle das classes dominantes sobre as “classes perigosas” (Monarcha, 1989) nos parece imprópria. Historicamente, o questionamento à pedagogia clássica pode ser encontrado, muito precocemente, já no Emílio de Rousseau, e até mesmo antes disso (Luzuriaga, 1990). As origens deste questionamento, portanto, não estão exclusivamente circunstanciadas ao momento vivido pelo capitalismo monopolista do final do século XIX. Expressam um movimento histórico de muito maior amplitude. No século XX, é principalmente com Claparède, Montessori, Decroly, Dewey e Freinet que são desenvolvidas as idéias e sistematizadas as propostas da Pedagogia Nova. O sentido geral dessas novas Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 255 Disponível em idéias é o da criação de canais de comunicação e interferência entre os conhecimentos formalizados e as experiências práticas e cotidianas de vida. Toda a discussão em torno da questão do método, de uma nova visão de como se aprende, continha a idéia de um religamento entre os conhecimentos escolares e a vida em sua plenitude. Quando Montessori apresenta seus materiais concretos, ou quando Decroly formula sua idéias sobre o interesse, ou ainda quando Freinet propõe as aulas-passeio ou a imprensa escolar, o sentido destas propostas é de uma re-aproximação, visando determinados resultados, entre experiência e pensamento, entre esforço e interesse, entre jogo e trabalho. São tentativas de se alcançar uma pedagogia de síntese (Reboul, 1985). Apesar das diferenças substanciais internas ao movimento, com algumas correntes mais voltadas para os aspectos biopsicológicos da educação e outras mais voltadas para os aspectos sociopolíticos, os reformadores da escola tinham em comum a expectativa de alcançar o renascimento social a partir de um novo homem, de uma nova geração, formada segundo essas novas bases escolares. É preciso lembrar ainda que, na maioria dos países ocidentais, a influência da Escola Nova não chegou a alterar as características básicas dos sistemas educacionais, que permaneceram sendo aquelas da pedagogia tradicional. De um lado, a realidade do sistema capitalista não acolheu uma concepção de escola que envolvia investimentos muito maiores (materiais; proporção professor/aluno; atividades diversificadas) e que fugia com facilidade a um controle centralizado, abrindo possibilidades ao surgimento de novas mentalidades. Como doutrina, o capitalismo tardio optou pelas concepções de educação fundamentadas na chamada “teoria do capital humano”, ou seja, da educação como planejamento e investimento econômico que derivaram posteriormente na compreensão, hoje predominante, de educação como mercadoria, ou seja, como produto específico e delimitado a ser consumido. De outro lado, para a pedagogia socialista, a reformulação da escola esteve sempre associada à sua ligação com o trabalho. A produção é vasta e caberia um estudo que recuperasse as diferentes propostas de religamento entre trabalho e educação. Nelas, a idéia da educação integral esteve sempre presente. Seus precursores, os anarquistas, tinham a educação integral como bandeira política, baseando-a na 256 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 247-270, dez. 2002 Disponível em associação entre trabalho manual e intelectual. Muitas das experiências pioneiras da pedagogia nova foram desenvolvidas justamente por esses socialistas libertários (Bakunin et al., 1989). A escolarização tradicional, isto é, a pedagogia intelectualista, voltada primordialmente para a transmissão dos conhecimentos sistematizados, pressupõe um certo grau de homogeneidade cultural prévia que garanta uma coincidência de objetivos, valores e expectativas em relação ao saber e à escola, necessários para um resultado eficiente de sua ação. Quanto mais homogênea, deste ponto de vista, for uma sociedade, mais chances tem a pedagogia tradicional de ser bem sucedida, mesmo quando sua função social efetiva é o aprofundamento ou a manutenção das clivagens sociais. Quanto mais efetivo for o reconhecimento, por parte de classes e grupos de uma sociedade, da “autoridade pedagógica”, ou seja, quanto menos esta necessitar produzir permanentemente as condições de sua instauração e de sua perpetuação, mais efetivo será o trabalho da escola, inclusive no processo de reprodução da desigualdade social.5 A Escola Nova, especialmente a que se inspirou no pensamento de Dewey, pretendeu criar novas bases para o reconhecimento da “autoridade pedagógica”. Bases que dispensassem a existência de um acervo cultural fechado de antemão e que permitissem a livre expressão e desenvolvimento das diversas individualidades e culturas, apostando na possibilidade de um encontro delas em algum ponto a ser descortinado. Não por acaso, foi nos Estados Unidos que o pensamento escolanovista mais se desenvolveu e onde sua prática foi mais consistente. Isso está relacionado à própria característica da formação social americana. Sua pluralidade étnica e cultural demandava um tipo de escolarização da qual emergissem cidadãos capazes de construir uma identidade cultural coletiva. Para além desta possível interpretação da Escola Nova como sendo, no caso americano, uma resposta às necessidades de uma sociedade que se formara pela imigração variada, ou como sendo, no caso europeu, uma tentativa de democratização efetiva do sistema em vista da extensão da escolarização a todas as camadas sociais, outro aspecto deve ser lembrado: um dos grandes impulsos do pensamento escolanovista foi a ocorrência das guerras mundiais, particularmente a primeira grande guerra, que surpreendeu o espírito iluminista com o fato de que foram exatamente as nações mais desenvolvidas na ciência, na tecnologia e na filosofia que protagonizaram o episódio bárbaro.

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