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Noberto Bobbio

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Por:   •  1/3/2015  •  4.665 Palavras (19 Páginas)  •  433 Visualizações

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Norberto Bobbio é um autor consagrado no campo da teoria democrática. Numerosos são seus seguidores e muito escassos seus detratores. Para as correntes dominantes, Bobbio é frequente objeto de laudatórios comentários e citações. Quadro análogo se verifica, também e curiosamente, entre muitos defensores de uma democracia alternativa ou mais progressista. Consideramos, porém, que a construção de uma concepção democrática autenticamente contra-hegemônica deveria incluir, entre suas tarefas iniludíveis, o questionamento às teses do renomado intelectual de Turim – teses, em muitos casos, impregnadas de um viés mais ou menos elitista e conservador.

É assim, então, que, situados na contramão da orientação majoritária, buscaremos analisar criticamente alguns dos principais elementos constitutivos da definição bobbiana da democracia. Começaremos por discutir a problemática relação que Bobbio estabelece entre a democracia e o liberalismo, por entender que tal discussão nos oferecerá uma boa base para realizar, nas páginas seguintes, um exame mais acurado das ambiguidades de Bobbio frente ao fenômeno democrático e de seus temores frente a qualquer possibilidade de um envolvimento mais ativo das grandes massas populares na vida pública. Consequentemente, dividimos o texto em quatro seções: As relações entre o liberalismo e a democracia no pensamento de Norberto Bobbio; A defesa da democracia representativa e a condenação da democracia direta; "O excesso de democracia" e a filosofia da resignação; e Considerações finais.

 

As relações entre o liberalismo e a democracia no pensamento de Norberto Bobbio

No que diz respeito às relações entre o liberalismo e a democracia, há na obra de Norberto Bobbio uma tendência a assumir ambos os conceitos como estreita e auspiciosamente interligados1. Tal tendência o situa, dentro do campo da ciência política, como um dos grandes sistematizadores e defensores da "fórmula democrático-liberal", apresentada como um modelo racional de ordem social, capaz de preservar a livre existência do ser humano na sociedade de massas. Para o nosso autor, o que caracterizaria o regime político moderno como democrático seria a garantia dos direitos individuais. Desse ângulo, tal regime configuraria o natural prosseguimento do Estado liberal, acolhendo, em sua própria estrutura, os clássicos direitos de liberdade civis e políticos habitualmente associados ao pensamento liberal. O liberalismo, tido por Bobbio (1997, p. 219) como superior historicamente às outras formas políticas, opera como fundamento e condição necessária do governo democrático moderno. Para o intelectual italiano,

o Estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas também jurídico do Estado democrático. Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. A prova histórica desta interdependência está no fato de que Estado liberal e Estado democrático, quando caem, caem juntos (Bobbio, 2006b, p. 32-33).

Na interpretação de Bobbio, a democracia moderna seria o triunfo do indivíduo e consequência histórica do liberalismo. Assim sendo, liberalismo e democracia repousariam, ambos, sobre uma concepção individualista de sociedade, considerando os direitos da pessoa – a liberdade de opinião, de expressão, de reunião, de associação – como de origem liberal, ficando cristalizados e garantidos na democracia moderna, com o reconhecimento constitucional de direitos "invioláveis" do indivíduo.

A democracia nasceu de uma concepção individualista da sociedade, isto é, da concepção para a qual — contrariamente à concepção orgânica, dominante na idade antiga e na idade média, segundo a qual o todo precede as partes — a sociedade, qualquer forma de sociedade, e especialmente a sociedade política, é um produto artificial da vontade dos indivíduos (Bobbio, 2006b, p. 34).

O assinalado até aqui pressupõe ter que aceitar que esses direitos estejam necessariamente associados, como habitualmente se faz, ao patrimônio político e categorial do liberalismo. Significa ter que aceitar, também, a caracterização que o intelectual italiano faz de figuras como Locke, Tocqueville, Bentham ou Stuart Mill, os quais define como expoentes do "pensamento liberal e democrático" (Bobbio, 2006b, p. 34)2. Bobbio, nesses assuntos, faz parte de uma tradição solidamente estabelecida que leva a creditar ao liberalismo – e, junto com este, à burguesia – os louros exclusivos pela consagração dos direitos e liberdades de pensamento, de expressão, de reunião e de associação e que considera a defesa de tais direitos e liberdades como sendo a quintessência do Estado liberal. Caberia se interrogar se isso de fato condiz com a verdade histórica. Não deveríamos questionar essa associação tão tranquilamente aceita? Por que concordar com a tese de que são os liberais os únicos e verdadeiros intérpretes da causa da liberdade e dos direitos recém arrolados? Até que ponto esses direitos são obra do liberalismo? Até quando tributaremos gratidão aos liberais por direitos que nem sempre eles impulsionaram ou de cujo avanço não são exclusivos responsáveis? Podemos lembrar, a mero título ilustrativo, os casos do direito ao sufrágio ou do direito de livre associação e dos fortes obstáculos que os liberais interpuseram à sua ampliação para as classes subalternas e, portanto, a seu processo de universalização3. Isso é algo que o próprio Bobbio de alguma forma reconhece quando, por exemplo, atribui aos niveladores o papel precursor na luta pelo voto universal (Bobbio, 2006a, p. 50), em confronto com as forças liberais, as quais por muito tempo teimaram em negar essa ampliação dos direitos políticos4.

Mas voltemos à questão central que nos ocupa nesta seção. De forma taxativa, em "Liberalismo e democracia", Bobbio afirma que "hoje Estados liberais não-democráticos não seriam mais concebíveis, nem Estados democráticos que não fossem também liberais" (Bobbio, 2006a, p. 43). Afirmação de calibre semelhante encontramos algumas páginas mais à frente, nesse mesmo livro, quando ele sentencia que "a

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