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O Caso Dos Exploradores De Caverna

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Por:   •  30/9/2014  •  2.637 Palavras (11 Páginas)  •  486 Visualizações

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Matar o gordinho ou não? O que as escolhas morais têm a ver com o Direito?

Por Lenio Luiz Streck

No seminário sobre improbidade administrativa promovido pelo Conselho da Justiça Federal nos dias 21 e 22 de agosto, um dos assuntos pelos quais fui abordado nos bastidores foi a minha diferenciação entre decisão e escolha. Na própria conferência dei uma pincelada sobre esse tema. Em algumas rodinhas, tentava explicar essa minha tese, advinda da imbricação que faço da hermenêutica filosófica com a teoria integrativa de Dworkin. A soma disso rendeu a Crítica Hermenêutica do Direito, que procuro explicar no recente Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Muitos me indagavam se isso não me transformava em um positivista exegético... Candidamente, respondia que não e que isso tem sido explicado por mim já há mais de vinte anos.

Um dos pontos que sempre deixo claro é que o direito, no segundo pós-guerra, assume-se como um novo paradigma. A Constituição virou norma. Observe-se que nos EUA, bem antes disso, é pertinente observar que a Constituição deles não sofreu qualquer influxo direto do pós-guerra; na realidade, o pós-guerra da Europa Continental é o pós-guerra civil dos americanos (sempre é bom diferenciar estas tradições, até porque, por aqui, trabalhamos com ambas).

Sigo. O direito havia fracassado com as duas grandes guerras: genocídios e todos os tipos de tragédias nas e pelas quais o direito nada pode fazer ou resolver. Eis que, transformadas as constituições em norma, o direito assume uma faceta de transformação social. O ideal de vida boa é transportado para “dentro” dos textos. O velho positivismo, que havia cindido direito e moral, agora é (ou deveria ter sido) suplantado pela tese da cooriginariedade entre direito e moral (de novo, uma observação necessária: a discussão norte-americana se dá quase que paralelamente a isso; por lá, o positivismo jurídico ainda ocupa o mainstream, sem essa ênfase toda no anti [ou pós] positivismo).

Isto quer dizer, no mínimo, que a moral não pode ser corretiva. Moral não corrige o direito. Isto também quer dizer que uma decisão jurídica não é uma “questão de moral ou de filosofia moral”. A partir disso tudo, venho sustentando que os juízes tem responsabilidade política. Eles cumprem um papel. Para entender essa questão, basta ter em mente a alegoria ou metáfora dos dois corpos do rei, que aconselho sempre a leitura.[1] E assim por diante (já escrevi tanto sobre isso que hoje sofro de LEER – Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo).

Esta coluna, assim, é somente para relatar um pouco das discussões que venho travando e as que travei nos bastidores do seminário, assim como em outros congressos (como no da OAB do Paraná, no dia 15 de agosto).

Sempre aparece alguém para falar do Michael Sandel, que vende um montão de livros para os juristas. O que é fazer a coisa Certa? perguntará Sandel em um dos seus livros. Em muitos cursos de graduação e pós, estão discutindo os dilemas morais que o professor de filosofia de Harvard levanta, como se isso fosse uma discussão de e sobre o direito. Rechaço isso. Os exemplos apresentados pelo Sandel tais como o “trolley dilemma” (Dilema do Vagão) servem como pontos de partida para a problematização aceca dos sistemas éticos. Ou seja, tem uma finalidade didática e uma abordagem específica.

Para delírio de operadores do direito (estou usando a palavra com um tom um tanto sarcástico, confesso), os exemplos acerca das “escolhas morais” que devem ser feitas fluem como se fossem um bálsamo. A partir dos exemplos de Sandel, já começam as adaptações... E os ativismos... E os decisionismos... E, lógico, as “escolhas” erradas. Claro que as vezes, a escolha é acertada... Mas um relógio parado também acerta a hora duas vezes por dia.

Vem Sandel e diz: você está em um trem que tem pela frente cinco pessoas... mas tem um desvio que pode ser feito, onde está um gordinho... O que você faz? Salva as cinco pessoas, matando o gordinho?[2] Na sequência: e se você está em uma plataforma do trem e este matará cinco pessoas... Mas você pode salvá-las, derrubando um gordinho sobre os trilhos, parando, assim, a trajetória do trem. No primeiro, as pessoas dizem que matariam o gordinho; na segunda, não, porque teriam que empurrá-lo... Ou não. E daí? O que isso tem a ver (diretamente) com o direito? Serve, sim, para discutir filosofia moral e correlatas; mas, para o direito, uma aplicação direta só fragiliza sua autonomia.

Permitam aqui desfazer qualquer tipo de mal entendido: sei que Sandel é um jusfilósofo dos bons. Nada tenho contra o seu célebre curso Justice, no qual trata, em linguagem direta, desanuviada e sem imposturas, do pensamento de gente como Aristóteles, Kant, Bentham e Rawls. É uma prova, aliás, de que clareza e simplificação não são sinônimos. Também, endosso sua postura de tentar resgatar o debate público, em especial o político, das trevas onde se encontra hoje em dia. Ao demonstrar que problemas morais têm repercussão no âmbito político (na construção de uma sociedade justa etc.), Sandel acerta na mosca.

Aliás, também Dworkin — fazendo aqui um brevíssimo “parênteses” — é um autor identificado com essa postura:[3] a de participar ativamente do debate público, tentando ultrapassar a barreira entre a linguagem profissional, acadêmica, e as questões que ocupam a ordem do dia. O seu Is Democracy Possible Here? é um dos muitos bons exemplos disso. Neste ensaio, Dworkin propõe que se faça uma espécie de depuração do debate político norte-americano, polarizado entre Democratas e Republicanos. Dworkin procura estabelecer um common ground entre adversários políticos (e não inimigos) que torne a discussão autêntica e produtiva. Concordamos que valores como dignidade, igualdade e democracia são importantes (ainda que discordemos a respeito do que estes conceitos significam)? Eis aí um bom ponto de partida.

Retomando, eu acho que as lições de Sandel, se bem lidas, fazem (muito) mais bem do que mal ao debate público e, mesmo, à argumentação jurídica. Mas seus exemplos devem ser lidos com uma advertência (deveriam carregar uma tarja): “você, que escolhe se mata ou não o gordinho, não está agindo como um jurista”. O agente moral que deve fazer esta escolha não representa um juiz em sua tomada de decisão enquanto agente público. Desenvolvo isso ad nauseam em Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica.

Voltemos ao exemplo do gordinho e à eventual moralidade do assassinato. Sandel utiliza esse problema para ilustrar as posturas utilitaristas. A morte de uma pessoa seria preferível à morte de cinco. Porém, a audiência não consegue universalizar

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