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Da Tradição Ao Poder Político

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Por:   •  5/9/2014  •  2.920 Palavras (12 Páginas)  •  290 Visualizações

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Da Tradição ao Poder Político

Introdução

Os textos analisados a seguir rompem com a visão a-histórica do constitucionalismo a respeito da origem do poder. O constitucionalismo está muito atrelado a uma visão contratualista do mundo. De acordo com essa visão, a constituição do governo (Estado) estaria fundamentada na vontade. Vivemos sob a mística da escolha, como se pudéssemos escolher tudo. Há vários outros elementos que não são fruto de escolhas, como, por exemplo, os decorrentes da seleção natural. Mesmo com a existência de governo, o poder de alteração por meio das escolhas é limitado. Nesse sentido, o conceito de soberania como poder perpétuo e absoluto de uma República, formulado por Bodin, pode ser compreendido como uma ficção, oriunda da tentativa de transpor a ideia de um poder divino absoluto para a teoria política (ver Schmitt). A história contada por constitucionalistas usualmente se restringe a afirmar que o poder era absoluto e gradualmente tornou-se limitado. Assim teria surgido um governo das leis, em substituição ao governo dos homens. Conforme veremos com os textos a seguir, ocorre de fato justamente o contrário. O governo surge de forma incipiente dentro de comunidades igualitárias e pouco a pouco assume o espaço antes ocupado pela tradição, até chegarmos à presente situação, na qual praticamente todos os domínios da vida estão sujeitos às decisões tomadas pelo poder político.

1- Direito e Política em sociedades sem Governo: O primado da tradição, a unidade dos sistemas de valor e a ausência do poder político centralizado[1]

a) Patrick GLENN (1998). Legal Traditions of the World. Cap. 3: A Chtonic Legal Tradition: to recicle the world. pp. 58-75. 18 p:

Glenn estuda nesse capítulo a tradição jurídica nos povos ctônicos, ou seja, em povos que vivem em estreita harmonia com a terra. O traço mais marcante desses povos é a oralidade. Os ensinamentos sobre o passado são baseados no diálogo e na memória humana. O direito não é escrito, ninguém pode escrevê-lo e assumir a posição de fonte jurídica. Os líderes não possuem exércitos e somente podem exercer as suas funções na medida em que produzem consenso. Não há poder, no sentido de potestas, apenas autoridade, auctoritas. Ou seja, existem organizações com líderes, mas sem poder político. Direito aqui não é comando, tampouco decisão. Ele pode ser encontrado apenas no conjunto de informações que orienta a ação nessas comunidades. Em uma sociedade plural, o direito tem a função de unir as pessoas, ele cria algo de comum entre elas, torna possível a convivência. De certa forma, portanto serve para reduzir a pluralidade, tornando possível a convivência. Nas sociedades “primitivas” não há essa necessidade de definir com exatidão o direito, pois a compreensão sobre as obrigações morais é em grande parte comum (A necessidade de direito é inversamente proporcional à amizade existente, amizade supõe certa semelhança). Glenn acredita que o direito serviria apenas para situações muito complicadas. Essa posição contrasta com a opinião de Malinowski, o qual considera que a lei civil está disseminada pela sociedade “primitiva”.

Povos ctônicos funcionam com base na tradição, à qual cabe a função de determinar o lugar de tudo, inclusive do direito. Isto é, ela serve como um forte obstáculo à pretensão de alterar a sociedade. Há uma enorme dificuldade em integrar o conceito de direito subjetivo nessas tradições. Como ninguém pode criar a tradição, ninguém pode escapar aos seus ensinamentos e aos papeis por ela definidos, a não ser abandonando a sua comunidade. Esse tipo de sociedade é o tipo mais democrático, mas ainda assim há uma diferenciação de papéis em razão de certos critérios, como, por exemplo, em razão do sexo.

Por fim, Glenn apresenta uma contestação à visão hegemônica, que enxerga o costume como algo necessariamente irracional. Segundo ele, deveríamos pensar no costume como o resultado de uma particular tradição, como o resultado de um processo mental respeitável, no qual a decisão sobre como agir surgiu a partir da análise das informações preexistentes.

b) Pierre CLASTRES (1974). A sociedade contra o Estado. 24 p.

Clastres destaca o caráter etnocentrista presente na descrição das sociedades “primitivas”. Elas são caracterizadas como sociedades sem “Estado”, ou seja, são definidas por aquilo que não possuem, como se fossem sociedades incompletas. Clastres faz a seguinte pergunta: “a economia dessas sociedades é realmente uma economia de subsistência?”. Costuma-se afirmar que essas sociedades dedicam a totalidade de suas forças produtivas à obtenção do mínimo necessário à subsistência de seus membros. Essa ideia é contraditória com outra ideia comum, a de que o selvagem é preguiçoso: “ou o homem das sociedades primitivas (...) vive em economia de subsistência e passa quase todo o seu tempo à procura de alimento, ou não vive em economia de subsistência e pode portanto se proporcionar lazeres prolongados fumando em sua rede”. Para o autor, o cerne do problema está no fato de o modo de vida nessas sociedades contrariar dois axiomas da civilização ocidental: “a verdadeira sociedade se desenvolve sob a sombra protetora do Estado” e “é necessário trabalhar”. Os índios de fato dedicavam pouco tempo ao trabalho, cerca de quatros horas por dia, apesar disso não morriam de fome. Por que eles deveriam trabalhar mais se isso era suficiente para atender as necessidades do grupo? A recusa ao trabalho desapareceria, e o sentido do lazer seria substituído pelo gosto da acumulação apenas com o surgimento do poder de sujeitar, da capacidade de coerção, ou seja, do poder político.

Esse surgimento marcaria o fim da sociedade primitiva. Ele estaria atrelado à origem do trabalho como trabalho alienado: “quando em vez de produzir apenas para si mesmo, o homem primitivo produz também para os outros, sem troca e sem reciprocidade. Só então é que podemos falar em trabalho: quando a regra igualitária de troca deixa de constituir o "código civil” da sociedade, quando a atividade de produção visa a satisfazer as necessidades dos outros”. Esse acontecimento marcaria a substituição da sociedade primitiva por outra, dividida em dominantes e dominados. O poder e o respeito ao poder matam a sociedade primitiva. Essa relação política de poder “precede e fundamenta a relação econômica de exploração”. Aparentemente, a posição de Clastres contrasta com a de Marx. As alterações econômicas, ao menos na pré-história, não

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