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Os Pequenos Poemas em Prosa: O Spleen de Paris

Por:   •  28/8/2020  •  Resenha  •  1.724 Palavras (7 Páginas)  •  257 Visualizações

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BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa: o spleen de Paris. Tradução de Isadora Petry e Eduardo Veras. São Paulo: Via Leitura, 2018.

Matheus Victor SILVA

        Apostando em clássicos nacionais e internacionais, a Edipro vem publicando através do selo da Via Leitura autores consagrados das mais variadas origens. Se pode parecer repetitivo o retorno a obras antigas, algumas já muito publicadas, não deixa de ser interessante ver à disposição do magro mercado brasileiro esses clássicos de grande influência em novas traduções, com reconhecido  esmero na diagramação e preços muito acessíveis. Sobretudo porque, é sabido, não é sempre que as traduções de textos já bem estabelecidos no cânone recebem a devida atenção, ainda mais quando adentramos no campo da poesia.

        A nova publicação de Baudelaire tem, contudo, um valor talvez maior pela escolha dos editores em optar por seu recolho de poemas em prosa, por muito tempo legado a um segundo plano pela crítica. Forte influência para as escolas modernistas que ainda estavam por vir, Baudelaire teve de seus contemporâneos, pelos quais, é valido ressaltar sempre, não tinha grande empatia, uma recepção bastante irascível. Condenado judicialmente em 21 de Agosto de 1857, juntamente com seus editores, sob a acusação de imoralidade por suas Fleurs du Mal, teve delas censurados seis poemas, que só foram liberados da condenação quase um século depois, em 1949.

        Entretanto, a obra que temos em vista é, em certa medida, quase uma incógnita na produção do autor. Isso porque o Spleen de Paris se distancia fundamentalmente da estrutura a qual o poeta lançou mão quando da escrita das Flores do Mal, não só na forma do soneto, que fora na ocasião modernizado pelo poeta, como também da disposição dos poemas no corpo da obra. Ao passo que as Flores vertiam-se em uma estrutura organizada, o Spleen ganhou uma mobilidade até vertiginosa para a época, fato que o próprio autor parece ironizar em sua dedicatória ao editor Arsène Houssaye: “peço que considere as admiráveis comodidades que essa combinação oferece a todos nós, a você, a mim e ao leitor. Podemos cortar onde quisermos […]. Tire uma vértebra, e os dois pedaços dessa tortuosa fantasia irão se juntar novamente sem esforço” (p. 13). Quanto ao conteúdo de sua “serpente”, entretanto, não há que se rebaixá-la à sua irmã de forma alguma.

        Ainda que Baudelaire pareça querer minorar de certa forma as peças dessa composição, a verdade é que condensam em si fortemente os principais eixos temáticos por ele explorados. Não a toa, conferiu-lhe o título de spleen, termo que reúne em si a noção de melancolia, impotência e decadência que perpassa toda a sua obra. Além do mais, se nos sonetos das Flores expressou tão bem as contrariedades da vida urbana, os poemas em prosa ressaltaram ainda mais seus oxímoros.

        Inspirado no Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand, precursor do poema em prosa francês, ainda que legado a um longo esquecimento, a forma híbrida escolhida para a sua “descrição da vida moderna” é antes um desafio do que uma facilidade, fato que o próprio poeta ressalta: “qual de nós, em seus dias de ambição, não vislumbrou o milagre de uma prosa poética, musical sem ritmo e sem rima, suficientemente flexível e contrastante para se adaptar aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência?” (p.14). Desafio esse igualmente colocado ao exercício de sua tradução, que deve visar senão recursos mais sutis, completamente irregulares em vista da poesia tradicional. Nesse sentido, a atenção de Isadora Petry e Eduardo Veras nem sempre é completamente feliz.

        Em entrevista à Rádio Educadora da UFMG[1], Isadora Petry destacou a atenção que deram ao texto original, tendo o cuidado de traduzir a partir da primeira edição francesa, de 1869. Segundo ela, ambos mantiveram-se o mais próximo do texto o possível, e buscaram manter um registro que equilibrasse a formalidade e o coloquialismo, sem tender muito a um ou a outro. Contudo, se os tradutores conseguem manter uma linguagem sóbria em um poema como “O bobo e a Vênus” (p. 23), contrariamente à conhecida tradução de Aurélio Buarque de Holanda[2], cuja formalidade excessiva é marcante; ou evitarem um coloquialismo exagerado como o de Leda Tenório da Motta[3], preservando o tom de uma formalidade quase irônica do poema de abertura “O Estrangeiro” (p. 15), o cuidado em não afastar-se do texto original parece, em seu projeto, arriscar a perda de muito da qualidade poética singular dessa que é uma obra de importância ímpar na poesia ocidental moderna.

        Nesse sentido, ao lançarmos um olhar sobre o texto de chegada, fica claro que essa proximidade se refere a uma questão sobretudo vocabular. Daí pecarem por vezes em relação à cadência musical própria do texto, à qual Baudelaire dá especial destaque na dedicatória. O poema em prosa engana ao parecer um texto mais simples em que não influenciam questões rítmicas ou estruturais, justamente porque, por vezes, em meio à liberdade que conquistou, estabelece novos ritmos e cadências que não se enquadram a uma metrificação ou mesmo a um tempo único e às quais o poeta evoca ou abandona ao longo do texto de forma infinitamente mais flexível. Em um poema como “Embriaguem-se” (p.82), a predileção por uma tradução linguisticamente mais fiel fica clara.

        O esmero musical de Baudelaire é admirável nessa peça em particular. O poeta cria uma cadência específica nas orações, que varia de um tom crescente ao oclusivo, mantendo uma sonoridade fluida e que ecoa nas imagens poéticas fugidias. De início, nota-se na tradução de Isadora Petry e Eduardo Veras alguma musicalidade, mas logo parece que essa se deve mais à proximidade fonética de alguns vocábulos de ambas as línguas do que a uma tentativa dirigida de recriação do ritmo na chegada. Quando traduzem “sur l’herbe verte d’un fossé” por “na grama verde de uma vala” ou “enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse!” por “embriaguem-se; embriaguem-se sem parar!”, uma simples mudança de palavras como “erva” ou “relva” no lugar de “grama”, e ainda algo como “embriaguem-se sem que cesse” ao invés de “sem parar”, poderia, num exercício de transcriação não muito radical, evitar quebras comprometedoras de uma cadência sonora que se pretende fluida e incessante. E ainda, na passagem de “à tout ce qui fuit” para “a tudo que escapa”, ainda que esteja exata a correspondência em português para o verbo “fuir”, a sonoridade escapista da oração se perde completamente na nossa paroxítona “escapa”. Nesse sentido, por exemplo, Leda Tenório da Motta, valendo-se de certa liberdade, foi talvez mais feliz em traduzi-la por “a tudo que flui”, embora muitas de suas escolhas pudessem igualmente ser criticadas.

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