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A Psicoterapia Breve

Por:   •  21/1/2019  •  Seminário  •  30.012 Palavras (121 Páginas)  •  278 Visualizações

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ORIENTAÇÃO LACANIANA III, 9                   1ª lição do Curso - 15.11.2006

 

 

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 A perspectiva que lhes trago hoje tem seu ponto de partida a posteriori2. Inopinadamente, o que não quer dizer de modo inoportuno, ainda que isto os tenha importunado, eu me vi marcando no ano passado, por três vezes e de maneira não dissimulada, a distância que eu tomava, ou melhor, que se tomava, entre este eu [je] que lhes fala e a dizência lacaniana3.  

 

                                        distância & dizência

 

Disse dizência. Essa não é uma palavra que tenha forjado, mas sim um termo introduzido por Damourette e Édouard Pichon em seu Essai de grammaire de la langue française4, do qual Lacan o tomou. Aliás, ele teve um relacionamento pessoal com Édouard Pichon que, além de gramático, era psicanalista e acolheu favoravelmente o jovem Lacan nesse meio, dedicando-lhe um artigo em que deplorava, já naquela época, seu caráter incompreensível5.  A dizência é “a língua tal como falada pelas pessoas de um dado ofício”. Quanto aos hábitos profissionais, nossos autores fazem esta sensata observação: “Os termos técnicos que designam atos, ferramentas, produtos de um modo de atividade humana são freqüentemente ignorados pela maioria das pessoas”6.                                                   1 NT: agradeço a Elisa Monteiro e a Manoel Motta a sugestão do neologismo “dizência” para traduzirmos disance, mantendo assim uma proximidade homofônica entre os dois termos. 2 Texto e notas estabelecidos por Catherine Bonningue da primeira lição da Orientação lacaniana III, 9 [2006-07]. 3 J-A Miller alude aqui ao fato de não ter dado aula, por três vezes, nos meses de novembro e dezembro de 2005. No entanto, ele veio ao encontro marcado na sala Paul Painlevé, no CNAM, explicando então que preferia calar-se, não queria contornar “essa falha”, essa “dificuldade de falar lacaniano”, preferindo muito mais confrontar-se com ela; não lhe faltava material, mas sim, acrescentou ele, “sua escansão” e o “o ponto de basta” que o tornaria legível.   4 Damourette, Jacques & Pichon, Édouard, Des mots à la pensée. Essai de grammaire de la langue française [1911-1940], Paris, Edition d’Arthey, 1968, T.I, p. 45-55. 5 Pichon É., “La famille devant M. Lacan” [1939], Revue française de Psychanalyse, 11, n. 1-2, Paris, 1939, p. 107-135. 6 Damourette, J. & Pichon, É., Essai de grammaire de la langue française, op. cit., p. 45.

Digo dizência lacaniana porque essa língua me parece, hoje, ter uma extensão suficiente para que lhe poupemos o nome de jargão, mais pejorativo. Um jargão é a língua falada por um destes meios “que recorrem, seja por interesse, fantasia, ou tradições particulares, a certas construções frasais ou a vocábulos incompreensíveis para os não-iniciados”7.  A distância da dizência lacaniana na qual eu me encontrava num certo momento foi suturada no ano passado, uma vez que – vocês são testemunhas – retomei meu ramerrame que nos levou, até o final do ano, através do Seminário: de um Outro ao outro8. Se relembro essa distância da dizência em que eu me encontrava é porque, definitivamente, ela me é preciosa e gostaria agora de fixar nela minha posição para este ano.  A propósito, digo a mim mesmo: talvez eu tenha estado desde sempre, sem o saber, nessa distância da dizência e talvez esse seja o segredo do que chamam minha clareza – é o que me chega de fora –, que seria devida, em última instância, ao fato de eu me esforçar para não me deixar levar pela dizência dos psicanalistas e também porque, à distância da dizência, deixo a Lacan a responsabilidade de seu dizer, o traço singular de seu dizer que é sempre amortecido na dizência.  

 

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 Lacan formulou, assumiu sua singularidade de maneira evidentemente enigmática quando disse, em seu Seminário: o sinthoma: “É pelo fato de Freud ter verdadeiramente feito uma descoberta” – supondo essa descoberta como verdadeira – “que se pode dizer que o real”, a categoria do real da qual trata o Seminário, “é minha resposta sintomática”9. A descoberta suposta verdadeira, no caso, é o inconsciente. Lacan diz também: “Digamos que é pelo fato de Freud ter articulado o inconsciente que reajo a ele”10. O real seria assim uma reação de um, de um só, à articulação freudiana do inconsciente.  As duas palavras são ditas: reação e resposta. A resposta é sem dúvida de uma ordem mais complexa do que a da reação. Mas talvez este seja o termo menos significativo pelo fato de que Lacan ali está, se supõe estando, num traumatismo.  Como entendê-lo? Da seguinte maneira, é simples: a descoberta de Freud faz furo no discurso universal. Pelo menos essa foi a perspectiva adotada por Lacan, de saída, no que concerne a Freud.  E o que convencionalmente chamamos o ensino de Lacan constitui, em seu conjunto, uma resposta a esse furo. Sob modos variados, Lacan não cessa de demonstrar que essa descoberta não tem alojamento em nenhum outro discurso que a precedeu. Foi esse furo no universal – perspectiva tomada por Lacan em relação a Freud – que o precipitou na elaboração múltipla do discurso analítico, suplementar, a fim de dar moradia à descoberta de Freud.  Lacan falou do acontecimento Freud, assinalando com esse termo o corte introduzido por Freud, o que dele pôde se expandir. Eu, porém, falaria de bom grado do: traumatismo Freud.  

                                                 7 Ibid., p. 46. 8 Cf. Miller, J-A, “Introdução à leitura do Seminário: De um Outro ao outro” [2005-06], La Cause freudienne n. 64, Paris, Seuil/Navarin, 2006, pp. 137-169, e n/s. 65 & 66, a serem publicados em 2007. 9 Lacan, J., Le Séminaire, livre XXIII, Le Sinthome [1975-76], Paris, Seuil, 2005, p.132. 10 Ibid.

O acontecimento Freud foi – Lacan a ele retorna muitas vezes, a cada uma de suas viradas e reviradas –, de saída, desconhecido, tamponado, a ponto de Lacan poder dizer que a famosa peste, na verdade, se revelara “anódina. Ali aonde ele [Freud] supunha levá-la” – os Estados Unidos – “o público se arranjou com ela”11.  O que nos resta como ensino de Lacan provém de alguém que não se arranjou com ela. A ambição desse ensino, aqui presente entre nós, é a de repercutir o traumatismo-Freud. Nessa perspectiva, o que de fato podemos pegar nas malhas de uma dialética são as repercussões de um traumatismo.  Lacan o disse a propósito do enunciado do real, sob a forma de uma escritura, a dos nós: o enunciado do real sob essa forma “tem o valor de um traumatismo”. Ele o tempera ou explica falando do “forçamento de uma nova escrita”12.  

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