O Mimi-mi, Lata Vertosa.
Por: Léon Silva • 1/12/2020 • Monografia • 6.489 Palavras (26 Páginas) • 125 Visualizações
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O Brasil sempre foi, segundo a autora, uma sociedade oralizada – o burburinho das cidades é figura presente e muito importante ao longo de toda a obra. No período colonial, leituras públicas e fofocas, conversas pelas ruas, alimentavam esse som constante da cidade. O universo dos escravos, oral, mas atravessado pelas letras de modos em geral indiretos, mas por vezes diretos, dado que havia escravos letrados, comportava rituais que envolviam música, dança e rimas. Com a chegada da Família Real ao Brasil, de diversos estrangeiros, que aumentavam o comércio, e de prelos que foram aos poucos e timidamente se disseminando pelas províncias, a escrita passa a fazer parte da realidade do povo, mas envolvida em um mundo marcadamente oral. O letramento tropical é assim atravessado pela fala, traço sumamente importante no caso brasileiro. O final do século XIX é marcado pela multiplicidade de públicos nas cidades, pela crescente alfabetização e por uma maior presença (ainda que bastante relativa) da cultura letrada em solo nacional. Nota-se ainda uma expansão, mesmo que incipiente, do uso de imagens em revistas e jornais, graças, principalmente, a tecnologias como a litografia e a fotografia. Paralelamente a isto, o telégrafo surge como importante tecnologia da comunicação que possibilita uma aceleração brutal na circulação de informações, engendrando, aos poucos e lentamente, um sistema de redes interligadas. No começo do século XX, num lento processo de industrialização, o Brasil começa a se modernizar: os jornais sofrem grandes mudanças em sua formatação, de maneira a alcançar públicos e tiragens cada vez maiores, e tem início o movimento coletivo de interiorização dos meios de comunicação, que passam ao status de “utensílios domésticos”: o rádio penetra aos poucos no espaço do lar, se tornando parte importante da dinâmica cotidiana. A Era de Ouro do rádio seria responsável por instaurar uma linguagem toda própria deste meio de comunicação, através de suas novelas, relatos jornalísticos e de seus célebres cantores e cantoras, ícones do imaginário popular. A segunda metade do século XX assiste aos aparelhos televisores se tornarem mais comuns nos lares brasileiros, com preços mais acessíveis. Vistos como algo quase mágico, eram vinculados às ideias de comodidade e coletividade, e apontados como capazes de trazer eventos públicos (jogos de futebol e carnaval) e experiências mais particulares (filmes e possibilidades de conhecer o mundo através da tela) para dentro do conforto de casa. A televisão ocupava, claro, lugar de destaque na sala de visitas. A TV Globo surge após o golpe militar e se consolida na década de 1970 como a maior emissora do país. Os telejornais e as novelas ganham força como as principais atrações para o povo brasileiro. Com a virada do século XX para o XXI, e o boom das tecnologias digitais, o universo comunicativo se complexifica e a televisão passa a conviver com concorrentes fortes, num processo em que hibridizações, misturas e convergência parecem ser a regra. Essa história complexa, que, como dito, o espaço de uma resenha não permite apresentar corretamente, é a de uma mistura constante de meios (orais, manuscritos, impressos, eletrônicos), cuja dosagem, de maneira inovadora, a obra de Marialva Barbosa procura realizar. História da Comunicação no Brasil é relato atento dessas misturas, relato essencial para os interessados tanto no campo da Comunicação, quanto no da História do Brasil ou em ambos.
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Práticas humanas construindo a história da comunicação no Brasil
O primeiro jornal do Brasil, a paternidade partilhada do rádio, as transmissões pioneiras de Chateaubriand. História que é contada ao longo de dez capítulos e compreende ações comunicacionais, em território nacional, que se iniciam no século XVIII e seguem, ainda em movimento, se construindo, até os dias de hoje. “A história que nos propomos contar” (p. 7), anuncia Barbosa logo no segundo parágrafo da Introdução, “começa nas práticas da oralidade que se esparramam em modos orais de comunicação pelas ruas e vielas” (Ibid.) do Rio de Janeiro do século XVIII. E esse burburinho tão particularmente brasileiro, que chamava (e provavelmente continua chamando) a atenção dos estrangeiros que aqui chegavam, é o ponto de partida dessa História da Comunicação no Brasil, em seu primeiro capítulo – Comunicação e práticas de oralidade: cenas do século XVIII. Afinal, acredita a autora, “somos uma sociedade oralizada, e a história da comunicação no Brasil é a compreensão desse universo de práticas culturais de modos orais de comunicação que foram se transformando na longa duração” (p. 11). Oralidade como marca registrada da nossa comunicação e da nossa cultura que também está presente em toda a obra. A oralidade do texto apenas confirma a tese primeira do livro, a de que nossa história da comunicação é tecida em bases orais, e são dados históricos – por exemplo, cartas ou gravuras – que a sustentam. Afinal, o burburinho proveniente das falas que ecoam pelas ruas das cidades continua vivo, ele não se apagou quando passamos, enquanto nação, a uma sociedade das letras, da escrita. Processo que é alavancado pela chegada da família real portuguesa ao Brasil, quando vem a Tipografia na bagagem do rei. Uma rede de boatos, conversas entreouvidas, informações que “ouvia-se dizer”, “diziam uns”, “falava-se” e que podiam vir a ser publicadas no jornal. O mundo das práticas orais, das falas que se ampliavam pelas conversas nas ruas e praças migrava com frequência para o periódico, mostrando, mais uma vez, que nos sistemas de comunicação do início do século XIX pouca separação havia entre o mundo da voz e o das letras impressas. Ainda que não fosse o modo dominante na comunicação, as letras escritas e/ou impressas vão assumindo um lugar simbólico nas ruas da cidade e na imaginação daqueles que são capazes (ou não) de decifrar aqueles códigos. E quando esse mundo da leitura passa a ocupar um lugar simbólico na nossa sociedade, o jornalismo, por extensão, pode constituir-se como uma arena de debates e, assim, se espalhar por diversas cidades, em várias regiões no Brasil, formando Redes de comunicação. Este apresenta não apenas uma relação dos primeiros jornais do Brasil e onde se localizavam, como evidencia o processo pelo qual essas publicações vão abandonando as notícias longínquas e, simultaneamente, priorizando as “informações oriundas dos territórios onde estavam inseridas”, as que “tinham preferência eram aquelas que falavam diretamente aos interesses locais”. De modo que, aos poucos, o que estava escrito no jornal não servia mais apenas para informar, tinha também como função aplacar rumores, definir posições políticas, expressar opiniões e juízos de valor, instruir. “Ao serem fixadas no papel as informações tornavam-se a verdade indelével”. Assim, com o intuito de ampliar as possibilidades de discussão política, outras pessoas ansiavam também por expressarem suas opiniões nesse meio já privilegiado da esfera pública, que era o jornalismo. Se as pasquinadas evidenciam, assim, uma leitura coletiva, as revistas ilustradas do século XIX apontam para gestos de leitura diferenciados. Afinal, esses impressos repletos “de ilustrações a bico de pena, indicam na sua própria materialidade outras possibilidades de leitura dos periódicos: lia-se também vendo imagens”, pelas ilustrações passam a ser produzidas novas interpretações. As marcas de seus corpos e suas diversas aptidões são descritas para facilitar o seu reconhecimento: entre elas figuravam, com destaque, o fato de “saber ler e escrever” .O final do século XIX e as primeiras décadas do seguinte são marcados por uma aceleração do tempo propiciada, proporcionada pelas novas tecnologias, por novos suportes que permitiram a expansão exponencial da informação. O século XX deixa ver, em função das tecnologias colocadas à disposição, um público que é, além de leitor, observador e ouvinte. Ruídos e sons: mediações imperfeitas – situa-se na análise de como as sonoridades, a partir do momento em que saem de aparelhos, direcionam a escuta e introduzem novos modos de ouvir. História contada, então, “a partir dos significados que o rádio produziu no público quando permitiu sua imersão numa outra oralidade”. Televisão: um tubo mágico e iluminado é o capítulo seguinte dessa História da comunicação no Brasil, que depositou seu futuro, segundo a autora, nas perspectivas tecnológicas desse novo meio. As tecnologias transformaram, assim, as ações comunicacionais. Mas não apenas isso. A partir do final da década de 1960, as sociabilidades passam a ser reguladas pelos aparatos tecnológicos “que instauram relações sociais mediadas, cada vez mais, pela ação dos meios de comunicação. [...] A vida transporta-se para a mídia e os meios de comunicação encerram a vida”. A passagem do mundo analógico ao digital e as transformações nos modos de comunicar decorrentes dela – são exemplos o público como produtor de conteúdo e o aparecimento do tempo real “na cena jornalística como ultrarealidade”. As páginas poderiam retratar outras histórias da comunicação no Brasil, histórias esquecidas ou silenciadas como estavam as relacionadas à oralidade como base das nossas trocas comunicativas, à capacidade de leitura e a escriturária dos escravos. Enfim, histórias que nos mostrem, assim como fez brilhantemente Barbosa em seu História da Comunicação no Brasil, que ainda sabemos muito pouco sobre as histórias que fizeram e ainda ajudam a construir a história da comunicação em nosso país.
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