CASO FAZENDA BRASIL VERDE X BRASIL E O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO PAÍS
Por: Vítor Vasconcelos • 10/5/2018 • Artigo • 4.067 Palavras (17 Páginas) • 465 Visualizações
CASO “FAZENDA BRASIL VERDE X BRASIL” E O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NO PAÍS¹
RESUMO
Desde 1995, mais de 50 mil trabalhadores foram encontrados em situações análogas à de escravo e então resgatados no Brasil, por meio de denúncias e a ação de fiscais do trabalho e diversas entidades da esfera pública. O país é para a Organização Internacional do Trabalho referência mundial no combate a essa prática, mas desde 2012 surgiram ameaças a esse status, como o projeto de lei nº 3842/12 que busca modificar o art. 149 do Código penal, o qual caracteriza no país o que é trabalho escravo, retirando dele os trechos “jornada exaustiva” e “condições degradantes”, além disso, houve a suspensão temporária, em 2014, da publicação do Cadastro de Empregadores flagrados explorando mão de obra escrava, também chamado de “lista-suja”. A discussão sobre o trabalho escravo no território brasileiro apareceu iluminada em âmbito internacional no final de 2016, através da condenação do país na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos - OEA, por omissão e negligência no combate a essa prática, pelo caso “Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil”. Procura-se com o presente trabalho analisar a representatividade do caso supracitado, no contexto recente de ameaças aos avanços das políticas públicas brasileiras para erradicação dessa forma de escravidão contemporânea.
PALAVRAS CHAVE: Trabalho escravo contemporâneo; Brasil; OEA.
ABSTRACT
Since 1995, more than 50,000 workers have been found in situations analogous to slavery and then rescued in Brazil, through denunciations and the action of labor inspectors and various entities in the public sphere. The country is for the International Labor Organization (OIT) a worldwide reference in combating this practice, but since 2012, threats to this status have arisen, such as Bill nº 3842/12, which seeks to modify art. 149 of the Criminal Code, which characterizes in the country what is slave labor, removing from it the excerpts “Excessive work day” and "degrading conditions", in addition, there was a temporary suspension in 2014 of the publication of the Register of Employers found exploiting slave labor, also called "Dirty-record". The discussion on slave labor in Brazil appeared illuminated internationally at the end of 2016, through the condemnation of the country in the Inter-American Court of Human Rights of the Organization of American States (OAS), by omission and negligence in combating this practice, for the case "Workers of Farm Green Brazil Vs. Brazil". The present paper seeks to analyze the representativeness of the aforementioned case in the recent context of threats to the advances of Brazilian public policies to eradicate this form of contemporary slavery.
KEY WORDS: Contemporary slave labor; Brazil; OAS.
¹ Vitor Jorge Santos Vasconcelos - Graduando em Direito pela Universidade Federal do Acre
INTRODUÇÃO
No Brasil o trabalho escravo foi elemento basilar do seu sistema econômico, desde o início da colonização, até a abolição formal dessa prática em 1888. Porém, tal marco não foi o suficiente para dar fim a essa forma de privação da dignidade humana, fato este percebido através dos relatórios apresentados anualmente pelo ministério do trabalho sobre as operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo, mostrando que encontram-se espalhados por todo o território nacional trabalhadores em situação análoga à escravidão, indivíduos que em sua maioria acreditaram em falsas promessas de emprego digno que melhorariam suas condições de vida. Existindo então uma maneira diferente de se escravizar, porém com o local de cativeiro bastante semelhante ao utilizado anteriormente.
Segundo pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (2011, p. 28), ao buscar definir o que seria trabalho escravo na ótica do trabalhador resgatado, encontrou-se nos discursos dos então entrevistados:
A ausência de remuneração ou pagamento insuficiente (citada em 38,8% dos casos); os maus tratos e a humilhação dos trabalhadores e a jornada exaustiva (citados em 36,3% dos casos); as condições precárias de trabalho (citada em 28,9% dos casos), a privação da liberdade (24,7% dos casos) e a ausência de carteira assinada (4,1% dos casos).
Trevisam e Filho (2016, p. 294), apresentam uma definição do que seria trabalho análogo ao escravo, afirmando ser:
(...) condição de exploração do ser humano coagido a prestar a força de seu trabalho em condições degradantes, isto é, um trabalho humilhante e sem o mínimo das normas básicas de segurança, higiene e saúde, com exposição de risco de vida dos trabalhadores, cuja relação jurídica não lhes garante a efetivação dos direitos fundamentais positivados constitucionalmente.
Aquele que se torna escravo agora não é mais apenas o negro ou o indígena, como ocorria previamente no país, agora são os mais socioeconomicamente vulneráveis, em sua maioria, analfabetos e desempregados, independente de cor ou etnia, naturais, principalmente, de estados como Maranhão e Piauí (GIRARDI, 2014, p. 6). O próprio escravo é percebido de forma diferente, como mostra Rocha e Brandão (2013, p. 197):
No passado, o escravo era visto como um bem material, que deveria ser minimamente preservado. Era mais caro comprar um novo escravo do que manter suas condições mínimas de sobrevivência. Hoje, pode se tornar mais simples descartar um trabalhador do que assegurar os seus direitos e as suas condições materiais e, embora o trabalhador não seja mais uma propriedade de seu soberano, ele muitas vezes é considerado como um produto para consumo imediato e posterior descarte.
Em ambiente rural ou urbano, pessoas são privadas de seus direitos humanos, homens, mulheres, adultos, adolescentes e crianças, são encontradas trabalhando, desde em fazendas em regiões remotas do Pará e Mato grosso até em condomínios de luxo e hotéis em cidades grandes, como São Paulo (LOCATELLI, 2017), imigrantes e brasileiros natos são vítimas de trabalho escravo.
O combate do Estado a essa prática se iniciou de forma concreta no Brasil apenas em 1995 (NETO, 2014, p. 53), tornando-se o país, nos últimos anos, a melhor referência mundial em políticas públicas voltadas a erradicação de tal mazela social, segundo o relatório “Uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado”, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2005, p. 46). A agência da ONU, porém, fez um alerta: “a reputação global do país está em risco desde a condenação do Estado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Fazenda Brasil Verde vs. Brasil” (ONU, 2017).
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