“O Criado Mudo: Eu não sabia – A Língua, a Fuga, a Realidade e a Guerra”
Por: fajojemi • 19/11/2022 • Ensaio • 3.057 Palavras (13 Páginas) • 120 Visualizações
Universidade Federal do Paraná – UFPR
Fábio André Moreira GRR 20200703
Setor de Ciências Jurídicas - Curso de Direito - Disciplina Tópica – Pós Colonialismo: Falas Subalternas e Lutas por Direito - Prof. Thiago A. P. Hoshino - Ano 2022
Tópica: Pós Colonialismo: Falas Subalternas e Lutas por Direitos Atividade Alternativa 1: Ensaio
“O Criado Mudo: Eu não sabia – A Língua, a Fuga, a Realidade e a Guerra”
Curitiba 2022
Introdução:
O presente ensaio, faz referência as bibliografias utilizadas na Tópica: Pós Colonialismo
– Falas Subalternas e Lutas por Direitos, com referência a Édouard Glissant, Dénètem Touam Bona, como também a, e importantíssima Exposição Necrobrasilianas, de autores, com obras que conversam entre si, numa espécie de túnel do tempo, ou melhor, aquilo que não te contaram, um choque de realidade.
Uma exposição, que retrata a língua, a fuga, a realidade e a guerra, que em nós faz brotar um “espírito guerreiro”, a possibilidade de transformar a história fictícia que nos contaram, em história capaz de admitir nossos erros, não mais os repetindo, antes, resgatando a “quintessência” do ser humano: “O amor ao próximo”.
Uma espécie de ingênuidade e bestialidade, traduz nossa língua racista, e o título deste trabalho - “O Criado Mudo: Eu não sabia – A Língua, a Fuga, a Realidade e a Guerra”, conversará, com os autores aqui expostos. Falas subalternas que quebram os algoritimos racistas, e que estão mudando a realidade deste paradigma.
“O Criado Mudo: Eu não sabia – A Língua, a Fuga, a Realidade e a Guerra”
Um dia perguntado a minha mãe branca o que significava “criado mudo”, minha mãe explicava que se tratava apenas de um conjunto de móveis que ficam do lado da cama, ela mesma não soube me dizer o real significado desse nome, nesta época tinha 7 anos de idade, acho que não deveria saber, ou que isso não tinha nada de significância. Sou filho de pai preto e mãe branca, lembro-me que nas férias escolares eu e meus irmãos passávamos parte na casa da Vó branca, e parte na casa da Vó preta, e crescemos assim, sem entender por quê chamávamos nossas avós por cor de pele, acho que a inocência ainda existia, mas que aos poucos foram tornando-se interpretativas, quando muitas vezes não entendia porque meus colegas ricos me excluíam de suas festas de aniversário, será que era porque meu pai era preto?
Ouvia meu pai sendo chamado de negão por seus amigos, essas palavras que de certo modo não afetava sua moral, mas quando comecei a entender na escola porque se comemorava o dia do índio, o dia da quebra das correntes, passei a ver um mundo sem o véu que escondia esse racismo estrutural. Mas mesmo assim demorei para deixar alguns costumes, de chamar meus amigos de negão, costumes no meio daqueles que jogam futebol, manias consideradas
brincadeiras, mas que por mim foram abolidas. Quando diante da Exposição Necrobrasilianas no Museu Paranaense, voltei no tempo como se alguém me levasse pela mão, e começasse a me explicar tudo aquilo que não me ensinaram, e que fui levado pelo cotidiano costumaz, e que sim, é uma coisa que nunca tinha percebido, nosso lugar de fala.
Nesse entendimento de lugar de fala, louvo o momento da escolha em “Pós Colonialismo: Falas Subalternas e Lutas por Direitos”, pois sou fruto dessa raiz, minha identificação com os textos dos autores Glissant e Bona, quando da língua crioula, quando da fuga, quando da realidade (Exposição Necrobrasiliana), e quando da guerra, narrada na música “War – Bob Marley”.
O criado mudo, passou a falar, quebrou-se suas correntes, mas seus lugares de fala, ainda os submetem a escravidão, a lingua crioula espalhada através desta diáspora africana, conforme citou Glissant:
“Assim, por exemplo, quando estudo os fenômenos de colonização no discurso antilhano, refiro-me mais (como lugar de resistência) à linguagem do contador de histórias do que à linguagem ordinária. Na minha escrita, há essa espécie de impregnação da fala encenada pelo contador de histórias crioulo. Além disso, nos contos crioulos que ouvi na minha infância havia fórmulas cabalísticas - sem dúvida herdadas das línguas africanas -, cujo sentido ninguém conhecia, e que agiam fortemente sobre o auditório sem que soubessemos por quê.” (GLISSANT, 2005 pag. 136)
A língua, ou o lugar de fala assim dizendo, o quilombo que em nós reside, quando comparado com a padronização de vida subalterna, de fala subalterna, da inferioridade ante o homem branco, sua língua, sua religião, sua cultura, aqui me detenho a fazer lembrança da “Revolução Haitiana”, onde os haitianos eram igualmente uma colônia sob domínio francês, mas que diferente dessas outras revoluções, o povo haitiano, eram negros escravizados, que serviam aos Senhores das terras, por fim eram “escravos”.
“No colonialismo, segundo Trouillot, a prática da escravidão impôs às pessoas negras o grau de maior inferioridade na humanidade, impedindo que os valores iluministas fossem a elas estendidos, e mais, colocando-as no limiar da própria humanidade, de modo a fazer oscilar a narrativa entre serem coisa ou pessoa. Essa prática, ao mesmo tempo em que naturaliza a condição desses indivíduos a locais de subalternidade, os classificava como objeto incapazes de oferecer resistência, de apresentar projetos políticos, enfim, incapazes de produzir sua própria história”. (RIBEIRO, REPOLÊS, 2021 pág. 10)
A história contada no subterrâneo da memória, essa, cercada por desigualdade por assim
dizer, da que seus colonizadores acreditavam ser, um povo negro disciplinado, que não reclamavam das suas situações como escravizados, antes, seus senhores não haviam do que se preocupar, porque eram considerados homens e mulheres domesticados.
“Nossos negros não se movem, nem sequer pensam nisso. São muito tranquilos e obedientes. É impossível que se rebelem. (...) Não temos nada que temer dos negros: são tranquilos e obedientes (...) Os negros são muito obedientes e sempre serão. Dormimos com as portas e janelas bem abertas. A liberdade para os negros é uma quimera”.(Trouillot – Carta de um colono do séc. XVIII) (RIBEIRO, REPOLÊS, 2021 pág. 11)
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