O Desaforamento
Por: emanuelli • 16/5/2017 • Dissertação • 1.640 Palavras (7 Páginas) • 287 Visualizações
15.2.15 Desaforamento
Em regra, a competência é determinada pelo lugar em que se consumou a infração (art. 70), de modo que o réu deve ser julgado no distrito da culpa, ou seja, onde cometeu o delito e a ordem social foi violada. Entretanto, nas hipóteses do julgamento pelo júri, é permitido que seja ele realizado em outra comarca se presentes as situações previstas na lei processual. Esse deslocamento da competência é o desaforamento. Desaforar, portanto, é retirar o processo do foro em que está para que o julgamento se processe em outro. Dispõe o artigo 424: "Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio".
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Constitui assim o desaforamento derrogação da regra de competência territorial (ratione loci), pelo qual o réu é julgado fora do distrito da culpa por ato excepcional da Instância Superior. Essa providência não viola o princípio do juiz natural, nos crimes dolosos contra a vida o Tribunal do Júri, mas apenas faz variar o local do julgamento nas hipóteses do art. 424 do CPP, que não é incompatível com a Constituição Federal e não enseja um "tribunal de exceção".
A primeira hipótese em que se permite o desaforamento é o interesse da ordem pública. Garante-se a ordem pública com a normal e segura realização do julgamento, que deve chegar a seu final em paz e tranqüilidade. Deve ser deferido o desaforamento se há elementos concretos que indicam o comprometimento dessa tranqüilidade, ou seja, que permitam prever impossibilidade ou dificuldade no desenvolvimento normal dos atos processuais do júri.
Também é possível o desaforamento quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, fundamental que é esta na realização da Justiça. Estará ela comprometida quando o crime, apaixonando a opinião pública, gera no meio social animosidade, antipatia e ódio ao réu, por vezes provocando manifestação de pessoas que, eventualmente, podem vir a compor o Conselho de Sentença. A própria repercussão do crime, provocada ou até exacerbada pelos meios de comunicação, pode promover um clima de animosidade contra o acusado, comprometendo o julgamento. Evidentemente, o simples noticiário não reflete, em regra, manifestação da coletividade ou o estado de ânimo da população, necessária sendo a comprovação de que existe uma predisposição desta contra o acusado para que se defira o desaforamento. Por outro lado, pode a família do pronunciado exercer grande influência econômica ou política, ou ambas, e essa influência ter o condão de abalar a imparcialidade do júri a seu favor, já se tendo deferido o desaforamento quando provado que o réu havia sido recebido festivamente por seus correligionários políticos após a prática do crime. Também é possível que fiquem registrados incidentes envolvendo as famílias das vítimas, dos acusados e população, com veementes manifestações pela punição dos réus o que justifica o desaforamento. Mas não basta o argumento de que a família do réu, o seu grupo social ou religioso goze de inconteste prestígio na comarca. Negou-se o desaforamento também por ser despida de fundamento a dúvida quanto à imparcialidade dos jurados pelo preconceito contra nordestinos. Para se caracterizar a "dúvida sobre a imparcialidade do júri", porém, não se exige a certeza, bastando a previsão de indícios capazes de produzir receio fundado sobre a mesma.
A dúvida sobre a segurança do réu é outro motivo para o desaforamento. Às vezes, pode haver ameaça à integridade corporal ou à vida do réu diante da indignação da massa e da revolta popular diante da ocorrência criminosa, o que enseja o desaforamento.
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Já se deferiu o pedido diante de rumores de que os réus seriam justiçados quando retornassem à comarca para o julgamento, no caso de ter sido dissolvida a sessão do júri em andamento por tumultos ocorridos no recinto, em virtude de grande comoção social e tentativa de linchamento do acusado etc.
Como visto, em todas as hipóteses é necessário que esteja demonstrada satisfatoriamente a ocorrência da causa do desaforamento, não bastando, pois, ao deferimento, vagas suspeitas, presunções ou simples conjecturas. Entretanto, se é o próprio Presidente do Tribunal do Júri a solicitar o deslocamento do julgamento do distrito da culpa, torna-se até desnecessária a consulta das partes interessadas.
Dispõe, por fim, o artigo 424, parágrafo único: "O Tribunal de Apelação poderá ainda, a requerimento do réu ou do Ministério Público, determinar o desaforamento se o julgamento não se realizar no período de um ano, contado do recebimento do libelo, desde que para a demora não haja concorrido o réu ou a defesa". Torna-se injustificada na hipótese a mora para a realização do julgamento, especialmente se o réu se encontra preso, se a delonga não pode ser atribuída a ele ou seu defensor, impondo-se então o desaforamento para que seja ele julgado logo que possível em outra comarca. Comprovado, entretanto, que a demora na realização do julgamento foi causada pela defesa, o pedido deve ser indeferido.
Além dos motivos referidos na lei, outros podem surgir indicando a necessidade do desaforamento: já se decidiu pela medida por não haver, na comarca, prédio onde se pudesse reunir o Júri e por falta de instalações adequadas do Tribunal na perspectiva de ser o julgamento de longa duração, dada a intensa repercussão do fato.
15.2.16 Processo do desaforamento
O pedido de desaforamento só é cabível para o julgamento de réu pronunciado e, portanto, deve ser formulado após o trânsito em julgado da sentença de pronúncia, a qualquer tempo desde que não iniciado o julgamento no foro de origem. Não cabe, portanto, durante a instrução criminal, antes da pronúncia, no recurso formulado contra a pronúncia etc. Também não cabe na apelação da decisão do júri, mesmo porque o desaforamento exige um procedimento próprio, com pedido de informações do juízo, parecer do Ministério Público etc.
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