SERENDIPIDADE NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: BREVES ASPECTOS CONCEITUAIS E JURISPRUDENCIAIS
Por: cynthialays • 22/5/2018 • Resenha • 1.460 Palavras (6 Páginas) • 253 Visualizações
SERENDIPIDADE NAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: BREVES ASPECTOS CONCEITUAIS E JURISPRUDENCIAIS
No processo penal, as partes contam com liberdade para a obtenção, apresentação e produção da prova, entrementes tal liberdade não paira de modo absoluto. Com efeito, o direito à prova conta com várias limitações. Constata-se uma dessas limitações na impossibilidade de utilização de provas ilícitas. A Constituição Federal brasileira baliza o processo penal, no sentido de que são inadmissíveis tais provas. Preceitua a Carta Magna, no seu art. 5º, inc. LVI: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".
No tipo de prova sub examine, qual seja, a interceptação telefônica, não é diferente. Da decisão judicial que determina a captação de conversa devem constar, cumulativamente, a descrição com clareza da situação objeto da investigação e a indicação e qualificação dos investigados (dos sujeitos passivos), consoante estabelece o art. 2.º, parágrafo único, da Lei 9.296 /96. Acerca de tal mandamento legal, assevera Luiz Flávio Gomes:
Fala-se em parte objetiva (fática) e subjetiva (pessoas) da medida cautelar. A lei, com inteira razão, preocupou-se com a correta individualização do fato objeto da persecução, assim como com a pessoa que está sendo investigada. (2009, p. 01)
É dentro desse contexto de análise da licitude das provas que a teoria da serendipidade - também chamada de encontro fortuito (hallazgos fortuitos) ou descubrimientos casuales ou descubrimientos acidentales, conhecimento fortuito de outro crime, novação do objeto da interceptação ou resultado diverso do pretendido - se situa.
O vocábulo serendipidade foi criado em 1754, por Horace Walpole, aristocrata e romancista inglês, fazendo referência à história persa Os três príncipes de Serendip. O conto, que se passa em um país denominado Serendip, relata a história de três príncipes que durante uma viagem para outro reino, conseguiram identicar um animal que nunca haviam visto, realizando descobertas sem ligação com seu objetivo original. Assim, serendipidade está diretamente relacionada com as descobertas fortuitas de coisas.
No direito, serendipidade expressa a descoberta de provas por meio fortuito, isto é, pelo acaso. Grosso modo, designa o fato de se encontrar algo pelo qual não se estava procurando, podendo se tratar de novos fatos ou novas pessoas.
Charles M. Wynn e Arthur W. Wiggins asseveram acerca da serendipidade:
Às vezes, a descoberta acidental de coisas que não estavam sendo procuradas resulta em uma recompensa ainda maior: a própria descoberta acidental é valiosa. Esse é o fenômeno conhecido como serendipidade. (2002. p.172)
Tratando especificamente da serendipidade em relação a interceptação telefônica, escreve Luís Flávio Gomes:
Mas no curso da captação da comunicação telefônica ou telemática podem surgir outros fatos penalmente relevantes, distintos da “situação objeto da investigação”. Esses fatos podem envolver o investigado ou outras pessoas. De outro lado, podem aparecer outros envolvidos, com o mesmo fato investigado ou com outros fatos, diferentes do que motivou a decretação da interceptação. É nisso que reside o fenômeno da serendipidade, que significa procurar algo e encontrar coisa distinta (buscar uma coisa e descobrir outra, estar em busca de um fato ou uma pessoa e descobrir outro ou outra por acaso) . (2009, p.474)
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Ponto nevrálgico acerca do conhecimento fortuito de outro crime se refere a validade ou não das provas encontradas casualmente, questão causadora de querelas na doutrina jurídica nacional, assim como na jurisprudência.
Inicialmente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal era validar o fato descoberto acidentalmente, desde que houvesse conexão com a investigação original. Analisava-se a serendipidade sob dois prismas: serendipidade de primeiro grau e serendipidade de segundo grau. Na serendipidade de primeiro grau, o encontro fortuito de provas decorre de fatos conexos (ou em continência) ao fato principal objeto da investigação. Entendia a jurisprudência que não havia que se falar em ilicitude de prova derivada nesse caso. Na serendipidade de segundo grau, o encontro fortuito de provas decorre de fatos que não são conexos ou que não tem continência, devendo ser, portanto, descartada, servindo apenar como notícia crime, que iniciará uma nova investigação em torno daquele fato novo.
Discorre Luis Flávio Gomes acerca dos graus de serendipidade:
Em relação ao encontro fortuito de fatos conexos (ou quando haja continência) parece-nos acertado falar em serendipidade ou encontro fortuito de primeiro grau (ou em fato que está na mesma situação histórica de vida do delito investigado - historischen Lebenssachverhalt ). Nesse caso a prova produzida tem valor jurídico e deve ser analisada pelo juiz (como prova válida). Pode essa prova conduzir a uma condenação penal.
Quando se trata, ao contrário, de fatos não conexos (ou quando não haja continência), impõe-se falar em serendipidade ou encontro fortuito de segundo grau (ou em fatos que não estão na mesma situação histórica de vida do delito investigado). A prova produzida, nesse caso, não pode ser valorada pelo juiz. Ela vale apenas como notitia criminis.
(2009, p. 01)
Vide também o seguinte julgado do STJ:
A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, masque possuem estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contraesses terceiros (Fenômeno da Serendipidade). Precedentes. (STJ , Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 06/12/2012, T5 - QUINTA TURMA)
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