A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA
Por: maymk_ • 19/11/2022 • Resenha • 3.940 Palavras (16 Páginas) • 103 Visualizações
A recuperação do papel do Estado no Capitalismo Globalizado - Boschi e Gaitán (2016)
Introdução
Nesta perspectiva, assumem também relevância as coalizões de apoio, no que tange à sua habilidade de articular um projeto de nação num horizonte temporal determinado. A recuperação do papel do Estado quanto a essas capacidades remete, portanto, à criação de burocracias eficientes em áreas específicas de formulação e implementação de políticas públicas. Entender a recomposição e o sucesso de determinados países em promover políticas de alçamento a patamares mais elevados de desenvolvimento implica, como mencionado, focalizar dimensões estratégicas das capacidades estatais.
Em primeiro lugar, as de cunho burocrático, relativas à viabilização das estratégias postas em prática. Em segundo lugar, as capacidades específicas relativas ao reaparelhamento da matriz produtiva, por meio de políticas industriais, e à possibilidade de fazer o país avançar mediante uma visão sobre processos de inovação tecnológica, o que requer também a consideração da sustentabilidade e dos recursos do meio ambiente – energéticos e outros – como elementos centrais.
2 A REDEFINIÇÃO DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO: UMA REFLEXÃO TEÓRICA
Desenvolvimento é um conceito polissêmico, cujos significados têm mudado ao longo do tempo. Nesta pesquisa, entendemos desenvolvimento socioeconômico como uma dinâmica de diversificação da estrutura produtiva, inovação e controle nacional sobre a economia e, ao mesmo tempo, geração de emprego, distribuição de renda e inclusão social, ou seja, um projeto de bem-estar ligado a direitos de cidadania. Nesse sentido, desenvolvimento se refere tanto aos aspectos qualitativos do processo de acumulação de capital e crescimento econômico quanto à proteção social, além da sustentabilidade, articulando metas de curto prazo a uma perspectiva de longo prazo por meio de uma preocupação com os recursos naturais e a proteção do meio ambiente.
Assim entendido, desenvolvimento é um processo de ordem interna estreitamente ligado ao surgimento e à consolidação de Estados com capacidades de intervir na economia e na sociedade. Além do mais, um aspecto central da noção que aqui empregamos é que desenvolvimento envolve simultaneamente processos internos e alterações do poder relativo dos países na esfera internacional. O projeto partiu do pressuposto de que as vantagens institucionais estão fundamentalmente ligadas ao papel do Estado no sentido da geração de capacidades para formulação, implementação e, ao mesmo tempo, criação de coalizões de apoio para uma agenda de desenvolvimento. Um dos eixos da pesquisa se referiu a um entendimento particular de como as relações centro-periferia se rearticulam no sistema capitalista internacional em função das crises cíclicas e do forte papel indutor da China neste contexto. Como ressaltado, a recomposição e o sucesso de determinados países em promover políticas de alçamento a patamares mais elevados de desenvolvimento supõem capacidades estatais.
Em seguida, as capacidades específicas relativas ao reaparelhamento da matriz produtiva, por meio de políticas industriais, e à possibilidade de formular uma visão estratégica sobre processos de inovação tecnológica capazes de fazer o país avançar, o que requer também a consideração da sustentabilidade e dos recursos do meio ambiente – energéticos e outros – como elementos centrais. Outro eixo se refere à possibilidade de uma expansão para dentro, propiciada pela adoção de políticas de inclusão social com efeitos distributivos, que, por sua vez, altera o padrão de consumo da população. É importante salientar que esta janela de oportunidade se abre para um conjunto bastante pequeno de países, seja pelo tamanho de seu mercado interno, seja por elementos específicos de suas respectivas trajetórias. Aqui, deve-se mencionar também a importância de formas de proteção ao trabalho como um elemento central na dinâmica de desenvolvimento.
Nesse sentido, um projeto mais inclusivo, atendendo tanto aos setores do capital quanto do trabalho, seria fundamental para a formação de um pacto social. Com base em um conjunto de critérios, Hall e Soskice (2001) apresentam dois tipos ideais de economias capitalistas: economias coordenadas de mercado e economias liberais de mercado. Sobre este arcabouço teórico, Becker (2009) estabelece uma distinção entre tipos ideais e casos empíricos, afirmando que as economias nacionais podem encontrar-se mais perto de um tipo ideal ou outro, ou ainda combinar elementos dos diferentes tipos. Outra linha de estudos (Schmidt, 2006; 2007; Boschi, 2011) introduz a importância do Estado e suas instituições para a configuração das variedades de capitalismo ou modalidades de desenvolvimento.
O ponto central dessa literatura – numa orientação semelhante à desenvolvida pela escola francesa da regulação – é precisamente que desempenhos diferenciados, competitividade e mesmo estratégias de “alcançamento” (catching up) são o resultado da combinação de distintas dimensões dos regimes produtivos e do ambiente institucional em que operam os atores econômicos e as firmas. Em outras palavras, processos endógenos têm impactos do ponto de vista da inserção externa dos países. Isto significa também que os arranjos produtivos internos são passíveis de mudanças que alteram a configuração das variedades de capitalismo, seja na direção de sistemas mais coordenados pelo mercado, seja na direção de sistemas de coordenação mais centralizada, com maior ou menor grau de atuação do Estado.
Diferentes trajetórias e matrizes institucionais configurariam distintas variedades de capitalismo, nas quais o papel da coordenação estatal aparece com maior ou menor centralidade. Certamente, no caso dos países emergentes, o Estado constitui o vetor decisivo na ruptura com padrões ineficientes, estruturas enrijecidas e círculos viciosos de iniquidades, mediante a efetiva instauração de um novo padrão de desenvolvimento. O fortalecimento da capacidade estatal se expressa tanto nas áreas estratégicas para uma agenda de desenvolvimento (políticas sociais, educação e formação técnica, investimento em ciência e tecnologia, capacidade de agenda internacional, política macroeconômica para o desenvolvimento) quanto na potencial habilidade para articular consensos em torno de uma agenda desenvolvimentista (articulação entre atores estratégicos, formação de coalizões de apoio, capacidade de lograr estabilidade de políticas).
No caso do Brasil, é possível prevalecer a combinação mais virtuosa de Estado, mercado, sociedade civil e corporação. O grau de atuação do Estado em áreas estratégicas e a sua capacidade de articular as demandas dos atores relevantes nos levam a chamar a atenção para a governabilidade democrática. A governabilidade, em suma, relaciona-se com a solução de conflitos; expressa a necessidade de se implementarem políticas coerentes, eficientes e sustentáveis num ambiente democrático que requer a participação dos atores estratégicos na resolução dos problemas conjunturais e das estratégias de desenvolvimento.
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