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Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do social ao econômico

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Por:   •  22/9/2013  •  Tese  •  5.226 Palavras (21 Páginas)  •  570 Visualizações

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Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do social ao econômico

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RESUMO

Este texto aborda a questão da sustentabilidade, sob a forma hegemônica de qualificação do desenvolvimento. Traça as origens e o contexto do surgimento da ideia de desenvolvimento sustentável como resultado do confronto entre os países desenvolvidos e os restantes, e entre ambientalistas e desenvolvimentistas. Analisa e discute suas dimensões, mostrando as limitações da configuração em "trevo de três folhas" (ambiental, econômica e social); exemplifica a polissemia do termo e traduz o seu significado; mostra as razões da relevância do tema; e, finalmente, examina respostas que estão sendo socialmente construídas em razão dos possíveis desdobramentos da crise ambiental. Na conclusão, sintetiza as mudanças que ocorrem na trajetória da compreensão da sustentabilidade.

Palavras-chave: Sustentabilidade, Desenvolvimento sustentável, Crise ambiental.

Introdução

noção de sustentabilidade tem duas origens. A primeira, na biologia, por meio da ecologia. Refere-se à capacidade de recuperação e reprodução dos ecossistemas (resiliência) em face de agressões antrópicas (uso abusivo dos recursos naturais, desflorestamento, fogo etc.) ou naturais (terremoto, tsunami, fogo etc.). A segunda, na economia, como adjetivo do desenvolvimento, em face da percepção crescente ao longo do século XX de que o padrão de produção e consumo em expansão no mundo, sobretudo no último quarto desse século, não tem possibilidade de perdurar. Ergue-se, assim, a noção de sustentabilidade sobre a percepção da finitude dos recursos naturais e sua gradativa e perigosa depleção.

Nos embates ocorridos nas reuniões de Estocolmo (1972) e Rio (1992), nasce a noção de que o desenvolvimento tem, além de um cerceamento ambiental, uma dimensão social. Nessa, está contida a ideia de que a pobreza é provocadora de agressões ambientais e, por isso, a sustentabilidade deve contemplar a equidade social e a qualidade de vida dessa geração e das próximas. A solidariedade com as próximas gerações introduz, de forma transversal, a dimensão ética.

O relatório Brundtland (1987) abriu um imenso debate na academia sobre o significado de desenvolvimento sustentável. Pearce et al. (1989) mostravam uma quantidade razoável de definições. Hoje, há um verdadeiro mar de literatura que aborda o tema das maneiras mais diversas (Wackermann, 2008).

Defendemos em outro texto (Nascimento & Costa, 2010), presente também em Nobre & Amazonas (2002), que o Desenvolvimento Sustentável (DS) se tornou um campo de disputa, no sentido utilizado por Bourdieu, com múltiplos discursos que ora se opõem, ora se complementam. O domínio da polissemia é a expressão maior desse campo de forças, que passa a condicionar posições e medidas de governos, empresários, políticos, movimentos sociais e organismos multilaterais.

Na academia, o debate e as interpretações não poderiam deixar de se fazer presentes. Como exemplo, Redclift (1987) considera o Desenvolvimento Sustentável (DS) uma ideia poderosa, enquanto Richardson (1997) chama-o de fraude, pois tenta esconder a contradição entre a finitude dos recursos naturais e o caráter desenvolvimentista da sociedade industrial. Já O'Riordan (1993), apoiado por Dryzeh (1997), é de opinião que o DS traz em si a ambiguidade de conceitos, como os de justiça e democracia, e que não por isso eles deixam de ser relevantes. Por sua vez, Baudin (2009) vai concebê-lo como uma nova ideologia.

No Brasil, Machado (2005) defende que o DS é um discurso, conforme a proposição de Foucault; enquanto Nobre & Amazonas (2002) afirmam que é um conceito político-normativo, noção que já estava presente no Relatório Brundtland. Veiga (2010), no entanto, fará uma defesa interessante – de que se trata antes de tudo de um novo valor. Na sua assimilação pela sociedade, encontra-se a possibilidade da adoção de medidas que venham efetivamente a mudar o rumo do desenvolvimento, levando-o da jaula do crescimento econômico material para a liberdade do desenvolvimento humano, enquanto ampliação das oportunidades (Sen, 2000).

As questões que orientaram a construção deste texto foram as seguintes: em que consiste a sustentabilidade, entendida como um adjetivo do desenvolvimento? Qual a sua trajetória, natureza e implicações para a sociedade atual? Onde se encontra o centro de sua concepção?

Assim, o texto está dividido em quatro partes. Na primeira, desenham-se, de forma sucinta, as origens e o contexto do surgimento da noção da sustentabilidade, transformada em Desenvolvimento Sustentável (DS) por meio dos embates na arena internacional. Na segunda, examina-se a questão das dimensões do desenvolvimento sustentável mostrando os limites de uma compreensão restrita a três – ambiental, econômica e social. Na terceira, são apresentadas pistas sobre a relevância, hoje, da sustentabilidade. Na quarta, analisam-se três respostas, atualmente em construção, à crise ambiental. Conclui-se indagando sobre as mudanças na trajetória da noção de desenvolvimento sustentável.

Origens e contexto

A ideia de sustentabilidade ganha corpo e expressão política na adjetivação do termo desenvolvimento, fruto da percepção de uma crise ambiental global. Essa percepção percorreu um longo caminho até a estruturação atual, cujas origens mais recentes estão plantadas na década de 1950, quando pela primeira vez a humanidade percebe a existência de um risco ambiental global: a poluição nuclear. Os seus indícios alertaram os seres humanos de que estamos em uma nave comum, e que problemas ambientais não estão restritos a territórios limitados. "A ocorrência de chuvas radiativas a milhares de quilômetros dos locais de realização dos testes acendeu um caloroso debate no seio da comunidade científica" (Machado, 2005). Entre 1945 e 1962, os países detentores do poder atômico realizaram 423 detonações atômicas.

Outro momento dessa trajetória da percepção da crise ambiental se deu em torno do uso de pesticidas e inseticidas químicos, denunciado pela bióloga Rachel Carson. Seu livro Silent spring vendeu mais de meio milhão de cópias, e em 1963 já estava traduzido em 15 países (McCormick, 1992).1

Esses eventos tocaram a mídia e os governos, mas foi o movimento ambientalista o maior beneficiário. Segundo McCormick (1992), naquela época, as cinco maiores organizações conservacionistas nos Estados Unidos tiveram crescimento de seus membros da ordem de 17% por ano.

As chuvas ácidas sobre os países nórdicos levaram a Suécia, em 1968, a propor ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) a realização de uma conferência mundial que possibilitasse um acordo internacional para reduzir a emissão de gases responsáveis pelas chuvas ácidas. O resultado foi a aprovação da Conferência de Estocolmo, em 1972. Durante seus preparativos – ocorridos em mais de três anos – foram colocados face a face países desenvolvidos e não desenvolvidos (o Terceiro Mundo, conforme a nomenclatura da época). Os primeiros, preocupados com a crescente degradação ambiental que ameaçava sua qualidade de vida. Os outros, preocupados em não sofrerem restrições à exportação de seus produtos primários e não terem seu desenvolvimento obstruído. Essa oposição era ainda mais tensa se imaginarmos que países do Terceiro Mundo atribuíam ao seu pouco crescimento econômico parte dos problemas ambientais. Portanto, para eles a solução dos problemas ambientais passava pela extinção da pobreza.

Se, de um lado, os países desenvolvidos definiam a defesa do meio ambiente como o ponto central da Conferência, de outro lado, os outros focavam o combate à pobreza. Essa divisão atravessava não apena os países, mas também os atores político-sociais, colocando em confronto ambientalistas e desenvolvimentistas.

Em face da complexidade das contendas, a Organização das Nações Unidas (ONU) deslocou o debate para uma comissão técnica que produziu Only one earth (Ward & Dubos, 1973). O documento considerava o problema ambiental como decorrente de externalidades econômicas próprias do excesso de desenvolvimento (tecnologia agressiva e consumo excessivo), de um lado, e de sua falta (crescimento demográfico e baixo PIB per capita), de outro. Posta dessa forma, a questão ambiental deixava de ficar restrita ao meio natural e adentrava o espaço social. Graças a esse embate, o binômio desenvolvimento (economia) e meio ambiente (biologia) é substituído por uma tríade, introduzindo-se a dimensão social.

A reunião de Estocolmo se realiza em meio ao impacto provocado pelo relatório do Clube de Roma2 – Limits to Growth (Meadows et al., 1972), que propunha a desaceleração do desenvolvimento industrial nos países desenvolvidos, e do crescimento populacional, nos países subdesenvolvidos. Também previa uma ajuda dos primeiros para que os segundos pudessem se desenvolver.

Dois outros trabalhos, e um evento, na mesma época, vão impactar o campo da sustentabilidade. O primeiro, em 1971, não terá influência sobre a reunião de Estocolmo, mas no desenvolvimento posterior da reflexão sobre a economia. É o trabalho de Nicholas Georgescu-Roegen (1999), que aborda a economia como um subsistema da ecologia, interagindo com a natureza em seu processo de transformação, baseado na segunda lei da termodinâmica (entropia). O segundo trabalho, de Arne Naess (1973), publicado na revista Inquiry, tornar-se-á rapidamente o estandarte dos ambientalistas mais radicais, com a distinção entre ecologia superficial (que se preocupa com a poluição nos países desenvolvidos) e ecologia profunda (que se volta para os problemas ecológicos existentes nas estruturas das sociedades em todo o mundo). Já o evento, nesse mesmo ano, foi a crise do petróleo, que impulsionaria os países desenvolvidos a reduzirem a emissão de gases de efeito estufa, hoje denominada descarbonização da economia.

Os governos movimentaram-se na criação de agências que se ocupassem da questão ambiental, pois uma das constatações ao longo da preparação da reunião de Estocolmo foi quanto à insuficiência de dados disponíveis e fiáveis sobre esse tema. Como exemplo, os Estados Unidos criam, em 1970, a Environmental Protection Agency (EPA), e o Brasil, em 1973, cria a Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema).

A avaliação dos resultados da reunião de Estocolmo pela ONU, dez anos depois, mostrou que os esforços empreendidos ficaram muito aquém do necessário (Le Prestre, 2000). A consequência foi a formação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), dirigida pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Harlen Brundtland, cujo relatório de 1987 (Our common future) tinha como missão propor uma agenda global para a mudança. Constituiu o maior esforço então conhecido para conciliar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, cujo porto de chegada denominou-se Desenvolvimento Sustentável. Sua definição tornou-se clássica e objeto de um grande debate mundial (Lenzi, 2006): "Desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades". A força e a fraqueza dessa definição encontram-se justamente nessa fórmula vaga, pois deixam-se em aberto quais seriam as necessidades humanas atuais, e mais ainda as das gerações futuras. Introduz-se a noção da intergeracionalidade no conceito de sustentabilidade, associando-a à noção de justiça social (redução das desigualdades sociais e direito de acesso aos bens necessários a uma vida digna) e aos valores éticos (compromisso com as gerações futuras).

Our common future coloca-se contra os efeitos do liberalismo, que naquela época provocava o aumento das desigualdades sociais entre os países, e consagra a dimensão social como parte integrante da questão ambiental: "A pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais do mundo. Portanto, é inútil tentar abordar esses problemas sem uma perspectiva mais ampla, que englobe os fatores subjacentes à pobreza mundial e à desigualdade internacional" (Brundtland, 1987, p.4).

Em 1989, a Assembleia das Nações Unidas aprovou a convocação da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad) para 1992, conhecida como Rio-92. O mérito de seus resultados é até hoje discutido, ora louvado, ora denegrido (Bursztyn & Bursztyn, 2006, p.62). Os efeitos mais visíveis foram a criação da Convenção da Biodiversidade e das Mudanças Climáticas – que resultou no Protocolo de Kyoto –, a Declaração do Rio e a Agenda 21.

A Declaração do Rio segue a mesma linha das decisões da reunião de Estocolmo, relacionando meio ambiente e desenvolvimento, por meio da boa gestão dos recursos naturais, sem comprometimento do modelo econômico vigente. O documento vai ao encontro, portanto, da expansão econômica que o mundo começa a conhecer, e em contraponto ao que anunciava a literatura mais crítica da época, como o relatório preparatório da reunião da Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina e Caribe (CDMAALC, 1991, p.2):

Os modelos de desenvolvimento que prevalecem no mundo e que produziram ganhos importantes para o desenvolvimento humano por várias décadas demonstram sinais irrefutáveis de crise. [...] a configuração dos problemas ambientais ameaça a capacidade de manter este processo de desenvolvimento humano em médio e longo prazos.

As contradições entre os países desenvolvidos e os restantes ficaram ainda mais claras quando os Estados Unidos não assinaram o Protocolo de Kyoto, mesmo após o Intergovernmental Panel for Climate Change (IPCC), em 2007, lançar um comovente alerta sobre os riscos prementes do aquecimento global e a contribuição nesse processo da ação antrópica. O mundo ficou tocado, o governo americano, nem tanto.

Em meio ao debate na mídia, um consenso se estabeleceu – o desenvolvimento sustentável compõe-se essencialmente de três dimensões, embora muitos autores, como Ignacy Sachs (2007), considerem a relevância de várias outras dimensões.

As dimensões do desenvolvimento sustentável

É pertinente nos perguntarmos se as três dimensões (econômica, ambiental e social) da sustentabilidade são suficientes, e qual o seu significado.

A primeira dimensão do desenvolvimento sustentável normalmente citada é a ambiental. Ela supõe que o modelo de produção e consumo seja compatível com a base material em que se assenta a economia, como subsistema do meio natural. Trata-se, portanto, de produzir e consumir de forma a garantir que os ecossistemas possam manter sua autorreparação ou capacidade de resiliência.

A segunda dimensão, a econômica, supõe o aumento da eficiência da produção e do consumo com economia crescente de recursos naturais, com destaque para recursos permissivos como as fontes fósseis de energia e os recursos delicados e mal distribuídos, como a água e os minerais. Trata-se daquilo que alguns denominam como ecoeficiência, que supõe uma contínua inovação tecnológica que nos leve a sair do ciclo fóssil de energia (carvão, petróleo e gás) e a ampliar a desmaterialização da economia.

A terceira e última dimensão é a social. Uma sociedade sustentável supõe que todos os cidadãos tenham o mínimo necessário para uma vida digna e que ninguém absorva bens, recursos naturais e energéticos que sejam prejudiciais a outros. Isso significa erradicar a pobreza e definir o padrão de desigualdade aceitável, delimitando limites mínimos e máximos de acesso a bens materiais. Em resumo, implantar a velha e desejável justiça social.

Registre-se que há outras maneiras de definir tais dimensões. Adotamos apenas aquelas que parecem mais recorrentes e simples.

O principal problema nessa definição em três dimensões não se encontra nas diferenças de conceituação existentes na literatura especializada sobre cada uma delas, mas no fato de escolhê-las como as essenciais, eliminando-se, por exemplo, a dimensão do poder. Como se mudar os padrões de produção e consumo fosse algo alheio às estruturas e decisões políticas.

A consequência do esquecimento da dimensão da política é uma despolitização do DS, como se contradições e conflitos de interesse não existissem mais. Como se a política não fosse necessária no processo de mudanças. Como se as formas de exploração violenta não fossem mais importantes, e a equidade social fosse construída por um simples diálogo entre organizações governamentais e

multilaterais, com assessoria da sociedade civil e participação ativa do empresariado.

Em parte isso se deve ao fato de que a questão da sustentabilidade coloca no centro do debate interesses de natureza geral e não aqueles específicos de grupos ou classes sociais. Isso escamoteia a assimetria de poder no âmbito da sociedade. Tal invisibilidade é agudizada, entre outros fatores, pela forma de traduzir a questão da crise ambiental como sendo a vida ou a morte da humanidade. Essa forma – radical, distante e abstrata de abordar a problemática ambiental – conduz para que a assimetria de poderes se torne secundária. Ora, o problema advindo da crise ambiental não é de que o planeta e/ou a vida estejam ameaçados de extinção em curto ou médio prazo. Podemos afirmar taxativamente que não somos capazes de destruir o planeta ou a vida nele existente. O que está em jogo é, em primeiro lugar, se as próximas gerações terão condições de viver com uma qualidade de vida pelo menos próxima à que almejamos para todos atualmente, e que muitos já a têm.

Há, todavia, outra razão que se deve assinalar para compreender a concepção despolitizada da sustentabilidade: o deslocamento aparente do foco da transformação social.

Do século XVIII ao XX, o foco da mudança residia na política, nas lutas sociais, e nas revoluções políticas. Já na metade desse século, ocorre um primeiro deslocamento: da esfera da política para a social. Dessa forma, na segunda metade do século XX existem fóruns múltiplos provocadores das mudanças sociais: movimentos culturais, como o das mulheres; movimento político, como a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética; e inovações tecnológicas de ponta que ao se disseminarem produziram um mundo globalizado, uma economia mundialmente integrada, uma cultura internacional popular, bem como novos atores políticos e sociais globais. O espaço do Estado-nação se reduz, a economia cultural e simbólica cresce, novas ciências e novos inventos emergem.

O problema não reside na sobrevalorização, ou não, dos impactos das mudanças tecnológicas. Nunca conseguiremos sobrevalorizar o que o campo tecnológico está nos trazendo de mudanças – o problema é outro! Na tentativa de invisibilizar a esfera da política, centrando as mudanças sociais no mundo da tecnologia, esquece-se de que as mudanças passam necessariamente por instâncias econômicas e espaços políticos. A globalização produziu-se da forma como a conhecemos, porque a revolução científico-tecnológica dos anos 1980 encontrou um campo político-ideológico favorável com a vitória do neoliberalismo na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 1970. A supremacia da ideologia do mercado, no mundo todo, com suas especificidades históricas, criou um terreno favorável para a adoção das novas tecnologias.

As empresas não se voltarão de forma decisiva para uma produção economizadora de recursos naturais e menos produtiva de carbono. Novas fontes de energia se tornarão acessíveis apenas mediante a aceleração das inovações. A distribuição de riquezas e a igualdade de oportunidades não serão construídas sem embates políticos e pressões sobre os governantes.

Outro aspecto olvidado na definição do DS em três dimensões é a cultura. Ora, não será possível haver mudança no padrão de consumo e no estilo de vida se não ocorrer uma mudança de valores e comportamentos; uma sublimação do valor ter mais para o valor ter melhor; se a noção de felicidade não se deslocar do consumir

para o usufruir; se não se verificar a transferência da instantaneidade da moda para a durabilidade do produto; se não tivermos pressões para a adoção e valorização, por exemplo, do transporte público e, se possível, para o melhor transporte, o não transporte. O desenvolvimento sustentável, aparentemente, supõe uma reforma intelectual e moral, para usar a velha expressão de Gramsci (1975), de maneira a acolher e estimular a adoção de novas tecnologias e novas formas de viver.

Com tudo isso, queremos sugerir que a sustentabilidade, em sua essência, não deve ter apenas "três folhas", mas cinco. Tendo como linha transversal a ética solidária com os excluídos de hoje para que não haja excluídos amanhã.

Sustentabilidade: por que ela é relevante para nós?

Mas, afinal, por que a sustentabilidade é importante para os povos? Onde reside a razão de atribuirmos ao desenvolvimento sustentável a saída da crise ambiental, e a possibilidade de criar um mundo mais justo?

A percepção – difundida, mas longe de ser comprovada – de que estamos ameaçados como espécie atribui uma relevância ímpar à ideia do desenvolvimento sustentável. De certa forma, com a queda da União Soviética, o grande medo societal de meados do século passado de uma guerra atômica autodestrutiva se esvaiu. Em seu lugar ganhou corpo o grande medo da autodestruição pelo crescimento econômico desenfreado que destrói a natureza e exaure os recursos naturais.

A partir dos trabalhos de Darwin, na segunda metade do século XIX, ficou claro que as espécies animais têm uma trajetória de nascimento, desenvolvimento e morte. Elas se sucedem, algumas desaparecem e outras surgem. Nada nos leva a pensar que a espécie humana tenha uma trajetória distinta dos seus antepassados desaparecidos (hominídeos).

Até meados do século XX, a humanidade temia basicamente duas grandes ameaças de extinção – uma externa (o choque de um grande meteorito, como aparentemente ocorreu há 65 milhões de anos, extinguindo os dinossauros) e outra interna (o advento de uma epidemia desconhecida e incontrolável). Em meados do século passado, foi acrescida mais uma ameaça, provinda dos próprios seres humanos: a bomba atômica. O seu poder de destruição ficou evidente com as explosões de Hiroshima e Nagasaki.

A ideia de que o modo de produção e consumo vigente nos conduz a um desastre é cada vez mais aceita. "Que a economia está em conflito com os sistemas naturais do planeta é uma evidência que ressalta das informações cotidianas sobre o desaparecimento das zonas de pesca, a redução das florestas, a erosão do solo... e o desaparecimento de espécies" (Brown, 2003, p.14).

Embora o agravamento da crise ambiental aponte para uma clara degradação das condições de vida em nosso planeta, é possível, caso o cenário mais pessimista do aquecimento global venha a se confirmar, que uma nova possibilidade de autoextinção seja criada ao final deste século.

De toda forma, a persistência do modelo de produção e consumo em vigor degrada não apenas a natureza, mas também, e cada vez mais, as condições de vida dos humanos.

Respostas à crise ambiental

É certo que as atuais condições de vida estão ameaçadas, na hipótese de o aquecimento global vir a se confirmar. Contudo, a qualidade de vida dos que não a têm hoje e a das gerações futuras não estão ameaçadas apenas pelo provável aquecimento global. O modo de produção e consumo vigente traz em si ameaças que agem de forma independente desse evento, pois caso continuemos no ritmo de crescimento econômico dos últimos cem anos, teremos cerca de 120 milhões de pessoas por ano adentrando o mercado de consumo. Serão mais dois bilhões e meio em 2050. Há uma quase unanimidade hoje entre os cientistas de que os recursos naturais não serão suficientes para fornecer um modo de vida similar ao da classe média mundial a todos os novos ingressantes no mercado. No entanto, eles têm tanto direito quanto os que já participam do mercado consumidor.

O que está em questão são as aquisições civilizacionais que criamos (Lovelock, 2006) e, na pior das hipóteses, o próprio gênero humano. Teremos, ou não, capacidade de prolongar a nossa existência, como espécie, ou, ao inverso, vamos abreviá-la? Afinal, ser humano é isso: ter capacidade de se autodestruir. Mas nossa condição de humanos pressupõe também a capacidade de prolongar a existência como espécie, e utilizando a mesma capacidade inventiva.

Posta dessa forma, a crise ambiental contém o claro desafio de que o desenvolvimento sustentável é apenas uma das respostas possíveis. E a essa podem-se acrescentar pelo menos mais três, grosso modo, com probabilidades distintas.

A primeira resposta é a tecnológica, que deposita na capacidade inventiva do homem a superação anunciada dos limites dos recursos naturais. A segunda reside na mudança radical (mas progressiva) do padrão de produção e consumo vigente, expressa no movimento do decrescimento, entre outros. A terceira é a possibilidade de não conseguirmos evitar a catástrofe que progressivamente poderia levar à extinção da humanidade. Seria a não resposta.

Além do respaldo que possui a primeira resposta no senso comum, ela se ampara na longa tradição na economia, pois dá continuidade, com algumas mudanças, às abordagens clássicas hegemônicas. Seu principal mentor é provavelmente o Prêmio Nobel de economia Robert Solow (2000).

Solow, inversamente a outros economistas, toma como séria a questão da finitude dos recursos naturais, porém, ao contrário dos críticos da economia dominante, considera que o homem é capaz de construir as respostas necessárias a esse desafio sem grandes mudanças sociais, mas tecnológicas. Seu pensamento tem algumas premissas básicas que se situam além da intercambialidade dos fatores de produção. Dentre elas pode-se citar a de que a finitude dos recursos naturais só é um problema do ponto de vista de sua especificidade, mas não como conjunto. Tomemos dois exemplos simples. Finita é a quantidade de água potável disponível em um determinado momento e local, mas essa finitude passa a não existir quando a pensamos como o conjunto dos recursos hídricos existentes (70% da face da Terra), que se renova permanentemente. A dessalinização das águas do mar a custo baixo, assim como o seu transporte, pode vir a tornar a crise de recursos

hídricos um simples episódio na trajetória humana. A finitude das fontes de energia fósseis e a das renováveis são de escalas incomparáveis. A primeira se reduz a décadas e a segunda, a milhares de anos. Nada impede que outras fontes de energia, como a solar, sejam utilizadas por milhões de anos. Portanto, o limite dos recursos naturais, que é real, é superado pelas mudanças tecnológicas adotadas em razão das pressões e mudanças do mercado. Afinal, nenhuma fonte de energia (ou outro recurso natural) é abandonada porque os recursos se extinguiram, mas porque surgiram alternativas econômica, social e tecnologicamente mais viáveis.

No momento, há uma conjunção de fatores favoráveis à substituição gradativa das fontes de energia fósseis. Elas têm um elemento comum, são estritamente locacionadas. Na medida em que se localizam fora do território da maioria dos países desenvolvidos, torna-se imperioso que eles busquem outras fontes de energia. Ora, como esses países são os maiores detentores de tecnologia eles podem realizar investimentos crescentes em relação às fontes de energia renováveis, incluindo a fusão a frio.

A segunda resposta encontra-se no movimento intelectual, social e político conhecido como decrescimento, ou, se quisermos utilizar a expressão francesa, décroissance (Nascimento & Gomes, 2009), ou mesmo, "pós-desenvolvimento" (Billaudot, 2003).

Como define um de seus animadores (Ariés, 2005), décroissance é uma "expressão-ônibus" que comporta diversas acepções, unidas pela rejeição à ideia de desenvolvimento como uma "religião sem sentido". Nela tem abrigo um rico conjunto de movimentos sociais e culturais entre os quais se pode citar: o Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais (Mauss), os bioeconomistas, os pós-desenvolvimentistas, os "objetores" de consciência e os antipub.

A crítica dessa corrente ao Desenvolvimento Sustentável (DS) é ferina, por considerá-la um puro contrassenso, uma ideologia simplificadora do real, uma simples "tentativa sedutora de salvar o crescimento" (Latouche, 2007, p. 113). Morin (2007, p.75), que não pertence a esse movimento, embora nutra por ele simpatia, também não poupa críticas ao DS, para ele "o desenvolvimento sustentável nada mais faz do que temperar o desenvolvimento por meio da consideração ecológica, mas sem questionar seus fundamentos" (grifo nosso).

Esse movimento tem sua principal raiz na obra do economista Georgescu-Roegen, que desenvolveu um trabalho inspirado na segunda lei da termodinâmica (entropia). Ele chama a atenção para o fato de que todo o processo produtivo é a transformação de energia e matéria de baixa entropia para alta entropia, ou seja, a transformação de energia e matéria disponíveis em não disponíveis. Dessa forma, um dia os homens vão ter de mudar o rumo de seu desenvolvimento, passando não mais a crescer, mas a decrescer. O crescimento econômico deverá ser convertido em decrescimento, se a humanidade não quiser perecer.

Seu principal seguidor, Herman Daly (1996), propõe uma alternativa menos drástica: a busca de uma situação estacionária (steady-state economy), numa analogia, segundo Veiga (2008, p.130), "à hipótese cosmológica de que a densidade total da matéria permanece constante no universo em expansão". Para Daly (1996), caminhamos para uma situação em que o problema central do desenvolvimento será o abandono do crescimento econômico, em troca do desenvolvimento da qualidade de vida. O recente relatório da ONU, que prega a "prosperidade sem crescimento", é uma variação palatável dessa vertente. E os estudos que têm mostrado o descolamento do crescimento econômico da qualidade de vida nos países altamente desenvolvidos reforçam a ideia de que é possível viver melhor produzindo e consumindo menos (Veiga, 2010).

Para Latouche (1986), o mais radical dos defensores do decrescimento, o modelo atual de produção e consumo não tem futuro, porque nos conduz à autoextinção. A saída é a adoção de novos valores e novos costumes, com abandono da moda, do instantâneo, em troca de uma produção duradoura e decrescente. Enfim, adoção de um novo estilo de vida.

A terceira resposta encontra-se na possibilidade da catástrofe. Na verdade é o resultado de uma não resposta. A ideia de que os problemas anunciados pela crise ambiental podem ser resolvidos por meio da inovação tecnológica pode não estar certa. É verdade que diversas iniciativas estão sendo tomadas atualmente na busca da substituição das fontes energéticas fósseis. A Alemanha e os países do norte da Europa são exemplos. No entanto, a emissão de gases de efeito estufa já é considerável, e as medidas para redução são lentas. Vivemos uma corrida contra o tempo. E a convicção de que os homens sempre souberam superar as dificuldades naturais por meio de novas tecnologias não assegura que isso ocorra no futuro.

Ideias como criar uma bactéria que absorva o dióxido de carbono ou dispor espelhos na estratosfera para refletir os raios solares e reduzir o calor solar são temerárias do ponto de vista de suas consequências, e incertas quanto à sua viabilidade. Por sua vez, é possível que as mudanças climáticas se acelerem, na medida em que o aquecimento global libere mais o CO2 que está retido na natureza (permafrost na Sibéria e no Ártico, por exemplo). Uma inversão brusca no clima pode ter efeitos catastróficos para a vida humana, e é possível que isso já esteja em curso, com resultados manifestados nas próximas duas ou três décadas.

A título de conclusão

O embate entre a visão dos países desenvolvidos, sobretudo os europeus, e a dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, que se anunciou nos anos 1970, persiste e deverá ter continuidade na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, no Rio de Janeiro. Porém, agora em contexto diferenciado, na medida em que a questão ambiental não apenas se ampliou, como ganhou novas conotações, a partir do relatório do IPCC de 2007.

As diferenças residem, entre outros, em dois pontos: a) a crise ambiental assumiu contornos mais graves com a percepção da responsabilidade antrópica do aquecimento global e a dinâmica de ascensão de um contingente humano mais significativo no mercado de consumo; b) as propostas do desenvolvimento sustentável, sobretudo da descarbonização e desmaterialização da economia, agora sob a roupagem da economia verde, ganharam força.

A locacionalidade das fontes fósseis, fora de seus territórios, obriga alguns países desenvolvidos a investir em novas fontes energéticas. O recente acidente nuclear no Japão estimulou mais ainda esse movimento. Essas mudanças, finalmente, se associam cada vez mais com inovações tecnológicas, abrindo a possibilidade de uma nova onda de inovação de longa duração. Assim, a economia aproxima-se ainda mais da atitude de poupar o meio ambiente nos países desenvolvidos e ganha maior relevância nos países em desenvolvimento.

Por sua vez, a dinâmica econômica dos países em desenvolvimento, retirando parte de suas populações que estão abaixo da linha da pobreza, associada a uma

percepção mais pessimista da crise ambiental, muda o enfoque do combate à pobreza.

A questão é saber se ocorrerá um movimento no sentido de retirar do desenvolvimento sustentável a centralidade do social em direção ao ambiental. A fusão do eixo do combate à pobreza com a economia verde na Rio+20 parece indicar algo nesse sentido, assim como um novo "casamento" entre economia e meio ambiente.

São todos, porém, movimentos débeis que ainda não se tornaram tendências vigorosas. Como dissemos em outro momento (Nascimento & Andrade, 2011), o século XXI nasceu sob três signos: da contradição, da incerteza e da esperança. A contradição entre os indícios de crescimento da crise ambiental e a fragilidade das medidas adotadas; a incerteza quanto ao futuro da humanidade no acirramento das crises econômica e ambiental; e a esperança de que transformações sociais ocorram, mudando – para melhor – o padrão civilizatório a que estamos prisioneiros, como quer Morin (2011).

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