A fé é torturada
Seminário: A fé é torturada. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: paulohsg • 23/3/2014 • Seminário • 1.782 Palavras (8 Páginas) • 223 Visualizações
A fé torturada
Saudado pela Igreja como o fim da ameaça comunista, golpe que deu origem à ditadura matou três padres e um frei antes de perder apoio católico. Evangélico membro da Comissão Nacional da Verdade relembra que foi sequestrado após pastor denunciá-lo à repressão
NONATO VIEGAS
Rio - A manhã de 28 de fevereiro de 1970 transcorria calma, quando Anivaldo Padilha, líder da Juventude Metodista, foi sequestrado dentro de sua igreja por homens da Operação Bandeirantes (Oban). Fervoroso em busca de um Brasil melhor, Padilha, pai do ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi denunciado pelo bispo e pelo pastor que comungavam no mesmo púlpito que ele. A acusação: comunista. Sua história ilustra não só a divisão dentro das denominações evangélicas, mas o alcance das redes de informações montadas pelo regime que, a princípio, foi visto com simpatia pela Igreja Católica.
“Os informantes percorriam as igrejas e sabiam tudo sobre as pregações”, conta Padilha, membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que admite dificuldade em identificar se os colaboradores eram agentes da ditadura ou ‘ infiltrados’ (alcaguetes).
Missa na Candelária para Edson Luís
Foto: Reprodução
Embora seja comum afirmar que a Igreja Católica tenha apoiado o golpe, a CNBB levou dois meses para se manifestar, tamanho o conflito interno. “Só em 2 de junho sai um comunicado. A primeira metade saudava o fim do risco comunista e a segunda, denunciava abusos”, lembra o professor e padre Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Ceseep).
Frei Clodovis Boff, um dos teóricos da Teologia da Libertação e atualmente professor da PUC-PR, relembra o clima pesado nas missas. “Era sufocante para os pregadores. Havia gente que vinha apenas para ver o que falávamos.”
Não há registros de que padres e bispos católicos tenham entregue seus pares à repressão, como aconteceu com a Igreja Metodista de Padilha. Entretanto, há situações em que houve omissão, diz Jorge Abilio Lulianello, consultor da CNV. Ele conta que Marcos Arruda, militante da Juventude Universitária Católica (JUC), preso e torturado em 1970, pedira a um capelão que avisasse a seus pais que estava em poder de militares. Imaginava que, assim, garantiria sua vida. Ledo engano. “O religioso deu a extrema-unção, mas não transmitiu o recado”, diz Jorge.
Frei Betto, preso em 1969 com outros dominicanos, não poupa Dom Eugenio Sales, nomeado arcebispo do Rio de Janeiro em 1972 e já falecido. “Não conheço uma só pessoa perseguida que tenha sido ajudada por ele”, diz Frei Betto.
Dom Orani Tempesta, cardeal e arcebispo do Rio de Janeiro, prefere olhar para a frente. Ciente da cizânia, prega a unidade com Cristo. “O importante, neste momento de recordação, é olhar para o conjunto da Igreja”, defende. “Quando somamos as atitudes de nossos bispos, vemos o quanto se fez, cada um a seu modo, dentro de suas possibilidades. Deus tem seus caminhos.”
"Os informantes percorriam as igrejas e sabiam tudo sobre as pregações"Anivaldo Padilha
Na Comissão Nacional da Verdade, o silêncio hierárquico da cúpula católica é um empecilho. Ao contrário das igrejas protestantes, que “falam mais abertamente”, a Igreja Católica se cala, segundo Padilha. “Ela prefere o silêncio”, acusa.
O racha entre progressistas e conservadores é anterior a 1964. O professor e padre Oscar Beozzo afirma que desde a morte de Getúlio Vargas, em 1954, houve um acirramento entre as posições.
“É a partir da década de 1950 que a Igreja Católica adere às causas sociais”, ensina. “Ela apoia a reforma agrária; se empenha para criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais; dialoga com o movimento estudantil; tem um membro da JUC, Aldo Arantes, eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE); e espalha o Movimento de Educação de Base (MEB) pelo país”, lista Beozzo.
Uma encíclica do Papa João XXIII, em 1963, pregando “diálogo com os movimentos históricos”, alarma os conservadores e anima os progressistas católicos. “A divisão era a mesma vista na sociedade brasileira na época”, resume Beozzo. Mas a partir do AI-5, em 1968, diz Frei Betto, é “que a Igreja passou a sofrer mais perseguição, a ponto de se tornar a principal voz em defesa dos Direitos Humanos”. Em 1969, é assassinado o primeiro dos três padres, e um frei, vítimas da ditadura.
Outro caso marcante se dá em 1968, nas missas para o estudante Edson Luís, morto pela PM na invasão ao restaurante Calabouço, no Aterro do Flamengo. Realizadas na Igreja da Candelária, as cerimônias confrontaram estudantes, padres e freiras com a PM, Fuzileiros Navais e agentes do DOPS, que reprimiram violentamente os presentes, deixando centenas de feridos. Dali para a frente, a relação entre militares e Igreja Católica nunca mais seria a mesma. “Deste período ficam o aprofundamento da Teologia da Libertação, o crescimento das Comunidades de Base e das pastorais sociais”, conta Boff.
O embate que rachou a Igreja
por Fernando Molica
Após pregar e abençoar o golpe de 1964, a Igreja dividiu-se em relação aos militares. O namoro com a esquerda começou antes da deposição do presidente João Goulart: leigos da JUC (Juventude Universitária Católica) fundaram a AP (Ação Popular), que reuniria nomes como o de José Serra, futuro governador de São Paulo, e Plínio de Arruda Sampaio (Psol). Dentro da hierarquia da Igreja, um dos pioneiros na resistência foi o então arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, ex-militante do Integralismo, movimento da direita alinhado ao fascismo. Fundador da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), era um entusiasta das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), de católicos que questionavam o sistema. Dom Hélder passou a ser chamado de ‘arcebispo vermelho’.
A atuação da Igreja contra a ditadura ficaria marcada a partir dos anos 1970, com a Teologia da Libertação, que unia cristianismo e esquerda. A eleição, em 1971, de Dom Aloísio Lorscheider para a presidência da CNBB reforçou o bloco dos que se opunham aos militares — no ano anterior, ele ficou preso por quatro horas. O episódio favoreceu a criação da Comissão Bipartite, que promoveria 24 reuniões entre militares e bispos de diferentes tendências. Cardeais e bispos se destacariam na luta contra a ditadura, denunciando
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