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Astigma TISM

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Por:   •  11/2/2014  •  Seminário  •  1.568 Palavras (7 Páginas)  •  249 Visualizações

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Fonte: Silva, Adriano. Revista Exame, 3 de junho de 1998. pg. 48-50.

ASTIGMA TISMO

Na era do hedonismo, o marketing ganha interesse pelos motivos errados

Um sujeito precisou fazer uma bateria de exames clínicos. Só então percebeu que seu plano de saúde não cobria a metade do que era necessário. Disse, ressentido:

— O plano dessa companhia é uma bomba! Na hora de vender, pode tudo. Depois, não pode nada. É tudo marketing. Vou cancelar minha participação.

Naquele instante, em lugares diferentes da costa leste americana, Theodore Levitt, o homem que criou o clássico conceito de “miopia em marketing”, e Philip Kotler sentiram um mesmo arrepio gelado lhes descendo a espinha. Não é para menos. A idéia de fechar o negócio a qualquer custo, ludibriando o freguês se for necessário, de forma a pura e simplesmente fazer o caixa tilintar, filia-se a uma lógica de vendas orientada para o curto prazo. Não gera clientes. Gera compradores de uma compra só. Desafetos que espalham suas bílis pelo mercado. Enfim, é uma idéia que nada tem a ver com a lógica de marketing, exceto pelo fato de ser a sua antítese. Se tudo naquela companhia de planos de saúde fosse marketing, o sujeito estaria satisfeito e a empresa estaria mantendo mais um cliente em carteira.

A idéia de marketing como mentira, como maquilagem exuberante que atrai para uma armadilha de vendas; ou pelo menos como uma atividade vazia, desprovida de tutano e seriedade, tem imperado no Brasil. Temos a certeza equivocada de que marketing é uma propaganda metida à besta, que trocou a agência pela corporação e as artes finais pelo crachá eletrônico. Costumamos pensar, ainda, que quanto melhor o marketing maior o hype — palavra do inglês que define a promessa que não se cumpre; o exagero que deliberadamente conquista para depois frustrar. Em bom português: empulhação.

Para o marketing, entretanto, a propaganda é apenas o meio mais eficiente de comunicar os benefícios de um produto ou serviço a públicos de interesse. É evidente que ações de comunicação visam sempre ressaltar os pontos positivos e omitir o que não interessa mostrar. Assim funciona a propaganda — que almeja, ainda, ser divertida, surpreendente, marcante. Não é assim que funciona o marketing, processo que transcende em muito as ações publicitárias. Enquanto para a propaganda é suicídio a admissão de pontos fracos (imagine o contra-senso de um anúncio de sabão em pó alertando para o desgaste que ele impinge às roupas ou para a poluição que causa ao meio-ambiente), para o marketing é fundamental o reconhecimento dos desempenhos sofríveis, estejam eles no produto ou na própria empresa. Para o marketing, suicídio seria não admitir os pontos fracos dos processos que ele representa: o sabão em pó que desistir de tratar cada vez melhor as roupas do consumidor ou fingir que não vê que precisa reduzir seu impacto ambiental, estará fora do mercado em um par de anos.

O interesse pelo marketing no Brasil, consolidado na última década, parece estar ancorado naquela visão errônea da profissão como uma salada vistosa que envolve ações de comunicação, promoções criativas e gravatas menos conservadoras. É o marketing compreendido como uma atividade de apoio a vendas, como organização de eventos, como uma ocupação confinada ao meio publicitário. Esse conjunto de percepções confunde o que é periférico com aquilo que é central; o instrumento com a inteligência que o conduz.

De todo modo, é fato que o apelo do marketing no Brasil tem sido sua pretendida superficialidade e o glamour que dela decorre. Enxerga-se o marketing como uma atividade da moda, pouco convencional, divertida, feita para jovens criativos. Se fosse um arremesso de basquete, essa visada não daria aro. De início, nada do que ela propõe é definidor. Nada do que ela diz rompe a superfície. Marketing é, essencialmente, compreender o mercado e tornar eficiente e mutuamente lucrativa a relação entre a oferta de uma companhia e a demanda dos consumidores. O resto são coquetéis e happy hours. Quem precisa do marketing para atendê-los?

Diagnosticando o quadro de astigmatismo, impõe-se uma pergunta: por que viemos a enxergar o marketing no Brasil dessa forma equivocada? Há duas explicações cabíveis. A primeira é que os empresários nacionais, há 20 ou 30 anos, tornaram o novo conceito de pela sua aparência. Reduziram-no (se é que o chegaram a compreender de fato), esvaziando-o à medida que o adotavam. Dessa forma, puderam se dizer a par com as últimas tendências internacionais (nosso flair global costuma ser frívolo; nosso espírito, colonial), sem precisarem operar as inflexões de gerenciamento que a lógica de marketing imporia a seus negócios, O resultado foi uma adaptação do conceito de marketing ao mercado brasileiro, ambiente em que o cliente é tradicionalmente um insignificante. Importou-se o verniz do marketing mas teve-se o cuidado de deixar de fora sua medula. Cristalizou-se, com os anos, a compreensão do marketing pela perfumaria que a ele se assacou.

O outro suporte para o astigmatismo que olhamos o marketing é a época mesmo em que vivemos. Esse final de século tem sido um tanto filistino. Vivemos uma era em que a aparência é tudo. Antes de ser, o sujeito precisa parecer que é. Um profissional é muito mais o que ele jacta, do aquilo que ele realmente acrescenta, pensa ou faz (por isso há tantos politiqueiros bem-sucedidos n mundo corporativo brasileiro. Gente que não produz nada, não agrega valor algum ao negócio, mas que tem a epiderme bem trabalhada, o sorriso adequado, a pose certa).

Na medida em que o marketing é visto como a disciplina do superficial, do brilho fácil, do embuste recheado de charme, ele se torna a disciplina do nosso tempo. E chegamos à contradição suprema de um consumidor insatisfeito enunciar “isso é puro marketing”,

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