Etia Amor Sem Escalas

Amor sem escalas, é o título meio ridículo em português para um filme com direção de Jason Reitman, protagonizado por George Clooney e Vera Farmiga, que assisti outro dia pelo DVD. Vale um comentário.

O filme é baseado num romance de Walter Kirn, de 2001, mas funciona como um perfeito retrato da atual crise norte-americana.

Um certo Ryan Bingham trabalha para uma empresa que presta serviços terceirizados de demissão de funcionários, o que o faz viajar de ponta a ponta dos Estados Unidos, demitindo trabalhadores das mais diversas firmas. Ryan é um produto perfeito do capitalismo pós-moderno. Toda sua rotina se estrutura sobre a inexistência de vínculos. A impessoalidade dos aeroportos, aviões, cadeias de hotéis e redes de locadoras de carros tornou-se a sua morada. Seu próprio apartamento, alugado, vive fechado e Ryan é invadido por forte ansiedade quando se vê obrigado a passar uns poucos dias lá. Toda a sua vida carrega em uma pequena maleta de mão, que não precisa, evidentemente, ser despachada no chek-in. Funcionalidade é o seu lema. A única coisa que o motiva é a perspectiva de alcançar 10 milhões de milhas acumuladas em um programa de milhagens, façanha realizada por apenas um seleto punhado de pessoas antes dele e por meio da qual ele espera ter acesso a um universo de privilégios. É um mundo superficial, tão dinâmico e desenraizado que se torna estático.

Este estado é, então, posto em cheque por duas mulheres: Alex, uma versão de saias do próprio Ryan, e Natalie, uma funcionária novata da empresa onde trabalha. Pela primeira, Ryan se apaixona. Os dois vivem um estranho relacionamento à distância, encontrando-se em aeroportos, trocando mensagens de blackbery o tempo todo. É a proximidade do casamento de uma irmã que o faz entrar em crise com seu modelo desapegado de vida e desejar a impossibilidade de estar mais próximo de Alex, assumindo com ela um relacionamento "real", que teria um lar por horizonte.

Enquanto isso, Natalie provoca uma revolução no escritório ao propor que os consultores façam as demissões pela Internet. A empresa na qual Ryan trabalha está vivendo um boom de demandas, pois nunca, em função da crise, se demitiu tanto nos Estados Unidos. Mas a perspectiva de redução de custos operacionais, evitando o deslocamento físico dos consultores, seduz o chefe de Ryan, cujo mundinho, aí, desmorona. Ryan, de uma hora para a outra, sente-se obsoleto, vê-se na posição das milhares de pessoas que precisava demitir e a impessoalidade ainda maior da demissão por vídeo-conferência pela Internet impacta-o como um verdadeiro choque ético.

Assim, num mundo onde as pessoas pareciam ter introjetado completamente as regras de mercado, tornando-se indivíduos sem gravidade, e onde os referencias humanistas pareciam estar em total estado de suspensão, Ryan converte-se numa reserva ética, advogando pela não aceitação do novo modelo. Uma tragédia envolvendo uma das pessoas demitidas o ajudará a restaurar o seu mundinho. Mas, ao consegui-lo, sente-se vazio como nunca. O prazer da superficialidade o abandonou depois de sua convivência com Natalie e Alex.

A história é uma metáfora da desumanização da vida contemporânea pela imposição do mercado global e financeiro sobre todas as normas. É um mergulho no universo superficial,