Análise de uma perícope de Gn 35,21-22a
Por: DVI19 • 22/3/2017 • Artigo • 1.736 Palavras (7 Páginas) • 575 Visualizações
ANÁLISE EXEGÉTICA DA PERÍCOPE EM GÊNESIS 35,21-22ª
Davi Freire Silva Duarte
- Delimitação externa da perícope
Esta perícope de Gn 35, 21-22a faz parte de um bloco de migrações de Jacó, que começa em Genesis 35,1 com a ordem de Deus de que subisse a Betel (“Deus disse a Jacó: ‘levanta-te! Sobe a Betel e fixa-te ali.’”), e termina no versículo 29 do mesmo capítulo com Jacó estabelecido em Manre, onde com seu irmão Esaú sepulta seu pai Isaac.
Gn 35, 21-22a trata do incesto e adultério cometido por Ruben (primogênito de Jacó) e Bala (concubina de seu pai, mãe de seus irmãos Dã e Neftali Gn 30,3-8), que vem a ser descoberto por Jacó.
Esta perícope é antecedida por outra, que trata do nascimento de Benjamim e morte de Raquel, que se dá no caminho após a partida de Betel, bem como todo o desenrolar dos acontecimentos relativos ao sepultamento (Gn 35,16-20). No versículo 20 é feito o encerramento da perícope, pois encontramos nele uma ação terminal com a referência de que a estela do túmulo de Raquel existe até os dias de hoje. Fica claro uma mudança de assunto com relação ao texto que sucede.
Outro demarcador da passagem de uma pericope a outra é o tempo, pois no versículo 21 existe uma mudança de tempo e espaço, já que a perícope analisada ocorre em outro local (Magdol-Éder, torre do rebanho), bem como, o texto parece transparecer uma passagem de tempo desde a chegada a Magdol-Éder até a descoberta da traição por Jacó (“enquanto Israel habitava naquela região...”Gn 35, 22).
Por fim, a perícope se encerra no versículo 22a porque há uma mudança brusca de assunto que passa a ser sobre a descendência de Jacó, isto já no versículo 22b (“Os filhos de Jacó foram em número de doze.”).
- Estabelecimento do texto
Para uma melhor análise da perícope, segue três traduções da mesma para uma possível comparação entre elas:
Bíblia de Jerusalém:
21 Israel partiu e plantou sua tenda além de Magdol-Éder.22a Enquanto Israel habitava naquela região, Rúben foi dormir com Bala, a concubina de seu pai, e Israel o soube.
RA (Almeida Revisada)
21 Então, partiu Israel e armou a sua tenda alem da torre de Éder. 22a E aconteceu que, habitando Israel naquela terra, foi Rúben e se deitou com Bila, concubina de seu pai; e Israel o soube.
NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
21 Depois Jacó saiu dali e armou o seu acampamento do outro lado da torre de Éder. 22a Um dia, quando Jacó estava morando naquele lugar, o seu filho Rúben teve relações com Bila, que era concubina de Jacó. Quando ele soube disso ficou furioso.
As três traduções não apresentam diferenças significativas com relação ao fato, apenas a tradução NTLH afirma que “Jacó ficou furioso ao saber do ocorrido”, mas não menciona nenhuma punição ou algo a mais que possa identificar uma atitude de Jacó frente ao ocorrido.
- Análise literária do conteúdo
O texto não possui uma coesão no sentido de elucidação dos acontecimentos. No versículo 21 é apresentada a localização onde Jacó fincou moradia. No versículo 22a é descrito o incesto ocorrido, porém não há uma conclusão clara sobre as reações dos personagens envolvidos nem a consequência do fato, limitando-se somente a referência da descoberta por Jacó. A tradução NTLH, traz a informação de que ele ficou furioso ao saber do ocorrido. Tem-se a impressão de uma história interrompida ou de falta de informações por parte do redator. Westermann afirma que o versículo 22a é um fragmento, já que desta narrativa preservou-se apenas o começo. Este versículo deixa transparecer que a narrativa tratou da transgressão e da sanção; mas nelas o texto é interrompido. No dito de Rúbem em 49, 3-4, esse ato serve para fundamentar a suspensão do direito de primogenitura de Rúbem. (pg. 293)
Assim, na pericope, percebe-se como que uma quebra no texto, porque existe um começo, talvez um meio, porém deixa dúvidas quanto ao final.
No concernente a narrativa, a perícope possui um estilo narrativo, já que apresenta o lugar onde se dá o fato, os nomes dos principais personagens envolvidos, bem como certa descrição do problema ocasionado, apesar de não elucida-lo.
A perícope se encontra no livro dos Gênesis que é o primeiro livro da obra intitulada de Pentateuco. De acordo com o significado etimológico da palavra, (gêneses) significa origem, começo. Assim, este livro procura tratar sobre a criação do mundo como um todo e principalmente a afirmação de Israel como nação a partir da promessa de Deus a Abraão, ou seja, procura contar as origens de Israel. Sicre faz a seguinte subdivisão do livro do gênesis:
- História das origens (Gn 1-11): fala da origem do mundo e da humanidade. Situando inicialmente no paraíso, em seguida é permeada pelo clima do pecado, que segue uma série de injustiças e crimes que acabam provocando o dilúvio. Nem o dilúvio adianta a humanidade, pois comete um novo pecado de orgulho –torre de Babel- e é dispersada por toda a terra. Mas Deus responde a cadeia continua do mal com a vocação de Abraão, começo de salvação da humanidade.
- História dos patriarcas (Gn 12-50) as tradições de Abraão, Isaac e Jacó. Andanças e aventuras de pequenos pastores, sustentados por uma dupla promessa de Deus: descendência numerosa e terra. Que termina com o povo no Egito.
A perícope analisada encontra-se inserida nesse segundo bloco, cuja ideia principal do capítulo (35) diz respeito a um período de peregrinações de Jacó com sua família, bem como das bênçãos que recebeu de Deus em Betel, quando seu nome foi mudado para Israel (35,9) e obteve a promessa de que reis e nações sairiam dele, como também da posse da terra, que dera a Abraão e Isaac, ser sua e de sua descendência (35,11-12).
Nesse contexto de providência divina ocorre a traição de seu filho primogênito e sua concubina, o que na leitura da perícope parece ter ficado sem um desfecho. Contudo, encontramos outra referência ao fato ocorrido na leitura de Gênesis 49,3-4, já no momento próximo da morte de Jacó, quando ele reúne seus filhos para lhes distribuir sua benção. Jacó não deixa o pecado do filho oculto, ele fala aos filhos o acontecido, e por isso, não o deixou sem a devida responsabilização do ocorrido. No leito de morte, quando foi abençoar os filhos, Jacó os chamou um a um. Rúben deveria ser o principal abençoado, já que era o primogênito, mas Jacó lembrou-se do pecado dele (deitar-se com Bala) e não lhe deu a bênção.
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