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Leonor De Mendonça

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Por:   •  27/5/2014  •  Tese  •  6.962 Palavras (28 Páginas)  •  204 Visualizações

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LEONOR DE MENDONÇA

Drama em três atos e cinco quadros.

AO SEU BOM AMIGO

O DR. JOSÉ HERMENEGILDO XAVIER DE MORAES

oferece este trabalho

O AUTOR

PRÓLOGO

Contentar a todos ninguém o alcançou, muitos se

contentaram com aprazer a muitos. O autor tomará

por grande honra satisfazer a poucos.

Prol. da Com. de Bristo.

1 - Idéias e fatos há que diariamente nos passam por diante dos olhos sem que nunca atentemos neles; nós os reputamos coisa corrente e sabida por todos, que por vulgar não nos pode parecer sublime. Mas sobre essa idéia ou fato, que em a nossa memória entesouramos como substância de flores em favo de abelhas, a reflexão trabalha sem descanso, desbasta-o, e tanto se exercita sobre ele, que depois estranhamos de o ver brilhante, belo e muito outro do que a princípio se nos antolhara.

2 - Parece-nos de então que o devemos pesar e meditar com a nossa inteligência, e ver depois as cores que nele mais sobressaem, e as roupagens que melhor se ajeitam às suas formas. A imaginação se incumbe deste trabalho, e desde esse instante está criada a obra artística ou literária: - edifício ou sinfonia; estátua ou pintura; romance, ode, drama ou poema; boa ou má; perfeita ou imperfeita -, o fato é que ela existe. Seja embora feia e falta de proporções, será como uma criatura imperfeita, como um aborto monstruoso, como uma anomalia mas existirá sempre.

3 - Há, porém, entre a obra delineada e a obra já feita, um vasto abismo que os críticos não podem ver, e que os mesmos autores dificilmente podem sondar: há entre elas a distância que vai do ar a um sólido, do espírito à matéria. A imaginação tem cores que se não desenham; a alma tem sentimentos que se não exprimem; o coração tem dores superiores a toda a expressão. É por isto que aos homens de imaginação, que não são autores, pode facilmente parecer que eles comporiam melhor tal obra do que ta1 mestre, que desenvolveriam tal assunto ou que pintariam tal paixão melhor do que os outros, aliás grandes, o têm feito. E é a razão por que eles comparam o fogo do seu coração, a viveza da sua imaginação, a profundeza do seu sentimento (essências d'alma) com as expressões de um autor, com palavras que, por escolhidas e delicadas que sejam, têm sempre um - quê - de material.

4 - É ainda por isto que eu, inimigo de quanto é ou me parece prólogo, nem só os escrevo, como também os leio com prazer, quando eles são feitos, não com o fim inútil de encarecer o merecimento de uma obra que já pertence à crítica e ao público, mas para que o autor nos revele qual foi o seu pensamento, qual a sua intenção, o que pertence exclusivamente ao autor e à arte: ao autor, para que o público se não deixe dominar por juizes ou mal-entendidos ou mal-intencionados; à arte, para que os principiantes em tal carleira não desacoroçoem com os seus ensaios, sem dúvida imperfeitos, e não dêem de mão às belas-letras pela desproporção que de necessidade acharão entre o seu pensamento e a sua expressão.

5 - Direi pois, não o que fiz, mas o que prometi fazer.

6 - A ação do drama é a morte de Leonor de Mendonça por seu marido: dizem os escritores do tempo que D. Jaime, induzido por falsas aparências, matou sua mulher; dizem-no, porém, de tal maneira, que facilmente podemos conjecturar que não foram tão falsas as aparências como eles no-las indicam. O autor podia então escolher a verdade moral ou a verdade histórica - Leonor de Mendonça culpada e condenada, ou Leonor de Mendonça inocente e assassinada -.Certo que a primeira oferecia mais interesse para a cena e mais moral para o drama; a paixão deveria então ser forte, tempestuosa e frenética, porque fora do dever não há limite nas ações dos homens: haveria cansaço e abatimento no amor e reações violentas para o crime, haveria uma luta tenaz e contínua entre os sentimentos da mulher e os da esposa entre a mãe e a amante, entre o dever e a paixão: no fim estaria o remorso e o castigo, e neles a moral. Há nisto matéria para mais de um bom drama.

7 - Leonor de Mendonça, inocente e castigada, será infeliz, desesperada ou resignada. Ora, o remorso é mais instrutivo do que o desespero e do que a resignação, como o crime é mais dramático do que a virtude: pena é que assim seja, mas assim é. Se em prova disto me fosse preciso trazer algum exemplo, eu citaria o Faliero de Byron e o Faliero de Delavigne.

8 - Por que então segui o pior? É porque tenho para mim que toda a obra artística ou literária deve conter um pensamento severo: debaixo das flores da poesia deve esconder-se uma verdade incisiva e áspera, como diz Victor Hugo - em cada mulher formosa há sempre um esqueleto.

9 - Foi este o pensamento - a fatalidade. Não aquela fatalidade implacável que perseguiu a família dos Atridas, nem aquela outra cega e terrível que Werner descreve no seu drama "Vinte e Quatro de Fevereiro". É a fatalidade cá da terra a que eu quis descrever, aquela fatalidade que nada tem de Deus e tudo dos homens, que é filha das circunstâncias e que dimana toda dos nossos hábitos e da nossa civilização; aquela fatalidade, enfim, que faz com que um homem pratique tal crime porque vive em tal tempo, nestas ou naquelas circunstâncias.

10 - Repito: não analiso o que fiz, digo apenas o que era meu desejo fazer.

11 - Leonor de Mendonça não tem nem um só crime, nem um só vício; tem só defeitos. D. Jaime não tem nem crimes nem vícios; tem também, e somente, defeitos. Os defeitos da duquesa são filhos da virtude; os do duque são filhos da desgraça: a virtude que é santa, a desgraça que é veneranda. Ora, como o que liga os homens entre si não é, em geral, nem o exercício nem o sentimento da virtude, mas sim a correlação dos defeitos, a duquesa e o duque não se poderiam amar porque eram os seus defeitos de diferente natureza. Quando algum dia a luta se travasse entre ambos, o mais forte espedaçaria o mais fraco; e assim foi.

12 - Há aí também outro pensamento sobre que tanto se tem falado e nada feito, e vem a ser a eterna sujeição das mulheres, o eterno domínio dos homens. Se não obrigassem D. Jaime a casar contra a sua vontade, não haveria o casamento, nem a luta, nem o crime. Aqui está a fatalidade, que é filha dos nossos hábitos. Se a mulher não fosse escrava, como é de fato, D. Jaime não mataria sua mulher. Houve nessa morte

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