A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO AUTORAL NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF: O ENSAIO COMO FORMA LITERÁRIA E ESTRATÉGIA DE EMPODERAMENTO DA AUTORIA FEMININA
Por: AsenatiMelo • 13/4/2016 • Artigo • 3.489 Palavras (14 Páginas) • 572 Visualizações
A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO AUTORAL NAS OBRAS DE VIRGINIA WOOLF: O ENSAIO COMO FORMA LITERÁRIA E ESTRATÉGIA DE EMPODERAMENTO DA AUTORIA FEMININA.
Asenati Araújo de Melo (UNEB) [1]
Juliana C. Salvadori (UNEB) [2]
Mesmo uma mulher com um grande pendor para a literatura fora levada a crer que escrever um livro significava ser ridícula, e até mesmo mostrar-se perturbada. (Woolf, 1922 p. 80)
1 Introdução
A proposta desse trabalho é observar como Virginia Woolf (VW), escritora inglesa modernista, busca em seus ensaios, mais especificamente em Um teto todo seu, construir um feminino autoral em meio as constrições de sua época, colocando em xeque as fronteiras entre escrita e a leitura, o literário e a crítica.
A representação do feminino pela/na literatura tem sido tema de múltiplas discussões da crítica e da teoria literária e feminista, como também da própria literatura, pautada pelos aportes teóricos que os estudos culturais e pós-coloniais têm trazido à baila desde a década de 1960. Nesta linha, busca-se compreender como a literatura tem tanto refletido quanto moldado um feminino idealizado, isto é constituído a mulher como indivíduo a partir do século XIX, assim como suas funções/ papeis, como leitora e escritora, entre outros, para a construção de uma identidade própria, sujeito social, político e simbólico (literário). Deste modo, busca-se mapear as representações de feminino e sua relação com os papeis de leitura e escritora que VW tece em seus ensaios, particularmente, assim como a repercussão disto nas representações que seus leitores constroem sobre a obra da escritora.
É com base nessa representação e recepção contemporânea de Virginia Woolf que essa pesquisa irá se desenvolver, focalizando no diálogo que a autora estabelece entre escritor (a) /leitor (a); mais especificamente em seus ensaios, os quais centram-se na representação da mulher e a posição das mesmas como artistas dentro de uma sociedade patriarcal. Neste jogo de espelhamentos – literatura que reflete/representa/molda a vida que reflete/representa/molda a arte, busca-se compreender como a escritora constrói sua identidade como autora a partir de sua experiência como leitora. Dito de outro modo, busca-se compreender como Virginia Woolf, "constrói” esse feminino autoral colocando em xeque a escrita e a leitura, o literário e a crítica. O corpus selecionado será Um teto todo seu, dentre o qual, a autora, oferece minibiografias de autoras e personagens mulher.
2 Tradição literária e a autoria feminina
A produção literária encontra-se inerentemente interligada a condição de gênero: assim como Natalia Helena Wiechmann, em seu artigo sobre A crítica literária feminista e a autoria feminina, podemos afirmar que a escrita é um ato criador e criativo. Para explicar essa relação entre criador e gênero observaremos que a análise da tradição literária dar-se-á a partir da paridade entre a autoria e a paternidade. Bailando através da cultura Ocidental, podemos observar o estabelecimento de uma hierarquia entre os gêneros -Deus representação masculina, cria o homem e tudo que existe no cosmo; da criação do homem Ele concebe a mulher. Trazendo essa analogia para a criação literária, Gilbert e Gubar (1984), citados por Wiechmann em seu trabalho, destacam que:
Na cultura patriarcal ocidental, por conseqüência, o autor do texto é um pai, um progenitor, um patriarca estético cuja pena é um instrumento de poder generativo como seu pênis. Além do mais, o poder de sua pena, como o poder de seu pênis, não é apenas a capacidade de gerar a vida, mas o poder de criar uma posteridade […]. (GILBERT; GUBAR apud WIECHMANN, p.6) (Tradução minha)[3]
Gilbert e Gubar ressaltam que a caneta, o instrumento associado à produção literária, pode ser vista como a representação do falo. Dito isso, observamos que, partindo do ponto de vista Criador, o poder criador através do intelecto faz parte da capacidade masculina, relacionando a capacidade criadora feminina apenas a geração por meio do histero – o útero, poder gerador/criador inferior ao intelectual porque físico. É válido ressaltar que até o século XIX as mulheres pouco escreviam - ou pouco circulava sua produção – pelo fato da escrita ser considerada como prática intelectual superior. Assim, o empoderamento autoral é restrito ao homem, excluindo a mulher da possibilidade de criação artística e reduzindo-a a sua capacidade a geração da vida por intermédio do útero: o poder criativo do papel/ escrita é do homem. Essa identificação da mulher à maternidade é geralmente figurada na imagem da mulher anjo/ Madonna. Essa representação angelical é retomada por Virginia Woolf em Um teto todo seu (1990) publicado como A Room of One’s own em 1929, na qual define a mulher de sua época como “subjugada” ao título “anjo do lar”, bem como a retratação do desejo de superioridade masculino no que diz respeito ao Criador e o Criativo:
[...] É bastante evidente que, mesmo no século XIX, a mulher não era incentivada a ser artista. Pelo contrário, era tratada com arrogância, esbofeteada, submetida a sermões e admoestada. Sua mente deve ter sofrido tensões, e sua vitalidade foi reduzida pela necessidade de opor-se a isso, de desmentir aquilo. Pois aí, mais uma vez, entramos no âmbito daquele complexo masculino muito interessante e obscuro que teve tanta influência no movimento feminista, daquele desejo arraigado não tanto de que ela seja inferior, mas de que ele seja superior [...] (WOOLF,1990 p. 68).
Dessa forma, podemos observar que, para a mulher ser artista, mais especificamente escritora até o século XIX, seria necessário que as mesmas escapassem de tais representações, e superassem a ideia patriarcal sobre criação e superioridades masculinas, pois, como afirma Woolf,[...] “Mas é óbvio que os valores das mulheres diferem, com freqüência, dos que foram estabelecidos pelo outro sexo; isso decerto acontece. E, no entanto, são os valores masculinos que prevalecem. ” (1990 p. 91)
3 O Ensaio de Woolf e o feminino autoral
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