Dogma E Ritual De Alta Magia
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Dogma e Ritual de Alta Magia
Volume 1
Introdução
Através do véu de todas as alegorias hieráticas e místicas dos antigos dogmas, através das trevas e provas bizarras de todas as iniciações, sob o selo de todas as escrituras sagradas, nas ruínas de Nínive ou Tebas, sobre as pedras carcomidas dos antigos templos e a face escurecida das esfinges da Assíria e do Egito, nas pinturas monstruosas ou maravilhosas que produzem para o crente da Índia e as páginas sagradas dos Vedas, nos emblemas estranhos dos nossos velhos livros de alquimia, nas cerimônias de recepção praticadas por todas as sociedades misteriosas, encontram-se os traços de uma doutrina em toda parte a mesma e em toda parte escondida cuidadosamente. A filosofia oculta parece ter sido a nutriz ou matriz de todas as forças intelectuais, a chave de todas as obscuridades divinas, e a rainha absoluta da sociedade, nos tempos em que era exclusivamente reservada à educação dos padres e dos reis.
Ela reinava na Pérsia com os magos, que um dia pereceram como perecem os senhores do mundo, por terem abusado do seu poder; ela dotara a Índia das tradições mais maravilhosas e de um incrível luxo de poesia, graça e terror nos seus emblemas; ela civilizara a Grécia aos sons da lira de Orfeu; ela escondia o princípio de todas as ciências e de todos os progressos do espírito humano nos cálculos audaciosos de Pitágoras; a fábula estava cheia dos seus milagres, e a história, quando procurava ajuizar sobre esta potência incógnita, se confundia com a fábula; ela abalava ou fortalecia os impérios pelos seus oráculos, fazia empalidecerem os tiranos nos seus tronos e dominava todos os espíritos pela curiosidade ou pelo temor. A esta ciência, dizia a multidão, nada é impossível; ela manda nos elementos, sabe a linguagem dos astros e dirige a marcha das estrelas; a lua, à sua vez cai ensangüentada do céu; os mortos se endireitam no seu túmulo e articulam com palavras fatais o sopro do vento noturno que sibila nos seus crânios. Senhora do amor ou do ódio, a ciência pode dar à vontade, aos corações humanos, o paraíso ou o inferno; ela dispõe à vontade de todas as forças e distribui a seu bel-prazer a beleza ou a fealdade; ela muda, com a varinha de Circe, os homens em brutos e os animais em homens; ela dispõe até da vida ou da morte, e pode conferir aos seus adeptos a riqueza pela quintessência e seu elixir composto de ouro e luz. Eis o que fora a magia desde Zoroastro até Manes, desde Orfeu até Apolônio Thyana, quando o cristianismo positivo, triunfando enfim dos belos sonhos e das gigantescas aspirações da escola de Alexandria, ousou fulminar publicamente com seus anátemas esta filosofia, e a reduziu, assim, a ser mais oculta e mais misteriosa que nunca. Aliás, corriam, a respeito dos iniciados ou adeptos, murmúrios estranhos e alarmantes; estes homens em toda parte estavam rodeados de uma influência fatal: matavam ou faziam enlouquecer os que se deixavam arrastar pela sua melíflua eloqüência ou pelo prestígio do seu saber. As mulheres quem amavam tornaram-se estriges, os seus filhos desapareciam nos seus conventículos noturnos, e com estremecimento se falava, em voz baixa, de sangrentas orgias e abomináveis festins. Tinham sido encontrados ossos nos subterrâneos dos antigos templos, uivos tinham sido ouvidos durante a noite; as searas definhavam e os rebanhos ficavam lânguidos quando o mago tinha passado. Doenças que desafiavam a arte da medicina apareceram, às vezes, no mundo, e era sempre, diziam, sob o olhar envenenado dos adeptos. Enfim, um grito universal de reprovação se elevou contra a magia, de que só o nome se tornou um crime, e o ódio do vulgo se formulou por esta sentença: "Os magos ao Fogo!”, como disseram séculos antes: “Os cristãos aos leões!”
Ora, a multidão nunca conspira senão contra as potências reais; ela não tem a ciência do que é a verdade, mas tem o instinto do que é forte.
Estava reservado ao século XVIII rir-se ao mesmo tempo dos cristãos e da magia, preocupando-se com as homilias de Jean-Jacques e os prestígios de Cagliostro.
Todavia, no fundo da magia há a ciência, como no fundo do cristianismo há o amor; e, nos símbolos evangélicos, vemos o Verbo encarnado ser, na sua infância, adorado por três magos que uma estrela guia (o ternário e o signo do microcosmo), e recebe deles o ouro, o incenso e a mirra: outro ternário misterioso, sob cujo emblema estão contidos alegoricamente os mais elevados segredos da Cabala.
O cristianismo não devia, pois, dedicar ódio à magia; mas a ignorância humana sempre tem medo do desconhecido. A ciência foi obrigada a ocultar-se para escapar às agressões apaixonadas de um amor cego; ela se envolveu em novos hieróglifos, dissimulou seus esforços, disfarçou suas esperanças. Então foi criada a algaravia da alquimia, contínua decepção para o vulgo, alteração de ouro e linguagem viva somente para os verdadeiros discípulos de Hermes.
Coisa singular! Existe entre os livros sagrados dos cristãos, duas obras que a Igreja infalível não tem a pretensão de compreender e nunca tenta explicar: a profecia de Ezequiel e o Apocalipse; duas clavículas cabalísticas, reservadas, sem dúvida, no céu aos comentários dos reis magos; livros fechados com sete selos para os crentes fiéis, e perfeitamente claros para o infiel iniciado nas ciências ocultas.
Um outro livro existe ainda; mas esse, ainda que, de algum modo, seja popular e que possa ser encontrado em toda parte, é o mais oculto e o mais desconhecido de todos, porque contém a chave de todos os outros; está na publicidade sem ser conhecido pelo público; não se pensa encontrá-lo onde está e perderiam muito tempo em procurá-lo onde não está, se desconfiassem da sua existência. Este livro, talvez mais antigo que o de Enoque, nunca foi traduzido, e é inteiramente escrito em caracteres primitivos e em páginas separadas com as tabuletas dos antigos. Um sábio distinto revelou, sem que o tenham notado, não precisamente seu segredo, mas a sua antiguidade e singular conservação; um outro sábio, porém de espírito mais fantástico do que judicioso, passou trinta anos a estudar esse livro, e somente suspeitou da sua importância. É, com efeito, uma obra monumental e singular, simples e forte como as pirâmides, e, por conseguinte, duradoura como elas; livro que resume todas as ciências e cujas combinações infinitas podem resolver todos os problemas; livro que fala fazendo pensar; inspirador e regulador de todas as concepções possíveis; talvez a obra-prima do espírito humano e, certamente, uma das mais belas coisas que a antiguidade nos deixou; clavículas universais, cujo nome só foi compreendido e explicado pelo sábio iluminado Guilherme Postello; texto único, do qual somente os primeiros caracteres arrebataram o espírito religioso de Saint-Martin e teriam dado a razão ao sublime e infeliz Swedenborg. Mais tarde falaremos desse livro, e a sua explicação matemática e rigorosa será o complemento e a coroa do nosso consciencioso trabalho.
A aliança original do cristianismo e da ciência dos magos se for bem demonstrada, não será uma descoberta de medíocre importância, e não duvidamos que o resultado de um estudo sério da magia e da Cabala leve os espíritos sérios à conciliação, considerada até agora como impossível, da ciência e do dogma, da razão e da fé.
Dissemos que a Igreja, cujo atributo principal é ser depositária das chaves, não pretende ter as do Apocalipse ou das visões de Ezequiel. Para os cristãos e na sua opinião, as clavículas científicas e mágicas de Salomão estão perdidas. Todavia, é certo que, no domínio da inteligência governada pelo Verbo, nada se perde do que é escrito. Somente as coisas que os homens cessam de entender não existem mais para eles, ao menos como verbo; elas entram, então, no domínio dos enigmas e do mistério.
Aliás, a antipatia e até a guerra declarada da Igreja oficial contra tudo o que entra no domínio da magia, que é uma espécie de sacerdócio pessoal e emancipado, provêm de causas necessárias e até inerentes à constituição social e hierárquica do sacerdócio cristão. A Igreja ignora a magia, porque deve ignorá-la ou perecer, como nós o provaremos mais tarde; ela nem ao menos reconhece que o seu misterioso fundador foi saudado no seu berço por três magos, isto é, pelos embaixadores hieráticos das três partes do mundo conhecido, e dos três mundos analógicos da filosofia oculta.
Na Escola de Alexandria, a magia e o cristianismo quase que se dão a mão, sob os auspícios de Ammonio Saccas e Platão. O dogma de Hermes se acha quase inteiro nos escritos atribuídos a Diniz, o Areopagita. Sinésio traça o plano de um tratado dos sonhos, que mais tarde, devia ser comentado por Cardan, e compõe hinos que poderiam servir à liturgia da igreja de Swedenborg, se uma igreja de iluminados pudesse ter uma liturgia. É também a esta época de abstrações ardentes e logomaquias apaixonadas que é preciso reatar o reino filosófico de Juliano, denominado o Apóstata, porque na mocidade fizera contra a vontade, profissão do Cristianismo. Todos sabem que Juliano teve a desdita de ser um herói de Plutarco fora de tempo, e foi, se é permitido falar assim, o Dom Quixote da cavalaria romana; mas o que todos não sabem é que Juliano era um iluminado e um iniciado de primeira ordem; é que ele acreditava na unidade de Deus e no dogma universal da Trindade; numa palavra, é que ele, de nada mais do velho mundo tinha saudade, a não ser dos seus magníficos símbolos e das suas muito graciosas imagens. Juliano não era um pagão, era um gnóstico imbuído de alegorias do politeísmo grego e que tinha a infelicidade de achar o nome de Jesus Cristo menos sonoro que o de Orfeu. Nele, o imperador pagou pelos gostos do filósofo e do retórico, e depois que deu a si próprio o espetáculo e o prazer de expirar como Epaminondas, com frases de Catão, teve, na opinião pública, já inteiramente cristã, anátemas por oração fúnebre e um epíteto infamante por última celebridade.
Passemos por cima das pequenas coisas e dos pequenos homens do Baixo Império e chegamos à Idade Média... Tomai, pegai este livro: lede na sétima página, depois assentai-vos no manto que vou estender e de que poremos uma ponta sobre os nossos olhos... A vossa cabeça gira, não é verdade, e vos parece que a terra foge debaixo de vossos pés? Ficai forme e não olheis. A vertigem cessa; chegamos. Levantai-vos e abri os olhos, mas deixai de fazer qualquer sinal e de falar qualquer palavra de cristianismo. Estamos numa paisagem de Salvator Rosa. É um deserto atormentado que parece repousar depois da tempestade. A lua não aparece mais no céu; não vedes, porém, as estrelas dançarem no tojal? Não ouvis voarem, ao redor de vós, pássaros gigantescos que, ao passar, parecem murmurar palavras estranhas? Aproximemo-nos em silêncio desta encruzilhada nos rochedos. Uma rouca e fúnebre trombeta se faz ouvir; tochas pretas estão acesas em todos os lados. Uma assembléia tumultuosa se aperta ao redor de uma cadeira vazia; olham e esperam. Imediatamente, todos se prosternam e murmuram: “Ei-lo! ei-lo! é ele!” Um príncipe de cabeça de bode chega, pulando; sobre o trono; volta-se e, abaixando-se, apresenta à assembléia uma figura humana a quem todos vêm, com uma vela preta na mão, fazer saudação e dar um beijo; depois ele se endireita com um riso estridente e distribui ouro, instruções secretas, medicinas ocultas e venenos. Durante este tempo são acesos fogos, o pau de aulno e feto são queimados juntos com ossos humanos e a banha de supliciados. Druidisas coroadas de aipo silvestre e verbena sacrificam com foicinhas de ouro crianças subtraídas ao batismo e preparam horríveis ágapes. As mesas estão postas: os homens mascarados se colocam ao lado das mulheres seminuas, e começa-se o festim das bacanais; nada falta, exceto o sal, que é o símbolo da sabedoria e da imortalidade. O vinho corre em borbotões, e deixa manchas semelhantes às do sangue; os propósitos obscenos e as loucas carícias começam; eis que toda a assembléia está cheia de vinho, crimes, luxúria e canções; levantam-se em desordem e correm a formar as rodas infernais... Chegam, então, todos os monstros da lenda, todos os fantasmas do pesadelo; enormes sapos embocam a flauta às avessas, e sopram apertando as coxas com os pés; escarabeus coxos entram na dança, caranguejos tocam castanholas; crocodilos fazem berimbaus das suas escamas, elefantes e mamutes chegam vestidos em forma de Cupido e levantam as pernas dançando. Depois, as rodas fora de si, se rompem e se dispersam... Cada dançador arrasta, uivando, uma dançadora desgrenhada... As lâmpadas e candeias de sebo humano se extinguem, esfumaçando na sombra ... Ouvem-se cá e acolá gritos, gargalhadas, blasfêmias e despropósitos... Vamos, acordai-vos e não façais o sinal da cruz: eu vos trouxe à vossa casa e estais no vosso leito. Estais um pouco fatigados, um pouco impressionado até, pela vossa viagem e vossa noite; mas vistes uma coisa de que todos falam sem conhecer; sois iniciado em segredos terríveis como os do antro de Trofônio: assististes do Sabbat! Resta-vos agora, não ficar louco, e manter-vos, num temor salutar da justiça, a uma distância respeitosa da Igreja e das suas fogueiras!
Quereis ver ainda alguma coisa menos fantástica, mais real e até verdadeiramente mais terrível? Eu vos farei assistir ao suplício de Jacques de Molay e dos seus cúmplices ou dos seus irmãos no martírio... Mas, não vos enganeis e não confundais o culpado com o inocente! Os templários adoram realmente Baphomet? Deram um beijo humilhante na face posterior do bode de Mendes? Qual era, pois, esta associação secreta e poderosa que pôs em perigo a Igreja e o Estado, e que matam sem ouvi-la? Nada julgueis levianamente: são culpados de um grande crime: deixaram os profanos verem o santuário da antiga iniciação; colheram ainda uma vez e repartiram entre si, para tornarem-se, assim, senhores do mundo, os frutos da ciência do bem e do mal. A sentença que os condena vem do mais alto que do próprio tribunal do papa ou de Rei Filipe, o Belo. “Desde o dia em que comeres deste fruto, serás ferido de morte”, tinha dito o próprio Deus, como veremos no livro do Gênese.
Que é que se passa, pois, no mundo, e por que os padres e reis tremeram? Que poder secreto ameaça as tiaras e coroas? Eis aqui alguns loucos que correm de país em país, e que escondem, dizem eles, a pedra filosofal sob os restos da sua miséria. Podem mudar a terra em ouro e falta-lhes asilo e pão! A sua fronte é cingida por uma auréola de glória e um reflexo de ignomínia! Um achou a ciência universal, e não sabe como morrer para escapar às torturas do seu triunfo: é o Majorcano Raimundo Lullo. Outro cura com remédios fantásticos as doenças imaginárias e dá adiantadamente um desmentido formal ao provérbio que estabelece a ineficácia de um cautério numa perna de pau: é o maravilhoso Paracelso, sempre bêbado e sempre lúcido como os heróis de Rabelais. Aqui, é Guilherme Postello, que escreveu ingenuamente aos padres do concílio de Trento, porque achou a doutrina absoluta, escondida desde o começo do mundo, e que ele demora em fazer-lhes participar. O concílio nem mesmo se inquieta do louco, não se digna condená-lo, e passa ao exame das graves questões da graça eficaz e da graça suficiente. Aquele que vemos morrer pobre e abandonado é Cornélio Agrippa, o menos mágico de todos, e aquele que o vulgo se obstina em tomar pelo mais feiticeiro, porque, às vezes, era satírico e mistificador. Que segredo, pois, todos estes homens levam ao seu túmulo? Por que os admiram, sem os conhecer? E por que são eles iniciados nessas terríveis ciências ocultas de que a Igreja e a sociedade têm medo? Por que sabem o que os outros homens ignoram? Por que dissimulam o que cada qual tem desejo ardente de saber?
Por que estão investidos de um terrível e desconhecido poder? As ciências ocultas! A magia!
Eis aí duas palavras que vos dizem tudo o que podem vos fazer pensar ainda mais! De omni re scibili et quibusdam aliis.
Que era, pois, a magia? Qual era, pois, o poder destes homens tão perseguidos e tão altivos? Por que, se eram tão fortes, não foram vencedores dos seus inimigos? Por que, se eram insensatos e fracos, lhes faziam a honra de os temer tanto? Existe uma magia, existe uma ciência oculta que seja verdadeiramente um poder e que opere prodígios capazes de fazer concorrência aos milagres das religiões autorizadas?
A estas duas perguntas principais responderemos com uma palavra e por um livro. O livro será a justificação da palavra, e esta palavra ei-la: sim, existiu e existe ainda uma magia poderosa e real; sim, tudo o que as lendas disseram era verdade; somente que aqui, e ao contrário do que de ordinário acontece, as exagerações populares não só estavam afastadas, como também abaixo da verdade.
Sim, existe um segredo formidável, cuja revelação já derrubou um mundo, como o atestam as tradições religiosas do Egito, resumidas simbolicamente por Moisés, no começo do Gênese. Este segredo constitui a ciência fatal do bem e do mal, e o seu resultado, quando é divulgado, é a morte. Moisés o representa sob a figura de uma árvore que está no centro do Paraíso terrestre, e que está perto, e até ligada pelas suas raízes à árvore da vida; os quatro rios misteriosos têm a sua fonte ao pé desta árvore, que é guardada pela espada de fogo e pelas quatro formas da esfinge bíblica, o Querubim de Ezequiel... Aqui devo parar; temo já ter falado demais.
Sim, existe um dogma único, universal e imperecível, forte como a razão humana, simples como tudo o que é grande, inteligível como tudo o que é universal e absolutamente verdadeiro, e este dogma foi o pai de todos os outros.
Sim, existe uma ciência que confere ao homem prerrogativas em aparência sobre-humanas; ei-las tal como as acho enumeradas num manuscrito hebreu do século XVI:
"Eis aqui, agora, quais são os privilégios e poderes daquele que tem na sua mão direita as clavículas de Salomão e na esquerda o ramo de amendoeira florida:”
א Aleph - Vê Deus face a face, sem morrer, e conversa familiarmente com o sete gênios que mandam em Toda a milícia celeste.
ב Beth - Está acima de todas as aflições e de todos os temores.
ג Ghimel - Reina com o céu inteiro e se faz servir por todo o inferno.
ד Daleth - Dispõe da sua saúde e da sua vida e pode também dispor das dos outros.
ה Hê - Não pode ser surpreendido pelo infortúnio, nem atormentado pelos desastres, nem vencido pelos inimigos.
ו Vav - Sabe a razão do passado, do presente e do futuro.
ז Zain - Tem o segredo da ressurreição dos mortos e a chave da imortalidade.
São estes os sete grandes privilégios. Eis os que seguem depois:
ח Cheth - Achar a pedra filosofal.
ט Teth - Ter a medicina universal.
י Iod - Conhecer as leis do movimento perpétuo e poder demonstrar a quadratura do círculo.
כ Caph - Mudar em ouro não só todos os metais, mas também a própria terra, e até as imundícies terra.
ל Lamed - Dominar os animais mais ferozes, e saber dizer palavras que adormecem e encantam serpentes.
מ Mem - Possuir a arte notória que dá a ciência universal.
נ Nun - Falar sabiamente sobre todas as coisas, sem preparação e sem estudo.
Eis aqui, enfim, os sete menores poderes do mago:
ס Samech - Conhecer à primeira vista e fundo da alma dos homens e os mistérios do coração das mulheres.
ע Hain - Forçar, quando lhe apraz, a natureza a manifestar-se.
פ Phe - Prever todos os acontecimentos futuros que não dependam em um livre-arbítrio superior ou de uma causa incompreensível.
צ Tsade - Dar de momento e a todos as consolações mais eficazes e os conselhos mais salutares.
ק Coph - Triunfar das adversidades.
ר Resch - Dominar o amor e o ódio.
ש Schin - Ter o segredo das riquezas, serem sempre seu senhor e nunca o escravo. Saber gozar mesmo da pobreza e jamais cair na abjeção nem na miséria.
ת Thau - Acrescentaremos a estes setenários, que o sábio governa os elementos, faz cessar as tempestades, cura os doentes, tocando-os, e ressuscita os mortos!
Mas há coisas que Salomão selou com o seu tríplice selo. Os iniciados sabem, basta. Quanto aos outros, que riam, creiam, duvidem, ameacem ou tenham medo, que importa à ciência e que nos importa?
Tais são, com efeito, os resultados da filosofia oculta, e estamos em condições de não temer uma acusação de loucura ou uma desconfiança de charlatanismo, afirmando que todos estes privilégios são reais. É o que o nosso trabalho inteiro sobre a filosofia oculta terá por fim demonstrar.
A pedra filosofal, a medicina universal, a transmutação dos metais, a quadratura do círculo e o segredo do movimento perpétuo, não são, pois, nem mistificações da ciência nem ilusões de loucura; são termos que se devem entender no seu verdadeiro sentido, e que exprimem os diferentes empregos de um mesmo segredo, os diferentes caracteres de uma mesma operação que definimos de um modo mais geral, chamando-a somente a grande obra.
Existe também, na natureza, uma força muito mais poderosa que o vapor, e por meio da qual um só homem que pudesse apoderar-se dela e soubesse dirigi-la, transformaria e mudaria a face do mundo. Esta força era conhecida pelos antigos; ela consiste num agente universal, cuja lei suprema é o equilíbrio e cuja direção está diretamente ligada com o grande arcano de magia transcendente. Pela direção deste agente pode-se mudar até a ordem das estações, produzir à noite os fenômenos do dia, corresponder num instante de uma extremidade à outra da Terra, ver como Apolônio o que se passa no outro lado do mundo, curar ou ferir a distância, dar à palavra sucesso e repercussão universais. Este agente que apenas se revela sob as pesquisas dos discípulos de Mesmer, é precisamente o que os adeptos da Idade Média chamavam a matéria-prima da grande obra. Os gnósticos faziam dele o corpo ígneo do Espírito Santo, e era ele que era adorado nos ritos do Sabbat ou do templo, sob a figura hieroglífica de Baphomet ou do bode Andrógino de Mendes. Tudo isto será demonstrado.
Tais são os segredos da filosofia oculta, tal nos aparece na história da magia; vejamo-la, agora, nos livros, nas obras, nas iniciações e nos ritos.
A chave de todas as alegorias mágicas se acha nas folhas que mencionamos, e que cremos ser obra de Hermes. Ao redor deste livro, que se pode chamar a chave de arco de todo o edifício das ciências ocultas, vem se ordenar inúmeras lendas que são ou a sua tradução parcial ou o seu comentário renovado incessantemente, sob mil formas diferentes. Às vezes, essas fábulas engenhosas se agrupam harmoniosamente e formam uma grande epopéia que caracteriza uma época, sem que a multidão possa explicar o como ou o porquê. É assim que a história fabulosa do Tosão de Ouro resume, ocultando-os, os dogmas herméticos e mágicos de Orfeu, e se só remontamos às poesias misteriosas da Grécia, é que os santuários do Egito e da Índia nos espantam de algum modo pelo seu luxo, e nos deixam embaraçados na escolha, no meio de tantas riquezas; depois nos faz tardar na chegada da Tebaida, esta admirável síntese de todo o dogma presente, passado e futuro, esta fábula, por assim dizer, infinita, que toca, como ao Deus de Orfeu, nas duas extremidades do ciclo da vida humana. Coisa estranha! As sete portas de Tebas, defendidas por sete chefes que juraram pelo sangue das vítimas, têm o mesmo sentido que os sete selos do livro sagrado explicado por sete gênios, e atacado por um monstro de sete cabeças, depois de ter sido aberto por um cordeiro vivente e imolado no livro alegórico de São João! A origem misteriosa de Édipo, que foi achado suspenso como um fruto ensangüentado numa árvore de Cytheron lembra os símbolos de Moisés e os contos do Gênese. Ele luta contra seu pai e o mata sem o conhecer: espantosa profecia da emancipação cega da razão sem a ciência; depois chega diante da esfinge! A esfinge, o símbolo dos símbolos, o enigma eterno do vulgo, o pedestal de granito da ciência dos Sábios, o monstro devorador e silencioso que exprime, pela sua forma invariável, o dogma único do grande mistério universal. Como o quaternário se muda em binário e se explica pelo ternário? Em outros termos mais enigmáticos e mais vulgares, qual é o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia, e três à tarde? Filosoficamente falando, como o dogma das forças elementares produz o dualismo de Zoroastro e se resume pela tríade de Pitágoras e Platão? Qual é a razão última das alegorias e dos números, a última palavra de todos os simbolismos?Édipo responde com uma palavra simples e terrível que mata a esfinge e vai fazer do adivinhador rei de Tebas; a palavra do enigma é o homem!... Infeliz, viu muito, porém não tão claro, e logo expiará a sua funesta e incompleta clarividência por uma cegueira voluntária, depois desaparecerá no meio de uma tempestade como todas as civilizações que adivinharam um dia, sem compreender todo o seu valor e todo o seu mistério, a palavra do enigma da esfinge. Tudo é simbólico e transcendental nesta gigantesca epopéia dos destinos humanos. Os dois irmãos inimigos exprimem a segunda parte do grande mistério completo divinamente pelo sacrifício de Antígona; depois da guerra, a última guerra, os irmãos inimigos mortos um pelo outro. Capaneu morto pelo raio que desafiava, Aphiraus devorado pela terra, são tantas alegorias que enchem de admiração, pela sua verdade e sua grandeza, os que penetram o seu tríplice sentido hierático. Ésquilo, comentado por Ballanche, dá uma bem fraca idéia delas, sejam quais forem as majestades primitivas da poesia de Ésquilo e o belo do livro de Ballanche.
O livro secreto da antiga iniciação não era ignorado por Homero, que traça o seu plano e as principais figuras no século de Aquiles, com minuciosa exatidão. Mas as graciosas ficções de Homero parecem fazer esquecer logo as simples e abstratas verdades da revelação primitiva. O homem prende-se à forma e deixa em esquecimento a idéia; os sinais, multiplicando-se, perdem o seu poder; a magia também, nesta época, se corrompe e vai descer, com os feiticeiros da Tessália, aos mais profanos encantamentos. O crime de Édipo trouxe seus frutos de morte, e a ciência do bem e do mal erige o mal em divindade sacrílega. Os homens, fatigados da luz, se refugiam na sombra da substância corpórea: o sonho do vácuo que Deus enche, logo lhes parece maior que o próprio Deus, e o inferno foi criado.
Quando, no curso desta obra, nós nos servimos das palavras consagradas Deus, Céu, Inferno, saiba-se bem, uma vez por todas, que nós nos afastamos tanto do sentido dado a essas palavras pelos profanos, como a iniciação está separada do pensamento vulgar. Deus, para nós, é o Azoth dos sábios, o princípio eficiente e final da grande obra. Explicaremos mais tarde o que estes termos têm de obscuros.
Voltemos à fábula de Édipo. O crime do rei de Tebas não é de ter compreendido a esfinge, é de ter destruído o flagelo de Tebas, sem ser assaz puro para completar a expiação em nome do seu povo; por isso, logo a peste vinga a morte da esfinge, e o rei de Tebas, forçado a abdicar, sacrifica-se aos manes terríveis do monstro, que está mais vivo e mais devorador do que nunca, agora que passou do domínio da forma ao da idéia. Édipo viu o que é o homem, e arranca os seus olhos para não ver o que é Deus. Divulgou a metade do grande arcano mágico, e para salvar seu povo, é preciso que leve consigo ao exílio e ao túmulo a outra metade do terrível segredo.
Depois da fábula colossal de Édipo, encontramos o gracioso poema de Psiquê, de que Apuleio certamente não é o inventor. O grande arcano mágico reaparece, aqui, sob a figura da união misteriosa entre um deus e uma fraca mortal abandonada, sozinha e nua, num rochedo. Psiquê deve ignorar o segredo da sua beleza ideal, e se olhar para o seu esposo, ela o perderá. Apuleio comenta e interpreta aqui as alegorias de Moisés; mas os Elohim de Israel e os deuses de Apuleio não saíram igualmente dos santuários de Mênfis e de Tebas? Psiquê é a irmã de Eva, ou antes, é Eva espiritualizada. Todas as duas querem saber, e perdem a inocência para ganhar a honra da prova. Ambas merecem descer aos infernos, uma para levar a antiga caixinha de Pandora, a outra para procurar esmagar a cabeça da antiga serpente, que é o símbolo do tempo e do mal. Ambas cometem o crime que deve ser expiado pelo Prometeu dos tempos antigos e o Lúcifer da lenda cristã, um libertado, outro submetido por Hércules e pelo Salvador.
O grande segredo mágico é, pois, a lâmpada e o punhal de Psiquê, é o pomo de Eva, é o fogo sagrado roubado por Prometeu, é o cetro ardente de Lúcifer, mas é também a cruz santa do Redentor. Sabê-lo bastante para abusar dele ou divulgá-lo, é merecer todos os suplícios; sabê-lo como se deve saber para servir-se dele e ocultá-lo, é ser senhor do absoluto.
Tudo está contido numa palavra e numa palavra de quatro letras: é o Tetragrama dos Hebreus, e o Azot dos alquimistas, é o Thot dos Boêmios e o Tarô do Cabalistas. Esta palavra expressa de tantos modos, quer dizer Deus para os profanos, significa o homem para os filósofos, e dá aos adeptos a última palavra às ciências humanas e a chave do poder divino; mas só sabe servir-se dela aquele que compreende a necessidade de a não revelar nunca. Se Édipo, em lugar de fazer morrer a esfinge, a tivesse dominado e atrelado ao seu carro para entrar em Tebas, teria sido o rei sem incesto, sem calamidade e sem exílio. Se Psique, à força de submissão e carícias, tivesse induzido o Amor a revelar a si próprio, ela nunca o teria perdido. O Amor é uma das imagens mitológicas do grande segredo e do grande agente, porque exprime, ao mesmo tempo, uma ação e uma paixão, um vácuo e uma plenitude, uma flecha e uma e uma ferida. Os iniciados devem compreender-me, e, por causa dos profanos, não devo dizer muito.
Depois do maravilhoso asno de ouro de Apuleio, não achamos epopéias mágicas. A ciência, vencida em Alexandria pelo fanatismo dos assassinos de Hipatia, se faz cristã, ou antes, se oculta sobre véus cristãos com Amônios, Sinésio e o pseudo-autor dos livros de Diniz, o Areopagita. Era preciso, naquele tempo, fazer perdoar os seus milagres pelas aparências da superstição, e a sua ciência por uma linguagem ininteligível. Ressuscitaram a escrita hieroglífica e inventaram os pantáculos e caracteres que resumem uma doutrina inteira num sinal, uma série inteira de tendências e revelações numa palavra. Qual era o fim dos aspirantes à ciência? Procuravam o segredo da grande obra, a pedra filosofal, o movimento perpétuo, a quadratura do círculo, ou a medicina universal, fórmulas que, muitas vezes, os salvava da perseguição e do ódio, fazendo-os tachar de loucura, e todas as quais exprimiam uma das faces do grande segredo mágico, como demonstraremos mais tarde. Esta falta de epopéias dura até o nosso romance da Rosa; mas o símbolo da rosa, que exprime também o sentido misterioso e mágico do poema de Dante, é tirado da alta Cabala, e é tempo de entrarmos nesta fonte imensa e oculta da filosofia universal.
A Bíblia, com todas as alegorias que contém, só exprime de um modo incompleto e obscuro a ciência religiosa dos Hebreus. O livro de que falamos e cujos caracteres hieráticos explicaremos, este livro que Guilherme Postello chama o Gênese de Henoque, existia certamente antes de Moisés e dos profetas, cujo dogma, fundamentalmente idêntico aos dos antigos Egípcios, tinha também seu esoterismo e seus véus. Quando Moisés falava ao povo, diz alegoricamente o livro sagrado, punha um véu na sua cabeça, e tirava este véu para falar a Deus: tal é a causa das pretensas absurdidades da Bíblia, que tanto exercitaram a verve satírica de Voltaire. Os livros eram escritos para lembrar a tradição, e escreviam-nos em símbolos ininteligíveis para os profanos. Aliás, o Pentateuco e as poesias dos profetas eram somente livros elementares, quer de dogma, quer de moral, quer de liturgia: a verdadeira filosofia secreta e tradicional só foi escrita mais tarde, debaixo de véus ainda menos transparentes. É assim que nasceu uma segunda Bíblia desconhecida, ou antes não entendida pelos cristãos; uma compilação, dizem eles,de numerosas absurdidades (e aqui os crentes, confundidos numa idêntica ignorância, falam como os incrédulos): um monumento, dizemos nós, que reúne tudo o que o gênio filosófico e o gênio religioso jamais fizeram o imaginaram de sublime; tesouro rodeado de espinhos, diamante escondido numa pedra bruta e obscura; os nossos leitores já terão adivinhado que queremos falar do Talmude.
Estranho destino o dos judeus! Os bodes emissários, os mártires e os salvadores do mundo! Família vivaz, raça corajosa e dura, que as perseguições sempre conservaram intacta, por que ainda não realizou sua missão! As nossas tradições apostólicas não dizem que, depois do declínio da fé entre os gentios, a salvação virá da casa de Jacó, e que então o Judeu crucificado, que os cristãos adoraram, porá o império do mundo entre as mãos de Deus seu Pai?
Ficamos cheios de admiração, ao penetrar no santuário da Cabala, à vista de um dogma tão lógico, tão simples e, ao mesmo tempo, tão absoluto. A união necessária das idéias e dos sinais; a consagração das realidades mais fundamentais por caracteres primitivos; a trindade das palavras, das letras e dos números; uma filosofia simples como o alfabeto, profunda e infinita como o Verbo; teoremas mais completos e mais luminosos que os de Pitágoras; uma teologia que se resume contando pelos dedos; um infinito que se pode fazer conter na cova da mão de uma criança; dez algarismos e vinte e duas letras, um triângulo, um quadrado e um círculo: eis todos os elementos da Cabala. São os princípios elementares do Verbo escrito, reflexo deste Verbo falado que criou o mundo!
Todas as religiões verdadeiramente dogmáticas saíram da Cabala e voltam a ela; tudo o que há de científico e grandioso nos sonhos religiosos de todos os iluminados, Jacob Boheme, Swedenborg, Saint-Martin, etc., é tirado da Cabala; todas as associações maçônicas lhe devem os seus segredos e seus símbolos. Só a Cabala consagra a aliança da razão universal e do Verbo divino; ela estabelece, pelo contrapeso das duas forças em aparência opostas, a balança eterna do ente; só ela concilia a razão com a fé, o poder com a liberdade, a ciência com o mistério: ela tem a chave do presente, do passado e do futuro!
Para iniciar-se na Cabala, não basta ler e meditar os escritos de Reuchlin, Galatino, Kircher e Pico de Mirandola; é preciso ainda estudar e entender os escritores hebreus da coleção de Pistório, principalmente o Sepher Yetzirah, depois a filosofia de amor, de Leão Hebreu. É preciso também estudar o grande livro de Zohar, ler atentamente, na coleção de 1684, intitulada Kabbala Denudata o trabalho da pneumática cabalística e da revolução das almas; depois entrar ousada e corajosamente nas luminosas trevas do corpo dogmático e alegórico do Talmude. Então se poderá entender Guilherme Postello, e confessar em voz baixa que, pondo de parte os seus sonhos bem prematuros e muito generosos da emancipação da mulher(*), este célebre e sábio iluminado podia não ser tão louco como o pretendem os que o não leram.
Acabamos de esboçar rapidamente a história da filosofia oculta, indicamos as suas fontes e analisamos, em poucas palavras, os seus principais livros. Este trabalho só se refere à ciência; mas a magia, ou antes o poder mágico, se compõe de duas coisas: uma ciência e uma força. Sem a força, a ciência nada é, ou antes, é um perigo. Dar à ciência só a forma, tal é a lei suprema das iniciações. Por isso, o grande revelador disse: O reino de Deus sofre violência e são os violentos que o arrebatam. A porta da verdade está fechada como o santuário de uma virgem; é preciso ser um homem para entrar. Todos os milagres são prometidos à fé; mas que é a fé, senão ousadia de uma vontade que não hesita nas trevas e caminha para a luz através de todas as provações e vendendo todos os obstáculos?
Não repetiremos aqui a história das antigas iniciações; quanto mais eram perigosas e terríveis, tanto mais tinham eficácia; por isso, o mundo tinha, então, homens para governá-lo e instruí-lo. A arte sacerdotal e a arte real consistiam principalmente nas provas de coragem, da discrição e da vontade. Era um noviciado semelhante ao destes padres tão impopulares nos nossos dias, sob o nome de Jesuítas, que ainda governariam o mundo se tivessem ma cabeça verdadeiramente inteligente e sábia. Depois de ter passado a nossa vida na investigação do absoluto em religião, ciência e justiça; depois de ter girado no círculo de Fausto, chegamos ao primeiro dogma e ao primeiro livro da humanidade. Aí paramos, aí achamos o segredo de onipotência humana e progresso indefinido, a chave de todos os simbolismos, o primeiro e o último de todos os dogmas. E entendemos o que querem dizer estas palavras muitas vezes repetidas no Evangelho: o reino de Deus.
Dar um ponto fixo para apoio à atividade humana é resolver o problema de Arquimedes, realizando o emprego da sua famosa alavanca. É o que fizeram os grandes iniciadores que deram abalos no mundo, e só puderam fazê-lo por meio do grande e incomunicável segredo. Aliás, para garantia da sua nova juventude, a fênix simbólica só reapareceria aos olhos do mundo depois de ter consumido solenemente os restos e as provas da sua vida anterior. É assim que Moisés faz morrer no deserto todos os que teriam conhecido o Egito e seus mistérios; é assim que São Paulo, em Éfeso, queima todos os livros que tratavam de ciências ocultas; é assim, enfim, que a revolução francesa, filha do grande Oriente de Johannita e da cinza dos Templários, espolia as igrejas e blasfema contra as alegorias do culto divino. Mas todos os dogmas e todos os renascimentos proscrevem a magia e votam seus mistérios ao fogo ou ao esquecimento. É que todo culto ou toda filosofia que vem ao mundo é um Benjamim da humanidade que só pode viver dando a morte à sua mãe; é que a serpente simbólica gira sempre devorando a sua cauda; é que é preciso, para sua razão de ser, a toda plenitude um vácuo, a toda grandeza um espaço, a toda afirmação uma negação; é a realização eterna da alegoria da fênix.
Dois sábios ilustres já me precederam no caminho que sugo, mas, por assim dizer, passaram nele à noite e sem luz. Quero falar de Volney e Dupuis, principalmente de Dupuis, cuja imensa erudição só pode produzir uma obra negativa. Ele viu na origem de todos os cultos a astronomia, tomando assim o Ciclo simbólico pelo dogma, e o calendário pelas lendas. Um único conhecimento lhe faltava, o da verdadeira magia, que contém os segredos da Cabala. Dupuis passou nos antigos santuários como o profeta Ezequiel na planície coberta de ossos, e só compreendeu a morte, por não saber a palavra que reúne a virtude dos quatro ventos do céu, e que pode fazer um povo vivo deste imenso ossuário, exclamando aos antigos símbolos: Levantai-vos, revesti uma nova forma e caminhai.
O que ninguém, pois, pode ou ousou fazer antes de nós, chegou o tempo em que teremos a ousadia de ensaiar. Queremos como Juliano, reconstruir o templo, e nisso não cremos dar um desmentido a uma sabedoria que adoramos, e que o próprio Juliano teria sido signo de adorar, se os doutores odiosos e fanáticos do seu tempo lhe tivessem permitido compreendê-la. O templo, para nós, tem duas colunas, em uma das quais o cristianismo escreveu o seu nome. Não queremos, pois, atacar o cristianismo; longe disso, queremos explicá-lo e realiza-lo. A inteligência e a vontade, exerceram alternativamente o poder no mundo; a religião e a filosofia lutam ainda nos nossos dias e devem acabar por concordar-se. O cristianismo teve, por fim provisório, estabelecer, pela obediência e a fé, uma igualdade sobrenatural ou religiosa entre os homens, e imobilizar a inteligência pela fé, a fim de dar um ponto de apoio à virtude que vinha destruir a aristocracia da ciência, ou antes substituir esta aristocracia, já destruída. A filosofia, pelo contrário, trabalhou para fazer os homens voltarem pela liberdade e a razão à desigualdade natural, e para substituir, fundando o reino da indústria, a habilidade à virtude. Nenhuma dessas duas ações foi completa ou suficiente, nenhuma conduziu os homens à perfeição e à felicidade. O que sonha agora, sem quase ousar espera-lo, é uma aliança entre estas duas forças por muito tempo consideradas como contrárias, e temos razão de desejar esta aliança: porque as duas grandes potências da alma humana não são mais opostas uma à outra do que o sexo do homem é oposto ao da mulher; sem dúvida, elas são diferentes, mas as suas disposições, em aparência contrárias, só vêm da sua aptidão a encontrarem-se e a unirem-se.
- Não se trata nada menos do que de uma solução universal de todos os problemas?
Sem dúvida, pois que se trata de explicar a pedra filosofal, o movimento perpétuo, o segredo da grande obra e a medicina universal. Tachar-nos-ão de louco como ao divino Paracelso, ou de charlatão como ao grande e infeliz Agrippa. Se a fogueira de Urbano Grandier está extinta, restam as surdas proscrições do silêncio ou da calúnia. Nós não as desafiamos, mas nos resignamos a elas. Não procuramos por nós mesmos a publicação desta obra e cremos que, se chegou o tempo de produzir-se a palavra, ela se produzirá por si mesma, por nós ou por outros. Ficaremos, pois, calmos e esperaremos.
A nossa obra tem duas partes: numa, estabelecemos o dogma cabalístico e mágico na sua totalidade; a outra é consagrada ao culto, isto é, à magia cerimonial. Uma é o que os antigos sábios chamavam a clavícula; a outra, o que as pessoas do campo chamam ainda hoje o engrimanço. O número e o assunto dos capítulos, que se correspondem nas duas partes, nada têm de arbitrário, e se achavam indicados na grande clavícula universal de que damos, pela primeira vez, uma explicação completa e satisfatória. Agora, que esta obra vá aonde quiser e venha a ser o que a Providência quiser. Ela está feita, e a cremos durável, porque é forte como tudo o que é razoável e consciencioso.
1 א A - O Recipiendário
DISCIPLINA – ENSOPH – KETHER
Quando um filósofo tomou para base de uma nova revelação da sabedoria humana este raciocínio: “Penso, logo existo”, ele mudou de algum modo e à sua vontade, conforme a revelação cristã, a noção antiga do Ente supremo. Moisés faz dizer ao Ente dos entes: “Eu sou quem sou”. Descartes faz dizer ao Ente dos entes: “Eu sou aquele que pensa”, e como pensar é falar interiormente, o homem de Descartes pode dizer como o Deus de São João Evangelista: “Eu sou aquele em quem está e por quem se manifesta o Verbo”. In principio erat verbum.
Que é um princípio? É uma base de palavra, é uma razão de ser do verbo. A essência do verbo está no princípio: o princípio é o que é; a inteligência é um princípio que fala.
Que é a luz intelectual? É a palavra. Que é a revelação? É a palavra; o ente é o princípio, a palavra é o meio e a plenitude ou o desenvolvimento, e a perfeição do ente é o fim: falar é criar.
Porém, dizer: "Eu penso, logo existo", é concluir da conseqüência ao princípio, e recentes contradições levantadas por um grande escritor(*) provaram suficientemente a imperfeição filosófica deste método. Eu sou, logo existe alguma coisa, nos parece uma base mais primitiva e mais simples da filosofia experimental.
Eu sou, logo o ente existe.
Ego sum qui sum: eis aí a revelação primária de Deus no homem e do homem no mundo, e é também o primeiro axioma da filosofia oculta.
אהיה אשר אהיה
O ser é o ser
Esta filosofia tem, pois, por princípio o que existe, e nada tem de hipotético nem de casual.
Hermes (Mercúrio) Trismegisto inicia o seu admirável símbolo, conhecido sob o nome de Tábua de Esmeralda, por esta tríplice afirmação: “É verdade, é certo sem erro, é absolutamente verdade". Assim, a verdade confirmada pela experiência em física, a certeza desembaraçada de qualquer mistura de erro em filosofia, a verdade absoluta, indicada pela analogia, no domínio da religião ou do infinito, tais são as primeiras necessidades da verdadeira ciência, e é o que só a magia pode dar aos seus adeptos.
Mas, antes de tudo, quem sois vós que tendes este livro entre as vossas mãos e o começais a ler?...
(*) Lamennais.
No frontispício de um templo que a antiguidade dedicara ao deus da luz, lia-se esta inscrição em duas palavras: “Conhece-te a ti mesmo". Tenho o mesmo conselho a dar a qualquer homem que queira aproximar-se da ciência.
A magia, que os antigos chamavam o sanctum regnum, o santo reino, ou o reino de Deus, regnum Dei, só é feita para os reis e padres; sois padre? Sois rei? O sacerdócio da magia não é um sacerdócio vulgar e a sua realeza nada tem que debater com os príncipes deste mundo. Os reis da ciência são os padres da verdade, e o seu reino fica oculto para a multidão, como os seus sacrifícios e as suas preces. Os reis da ciência são os homens que conhecem a verdade e que a verdade tornou livres, conforme a promessa formal do mais poderoso dos iniciadores.
O homem que é escravo das suas paixões ou dos preconceitos deste mundo não poderia ser um iniciado; ele nunca se elevará, enquanto não se reformar; não poderia, pois, ser um adepto, porque a palavra adepto significa aquele que se elevou por sua vontade e por suas obras.
O homem que ama suas idéias e que tem medo perdê-las. Aquele que teme as verdades e que não está disposto a duvidar de tudo, antes do que admitir qualquer coisa ao acaso, esse deve fechar este livro, que lhe é inútil e perigoso; ele o compreenderia mal e ficaria perturbado, mas ficá-lo-ia muito mais se por acaso o compreendesse bem.
Se estiverdes presos por alguma coisa ao mundo, mais que à razão, à verdade e à justiça; se vossa vontade é incerta e vacilante, quer no bem, quer no mal; se a lógica vos espanta, se a verdade nua voz faz corar; se vos sentis ofendido, quando apontam vossos erros, condenai imediatamente este livro, e, não o lendo, fazei como se não existisse para vós, porém não o difameis como perigoso: os segredos que ele revela serão compreendidos por um pequeno número, e os que os compreenderem não os revelará. Mostrar à noite a luz aos pássaros, é ocultá-la, pois que ela os cega e torna-se para eles mais obscura do que as trevas. Falarei, pois, claramente; direi tudo e tenho a firme confiança de que só os iniciados ou os que são dignos de o ser, lerão tudo e compreenderão alguma coisa.
Há uma verdadeira e uma falsa ciência, uma magia divina e uma magia infernal, isto é, mentirosa e tenebrosa; temos de revelar uma e desvendar outra; temos de distinguir o mago do feiticeiro e o adepto do charlatão.
O mago dispõe de uma força que conhece, o feiticeiro procura abusar do que ignora.
O diabo – se é permitido num livro de ciência empregar esta palavra desacreditada e vulgar –
o diabo se dá ao mago e o feiticeiro se dá ao diabo.
O mago é o soberano pontífice da natureza, o feiticeiro não passa de um profanador.
O feiticeiro é para o mago o que o supersticioso e o fanático são para o homem verdadeiramente religioso.
Antes de ir mais longe, definamos claramente a magia.
A magia é a ciência tradicional dos segredos da natureza, que nos vem dos magos.
Por meio desta ciência, o adepto se acha investido de uma espécie de onipotência relativa e pode agir de modo que ultrapassa a capacidade comum dos homens.
É assim que vários adeptos célebres, tais como Mercúrio (Hermes) Trismegisto, Osíris, Orfeu, Apolônio de Thyana, e outros que poderia ser perigoso ou inconveniente mencionar, puderam ser adorados ou invocados depois da sua morte como deuses. É assim que outros, conforme o fluxo e o refluxo da opinião, que faz os caprichos do êxito, tornaram-se agentes do inferno ou aventureiros suspeitos, como o imperador Juliano, Apuleio, o encantador Merlino e o arquifeiticeiro, como o chamavam no seu tempo, o ilustre e infeliz Cornélio Agrippa.
Para chegar ao sanctum regnum, isto é, à ciência e ao poder dos magos, quatro coisas são indispensáveis: uma inteligência esclarecida pelo estudo, uma audácia que nada faz parar, uma vontade que nada quebra e uma discreção que nada pode corromper ou embebedar.
Saber, ousar, querer, calar – eis os quatro verbos do mago, que estão escritos nas quatro formas simbólicas da esfinge. Estes quatro verbos podem combinar-se mutuamente de quatro modos e se explicam quatro vezes uns pelos outros.(*)
Na primeira página do livro de Hermes, o adepto é representado coberto com um largo chapéu, cuja aba, sendo dobrada, pode ocultar a sua cabeça inteira. Ele tem em uma das mãos elevadas para o céu, ao qual parece governar com sua baqueta, e a outra mão no seu peito; tem diante de si os principais símbolos ou instrumentos da ciência, e esconde outros numa algibeira de escamoteador. O seu corpo e os seus braços formam a letra Aleph, a primeira do alfabeto, que os hebreus tiraram dos egípcios; porém, mais tarde, teremos ocasião de voltar novamente a este símbolo.
O mago é verdadeiramente o que os cabalistas hebreus chamam o microprósopo, isto é, o criador do mundo pequeno. A primeira ciência mágica sendo o conhecimento de si mesmo, também a primeira lugar de todas as obras da ciência, a que contém todas as outras e que é o princípio da grande obra, é a criação de si mesmo; este termo tem necessidade de ser explicado.
A razão suprema sendo o único princípio invariável e, por conseguinte, imperecível, pois que a mudança é o que chamamos a morte, a inteligência que adere fortemente e de algum modo se identifica a este princípio, se torna, por isso mesmo, invariável, e, por conseguinte, imortal.
Compreende-se que, para aderir invariavelmente à razão, é preciso ter-se tornado independente de todas as forças que produzem, pelo movimento fatal e necessário, as alternativas da vida e da morte. Saber sofrer, abster-se e morrer, tais são, pois, os primeiros segredos que nos põem acima da dor, dos desejos sensuais e do temor do nada. O homem que procura e acha uma gloriosa morte tem fé em imortalidade, e a humanidade inteira crê nela com ele e por ele, porque ela lhe eleva altares ou estátuas, em sinal de vida imortal.
O homem torna-se rei dos animais, somente dominando-os ou prendendo-os; de outro modo, seria sua vítima ou seu escravo. Os animais são a figura das nossas paixões, são as forças instintivas da natureza.
O mundo é um campo de batalha que a liberdade disputa à força da inércia, opondo-lhe a força ativa. Al liberdades físicas são mós de que sereis o grão, se não souberdes ser o moleiro.
Sois chamado a ser o rei do ar, da água, da terra e do fogo; mas, para reinar sobre estes quatro animais do simbolismo, é preciso vencê-los e encadeá-los.
(*) Ver o jogo do Taro
Aquele que aspira a ser um sábio e a saber o grande enigma da natureza deve ser o herdeiro e
o espoliador da esfinge; deve ter a sua cabeça humana para possuir a palavra, as asas de águia para conquistar as alturas, os flancos de touro para cavar as profundezas, e as garras de leão para preparar lugar para si à direita e à esquerda, adiante e atrás.
Vós, pois, que quereis ser iniciado, sois tão sábio como Fausto? Sois impassível como Jô? Não, não é verdade? Mas vós o podeis ser, se o quiserdes. Vencestes os turbilhões dos pensamentos vagos? Sois sem indecisões e sem caprichos? Não aceitais o prazer só quando o quereis, e não o quereis só quando o deveis? Não, não é verdade? Não é sempre assim? Mas isso pode ser, se o quiserdes.
A esfinge não tem somente uma cabeça de homem, ela tem também seios de mulher; sabeis vós resistir às atrações da mulher? Não, não é verdade? E dais risada ao responder, e vos vangloriais de vossa fraqueza moral para glorificar em vós a força vital e material. Seja, permiti-vos dar essa homenagem ao asno de Sterno e de Apuleio; que o asno tenha seu mérito, não discuto, era consagrado a Príapo como o bode ao deus de Mendes. Mas deixemo-lo pelo que é, e saibamos somente se é vosso senhor ou se podeis ser o dele. Pode verdadeiramente possuir a voluptuosidade do amor, somente quem venceu o amor da voluptuosidade. Poder usar e abster-se, é poder duas vezes. A mulher vos prende pelos vossos desejos: sede senhor dos vossos desejos e prendereis a mulher.
A maior injúria que se possa fazer a um homem é chamá-lo de covarde. Ora, que é um covarde?
Um covarde é aquele que negligencia o cuidado da sua dignidade moral, para obedecer cegamente aos instintos da natureza.
Em presença do perigo é, com efeito, natural ter medo e procurar fugir: por que, pois, é uma vergonha? Porque a honra nos dá a lei de preferir nosso dever às nossas atrações e aos nossos temores. Que é, neste ponto de vista, a honra? É o pressentimento universal da imortalidade e a avaliação dos meios que podem levar a ela. A última vitória que o homem pode obter sobre a morte, é triunfar do gosto da vida, não pelo desespero, mas por uma esperança maior, que está contida na fé, por tudo o que é belo, honesto e do consentimento de todos.
Aprender a vencer-se é, pois, aprender a viver, e as austeridades do estoicismo não eram uma vã ostentação de liberdade!
Ceder às forças da natureza é seguir a corrente da vida coletiva, é ser escravo das causas segundas.
Resistir à natureza e domina-la é fazer para si uma vida pessoal e imperecível, é libertar-se das vicissitudes da vida e da morte.
Todo homem que está pronto a morrer ao invés de abjurar a verdade e a justiça, é verdadeiramente vivente, porque é imortal na sua alma.
Todas as iniciações antigas tinham por fim achar ou formar tais homens.
Pitágoras exercitava seus discípulos pelo silêncio e as abstinências de todo gênero; no Egito, os recipiendários eram experimentados pelos quatro elementos; na Índia, é sabido a que prodigiosas austeridades os faquires e brâmanes se condenavam, para chegar ao reino da vontade livre e da independência divina.
Todas as macerações do asceticismo são tiradas das iniciações aos antigos mistérios e elas cessaram, porque os iniciáveis, não achando mais iniciadores, e os diretores de consciência tendo-se tornado, com o tempo, tão ignorantes como o vulgo, os cegos cansaram-se de seguir os cegos, e ninguém quis passar provas que só levavam à dúvida e ao desespero: o caminho da luz estava perdido.
Para fazer alguma coisa é preciso saber o que se vai fazer, ou, ao menos, ter fé em alguém que o sabe.
Mas como arriscarei minha vida à aventura e seguirei ao acaso aquele que nem mesmo sabe aonde vai?
No caminho das altas ciências, não convém empenhar-se temerariamente, mas, uma vez em caminho, é preciso chegar ou perecer. Duvidar é ficar louco; parar é cair; voltar para trás é precipitar-se num abismo.
Vós, pois, que começastes a leitura deste livro, se vós o compreendeis e quereis ler até o fim, ele fará de vós um monarca ou um insensato. Quanto a vós, fazei deste volume o que quiserdes, não podereis nem despreza-lo nem esquece-lo. Se sois puro, este livro será para vós uma luz; se sois forte, ele será vossa arma; se sois santo, será vossa religião; se sois sábio, ele regulará a vossa sabedoria.
Mas, se sois malvado, este livro será para vós como que uma tocha infernal; ele despedaçará vosso peito, rasgando-o como um punhal; ficará na vossa memória como um remorso; ele encherá vossa imaginação de quimeras, e vos levará pela loucura ao desespero. Procurareis rir dele, e só podereis ranger os dentes, porque este livro é para vós como a lima da fábula que uma serpente tentou morder e que lhe quebrou todos os dentes.
Comecemos, agora, a série das iniciações.
Disse que a revelação é o verbo. Com efeito, o verbo ou a palavra é o véu do ente e o sinal característico da vida. Toda forma é véu de um verbo, porque a idéia, mãe do verbo, é a única razão de ser das formas. Toda figura é um caráter, todo caráter pertence e volta a um verbo. É por isso que os antigos sábios, cujo chefe é Trismegisto, formularam o seu dogma nestes termos:
“O que está em cima é como o que está em baixo, e o que está em baixo é como o que está em cima”.
Em outros termos, a forma é proporcional à idéia, a sombra é a medida do corpo calculada com sua relação ao raio. A bainha é tão profunda como o comprimento da espada, a negação é proporcional à afirmação contrária, a produção é igual à destruição, no movimento que conserva a vida, e não há um ponto no espaço infinito que não seja centro de um círculo cuja circunferência se engrandece e estende indefinidamente no espaço.
Toda individualidade é, pois, indefinidamente perfectível, porque o moral é análogo à ordem física, e porque não é possível conceber um ponto que não se possa dilatar, engrandecer e lançar raios num círculo filosoficamente infinito.
O que se pode dizer da alma inteira, deve-se dizer de cada faculdade da alma.
A inteligência e a vontade do homem são instrumentos de um valor e de uma força incalculáveis.
Mas a inteligência e a vontade tem por auxiliar e por instrumento uma faculdade muito pouco conhecida e cuja onipotência pertence exclusivamente ao domínio da magia: quero falar da imaginação, que os cabalistas chamam o diáfano ou o translúcido. Efetivamente, a imaginação é como que o olho da alma, e é nela que as formas se desenham e se conservam, é por ela que vemos os reflexos do mundo invisível, ela é o espelho das visões e o aparelho da vida mágica: é por ela que curamos doenças, que influímos sobre as estações, que afastamos a morte dos vivos e que ressuscitamos os mortos, porque é ela que exalta a vontade e que lhe dá domínio sobre o agente universal.
A imaginação determina a forma da criança no ventre materno e fixa o destino dos homens; ela dá asas ao contágio e dirige as armas na guerra. Estais em perigo numa batalha? Crede-vos invulnerável como Aquiles e o sereis, diz Paracelso. O medo atrai os pelouros, e a coragem faz retroceder as balas. É sabido que os amputados muitas vezes se queixam dos membros que não têm. Paracelso operava no sangue vivo, medicamentando o produto de uma sangria; curava as dores de cabeça à distância, operando em cabelos cortados; ele tinha excedido muito, pela ciência da unidade imaginária e da solidariedade do todo e das partes, todas as teorias ou antes todas as experiências dos nossos mais célebres magnetizadores. Por isso, as suas curas eram milagrosas, e ele mereceu que ajuntassem ao seu nome de Filipe Teofrasto Bombast(*) o de Aureolo Paracelso, acrescentando-lhe ainda o epíteto de divino!
A imaginação é o instrumento da adaptação do verbo.
A imaginação aplicada à razão é o gênio.
A razão é una, como o gênio é uno na multiplicidade das suas obras.
Há um princípio, há uma verdade, há uma razão, há uma filosofia absoluta e universal.
O que está na unidade considerada como princípio, volta à unidade considerada como fim.
Um está em um, isto é, tudo está em tudo.
A unidade é o princípio dos números, é também o princípio do movimento e, por conseguinte, da vida.
Todo o corpo humano se resume na unidade de um só órgão, que é o cérebro.
Todas as religiões se resumem na unidade de um só dogma, que é a afirmação do ser e da sua igualdade a si mesmo, o que constitui o seu valor matemático.
(*) Auréolo Filipe Teofrasto Bombast, chamado Paracelso, nasceu em 1943, em Einsiedeln, perto de Zurique, e morreu em 1541, no hospital de Salzburbo. Seu pai, que era médico instruído, lhe ensinou o latim, a medicina e alquimia, e depois mandou-o concluir seus estudos com Trithemo, que lhe ensinou a magia e a astrologia. Viajou quase toda a sua vida e visitou numerosos países, observando e estudando. Julga-se que foi envenenado pelos seus inimigos. – (N. do T.)
Não há mais do que um dogma em magia, e ei-lo: o visível é a manifestação do invisível, ou, em outros termos, o verbo perfeito está nas coisas apreciáveis e visíveis, em proporção exata com as coisas inapreciáveis aos nossos sentidos e invisíveis aos nossos olhos.
O Mago eleva uma das mãos para o céu e abaixa a outra para a terra, e diz: Lá em cima a imensidade! Lá em baixo a imensidade ainda; a imensidade é igual à imensidade é igual à imensidade. Isto é verídico nas coisas visíveis, como nas coisas invisíveis.
A primeira letra do alfabeto da língua sagrada, Aleph, a representa um homem que eleva uma das mãos ao céu, e abaixa a outra para a terra.
É a expressão do princípio ativo de todas as coisas, é a criação no céu, corresponde à onipotência do verbo aqui. Esta letra é, por si só, um pantáculo, isto é, um caráter que exprime a ciência universal.
A letra a pode suprir aos signos sagrados do macrocosmo e do microcosmo, ela explica o duplo triângulo maçônico e a estrela brilhante de cinco pontas; porque o verbo é um e a revelação é uma. Deus, ando ao homem a razão, deu-lhe a palavra; e a revelação múltipla nas suas formas, mas una no seu princípio, está inteira no verbo universal, intérprete da razão absoluta.
É o que quer dizer a palavra tão mal compreendida do catolicismo, que, na língua hierárquica moderna, significa infalibilidade.
O universal em razão é o absoluto, e o absoluto é o infalível.
Se a razão absoluta leva a sociedade inteira a crer irresistivelmente na palavra de uma criança, esta criança será infalível, da parte de Deus e da parte da humanidade inteira.
A fé não é outra coisa senão a confiança razoável nesta unidade do verbo.
Crer é anuir ao que não se sabe ainda, mas que a razão nos certifica adiantadamente de saber ou ao menos reconhecer um dia.
São, pois, absurdos os pretensos filósofos que dizem: “Não creio no que não sei”.
Pobres homens! Se soubésseis, haveria necessidade de crerdes? Mas posso eu crer ao acaso e sem razão?
- Não certamente! A crença cega e aventurada é a superstição e a loucura. É preciso crer nas coisas cuja existência a razão nos força a admitir conforme o testemunho dos efeitos conhecidos e apreciados pela ciência.
2 ב B - As Colunas do Templo
CHOCMAH – DOMUS – GNOSIS
A ciência é a posse absoluta e completa da verdade. Por isso, os sábios de todos os séculos tremeram diante desta palavra absoluta e terrível; tremeram arrogar-se o primeiro privilégio da divindade, atribuindo a si a ciência, e se contentaram, em lugar do verbo saber, que exprime o conhecimento, e da palavra ciência, com a de gnosis, que exprime somente a idéia do conhecimento por intuição.
Que sabe, com efeito, o homem? Nada, e, entretanto, nada lhe é permitido ignorar.
Nada sabe, e é chamado a tudo conhecer.
Ora, o conhecimento supõe o binário. É preciso para o ente que conhece um objeto conhecido.
O binário é gerador da sociedade e da lei; é também o número da gnose. O binário é a unidade multiplicando-se por si mesma para criar; e é por isso que os símbolos sagrados fazem sair Eva do próprio peito de Adão.
Adão é o tetragrama humano, que se resume no iod misterioso, imagem do phallus cabalístico. Ajuntai a este iod o nome ternário de Eva, e formareis o nome de Jeová, o tetragrama divino, que é a palavra cabalística e mágica por excelência:
יהוה
que o sumo sacerdote, no templo pronunciava Jodcheva. É assim que a unidade, completa na fecundidade do ternário, forma com ele o quaternário, que é a chave de todos os números, de todos os movimentos e de todas as formas.
O quadrado, girando sobre si, produz o círculo que lhe é igual e está para a quadratura do círculo como o movimento circular de quatro ângulos iguais que giram ao redor de um mesmo ponto.
O que está em cima, diz Hermes, é igual ao que está em baixo: eis o binário servindo de medida à unidade, e a relação de igualdade entre o alto e o baixo, eis que forma com eles o ternário.
O princípio criador é o phallus ideal; e o princípio criado é o cteis (*) formal.
A inserção do
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