GESTAO AMBIENTAL: FERRAMENTA PARA INTERVIR EM CONFLITOS
Trabalho Escolar: GESTAO AMBIENTAL: FERRAMENTA PARA INTERVIR EM CONFLITOS. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 9/9/2013 • 5.658 Palavras (23 Páginas) • 760 Visualizações
RESUMO
Uma definição mais geral de Gestão Ambiental propõe que ela seja um composto de ações contem varias políticas públicas, pois o setor produtivo e a sociedade incentiva o uso correto e sustentável dos recursos ambientais. Portanto, a gestão ambiental é um processo que liga a conservação e o desenvolvimento de todos os níveis. Embora se tenha uma legislação apontada como avançada, a Lei 6.938/81, que cuida da Política Nacional de Meio Ambiente, e logo da gestão ambiental do país, mostra as suas fraquezas, quando os objetivos e ferramentas previstos na Lei se tornam praticas aplicadas. Dentre os instrumentos que precisam ser mais eficientes na aplicação da Lei estão a Avaliação de Impactos Ambientais, o Licenciamento Ambiental e o Zoneamento Ecológico-Econômico. Ao contrário do se espera, são potenciais que geram conflitos de diversas naturezas e envolve atores e dinâmicas de extrema movimentação. Nesta pesquisa se pretende mostrar que a gestão ambiental para tornar-se de fato eficaz, precisa agregar caráter mais estratégico e com menos burocracia, diferente do vem ocorrendo atualmente, pois é neste campo que se enfrentam e encontram os objetivos que nem sempre são compatíveis, mas, muitas vezes, indissociáveis se tratando de disputas envolvendo o uso dos recursos naturais. Estes conflitos socioambientais que são gerados nestes embates contêm, assim, dualismos divergentes. É preciso buscar soluções negociadas sendo uma forma de reconstruir a integração que se perdeu, ao conflito instalado ou, em último pedido, garantir um ambiente com mais qualidade para todos.
Palavras - chave: Gestão ambiental; conflitos socioambientais; atores sociais instrumentos políticos e legais.
1. INTRODUÇÃO
Para certificar a sua eternizarão, o homem, como as tantas espécies deste planeta, precisa afrontar as distinções da natureza. O fato que torna o ser humano diferente dos outros seres vivos é que ele escreve sua própria história, modificando sempre as suas condições naturais de viver e proporcionando situações a favor de sua reprodução. A recente historia da evolução humana é a aquela da luta do homem contra o seu meio natural (THEODORO, 2000).
Atualmente, mais especificamente a partir da segunda metade do século XX, o caminho da humanidade está sendo marcada por diversos períodos de crises. É provável que após a Revolução Industrial, pois foram nestes últimos 50 anos que registrou-se as mais graves situações enfrentadas pela sociedade global. Se, no passado, a crise limitava-se à Europa, agora ela é generalizada ao redor do planeta. Antes, para resolver os problemas de escassez de alimentos, ocupação e espaço para uma grande massa de europeus, foi possível ocupar terras pouco povoadas no planeta, com a vantagem de serem férteis e “disponíveis”. Porém, no final do século XX e início do XXI, as crises sociais, econômicas e ambientais provocadas pelas conquistas da Revolução Industrial, dos avanços tecnológicos e agravadas pelo aumento estrondoso da população mundial, geraram conflitos alarmantes, uma vez que não existem mais “mundos novos” para a deportação das milhares de pessoas social e economicamente excluídas.
Não é mais possível aumentar as fronteiras ou ainda, conquistar novos territórios para conhecer os recursos necessários à acumulação de bens de consumo ou de produtos. Tais entraves levaram algumas sociedades, especialmente as dos países mais desenvolvidos, a buscar formas de gerir os recursos disponíveis dentro de seus próprios territórios. De início buscava-se, exclusivamente, garantir a sustentação econômica das linhas de produção. Quando um determinado recurso aproximava-se da exaustão, o avanço tecnológico garantia a sua substituição por novos materiais. No entanto, esta medida não bastou para minimizar os problemas causados pela finitude dos recursos. Percebeu-se que para garantir o suprimento por um período mais longo, era necessário que se ajustasse a demanda a um ritmo mais próximo ao da natureza. Pode-se dizer que foi a partir desta percepção, aliada à crise do modelo de desenvolvimento, fundamentado segundo as regras da economia, que emergiu a necessidade de se buscar um novo modelo de gerenciamento dos recursos ambientais. Esta estratégia trouxe, como conseqüência, uma série de entraves relativos à implementação do que passou a se chamar gestão ambiental.
A gestão ambiental pode ser definida de variáveis formas, podendo depender do objetivo que se busca melhorar. De uma maneira generalizada, pode-se dizer que ela tem a função de planejar, controlar, coordenar e formular ações para que se atinjam os objetivos previamente estabelecidos para um dado local, região ou país. Na maioria das vezes, a gestão ambiental comporta-se como uma importante prática para se alcançar o equilíbrio dos mais diversos ecossistemas. Equilíbrio este, que envolve as questões naturais, mas, também, as dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, entre outras.
Segundo Godard (1997), a gestão de recursos ambientais deve estar imbuída de uma visão estratégica de desenvolvimento no longo prazo, o que lhe confere um sentido para além dos usos cotidianos, pois se constitui no cerne onde se confrontam e se reencontram os objetivos associados ao desenvolvimento e aqueles voltados para a conservação da natureza ou para a preservação da qualidade ambiental.
É dentro desta perspectiva que o presente artigo pretende abordar a crise que se anuncia em função da complexibilidade que envolve as múltiplas dimensões de uma verdadeira gestão ambiental. Os fóruns criados para discutir e buscar as melhores formas para viabilizar projetos, planos ou ações, que envolvam o uso equilibrado dos recursos naturais pela sociedade, tornaram-se um lócus de debates e de disputas, que não raras vezes ultrapassam os limites da questão ambiental, atingindo, de forma intensa, outras dimensões da desejada sustentabilidade. Acredita-se que é justamente a partir das crises provocadas por esses embates, que poderão emergir as possíveis soluções, que fundamentarão uma nova racionalidade, provavelmente muito mais complexa.
2. HISTÓRICO DA LEGISLAÇAO AMBIENTAL NO BRASIL
Contrariando um dos mais arraigados pressupostos de que não existiam normas legais para disciplinar o uso dos recursos ambientais, Wamer (1999), menciona que as preocupações de caráter ambiental no Brasil já existiam desde o período colonial. As primeiras normas ambientais adotadas no país foram decorrentes da legislação portuguesa, que começou a ser aplicada aqui, logo após o descobrimento (Ordenações Afonsinas, Ordenações Manuelinas, Ordenações Filipinas). No seu período inicial, a administração colonial portuguesa concentrou-se na edição de normas que visaram preservar recursos naturais ou cultivados, geradores de alimentos para uma população crescente. A regulação da extração de madeiras, principalmente do pau-brasil, passou a depender de licença real a partir de 1605. Também foram estabelecidas proibições ao corte de árvores frutíferas, à destruição de colméias e à caça de animais em período de reprodução, para coibir seu extermínio por perseguição excessiva. Ainda segundo a autora, outros regulamentos obrigavam ou incentivavam o plantio de gêneros alimentícios, principalmente para suprir as necessidades de sobrevivência dos escravos que chegavam em número crescente à Colônia, cujas principais terras cultivadas começavam a ser dominadas pela monocultura da cana-de-açúcar.
Nessa mesma linha, Pádua (2002) lembra que ainda no período colonial, quando as metrópoles não tinham grandes preocupações em controlar a exploração dos recursos naturais das colônias, alguns poucos visionários já discutiam questões que envolviam temas ambientais. No Brasil, tais questões também faziam parte das preocupações de José Bonifácio, o Patrono da Independência, que, surpreendentemente, já possuía uma cosmovisão em relação à exploração dos recursos, especialmente no caso das florestas. Tal visão fundamentava-se na "teoria do dessecamento", que relacionava a destruição da vegetação nativa com a redução da umidade, das chuvas e dos mananciais. Na época (final do século XVIII), essa teoria ganhou um novo patamar conceitual e político, dado o potencial dessa ação gerar sérias conseqüências econômicas.
Foi a partir do Século XVIII, que aparecem as primeiras normas com o propósito de controlar a poluição e a degradação ambiental propriamente dita, como as que proibiam o lançamento de bagaço de cana em rios e açudes e aquelas que protegiam os maguenzais da destruição. Em 1796 surgiu a primeira legislação florestal brasileira, o regimento do pau-brasil. No início do Século XIX é editada a primeira medida voltada para a recuperação de áreas degradadas, estabelecendo instruções para o reflorestamento da costa do Brasil, em 1813. Na constituição de 1891 atribuiu-se competência à União para legislar sobre minas e terras. Nas primeiras décadas do Século XX são aprovadas regras mais complexas, como as que disciplinavam a partilha de recursos hídricos, estabelecendo direitos e deveres para o uso e conservação da qualidade das águas (Código de Águas - Decreto 23.793/34), as que protegiam florestas (Código Florestal - Decreto 24.643/34) e de exploração de pesca (Código de Pesca - Decreto-Lei 794/38).
No período mais recente, já na década de 70, teve início o que poderia se chamar de uma base legal específica para o meio ambiente. O Decreto Lei 1.413/75 dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente, provocada pela atividade industrial (as indústrias ficaram obrigadas a promover os métodos necessários para prevenir ou corrigir os inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente). Para regulamentar essa norma foi editado o Decreto nº 76.389/75, que definiu em seu art. 1º o conceito de poluição industrial, definida como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer forma de energia ou de substâncias sólidas, líquidas ou gasosas, ou combinação de elementos despejados pelas indústrias, em níveis capazes, direta ou indiretamente, de prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população; de criar condições adversas às atividades sociais e econômicas e de ocasionar danos relevantes à flora, à fauna e a outros recursos naturais. Nesse mesmo decreto, em seu art. 8º, incisos I a XIII, foram mencionadas quais eram as áreas críticas de poluição, a saber: as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, região de Cubatão e de Volta Redonda, bacias hidrográficas do médio e baixo Tietê, do Paraíba do Sul, do Rio Jacuí e estuário do Guaíba e as bacias hidrográficas de Pernambuco. Todavia, tanto a norma quanto o decreto que a regulamentou não representaram grandes avanços na prevenção e no controle da poluição industrial, pois além de ainda estar imbuída do antropocentrismo característico da legislação ambiental até então existente no país, faltavam instrumentos necessários para garantir uma maior eficácia em sua aplicação. Em 1977, o Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras foi regulamentado pela primeira vez, no Rio de Janeiro, pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEEMA). Com esse Sistema, os Estudos de Impacto Ambiental passaram a se constituir em um importante meio de aplicação de uma política preventiva (Cordeiro, 2003). É importante salientar que a inserção do Estudo de Impacto Ambiental foi um reflexo da Conferência de Estocolmo e das sugestões da OCDE, difundidas mundialmente na década de 70. Assim como o Brasil, vários outros países adotaram, em suas legislações, normas que tornaram obrigatório esse Estudo para a implementação de atividades que envolvam a exploração de recursos naturais. Foge à regra a posição dos Estados Unidos a respeito, uma vez que eles já haviam introduzido o EIA com a edição, em 1969 da National Environmental Policy Act (NEPA). Segundo Milaré (2000), esta lei serviu de inspiração para a sua adoção no ordenamento jurídico brasileiro.
De acordo com Cordeiro (2003) o Estudo de Impacto Ambiental é considerado hoje, no mundo inteiro, como um dos instrumentos jurídicos racionalmente necessários à proteção do ambiente e seus objetivos são diversos e multifacetários, podendo ser classificados em quatro categorias principais: prevenção (e até precaução) do dano ambiental; transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de empreendimentos públicos ou privados; consulta aos interessados e decisões administrativas.
Durante quase uma década, outras normas, decretos e leis buscaram estabelecer formas de uso mais racional do meio ambiente, pois uma das principais preocupações do legislador era o controle da poluição, fonte de conflitos de interesse entre diferentes setores da sociedade brasileira. A Lei 6.803/80, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, é um exemplo desse momento. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) passou a ser realizado de forma preventiva para aprovação de zonas de uso estritamente industrial, que se destinavam a localização de pólos petroquímicos, cloro químicos, carboquímicos, bem como instalações nucleares.
Todavia, os entraves na aplicação de uma legislação mais eficaz, bem como a adoção de providências técnicas mais concretas em relação à poluição industrial e outros problemas ambientais, só começaram a ser implementadas no país com a promulgação da Lei 6.938/81 que estabeleceu os objetivos e os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA).
A PNMA, que foi alterada pela Lei 10.165/00, tem por objetivo a preservação, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar ao país, condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses de segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana.
Neste mesmo instrumento jurídico foi criado o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e o Sistema de Licenciamento de Atividades Potencialmente Poluidoras (SLAP). A partir dessa Lei ficou instituído que o meio ambiente é um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o coletivo. Entre outras tratativas, essa Lei estabeleceu os padrões de qualidade ambiental; o zoneamento ambiental; a avaliação de impactos ambientais; o licenciamento e revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico pelo poder Público Federal. A referida Lei institui, também, o Cadastro Técnico Federal de atividades e instrumentos da defesa ambiental; ela prevê, ainda, a ação de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, legitimando o Ministério Público da União e dos estados para pleitear contra o poluidor a indenização por esses danos. A Lei 7.347/85, institui a ação pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor histórico, artístico, estético e paisagísticoNo entanto, foi com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, que se firmou um dos mais importantes marcos para o trato das questões ambientais no Brasil. Na Carta Magna conceituou-se o meio ambiente como bem de uso comum do povo. Entre os temas que foram objeto de discussão, o Artigo 225 que trata da defesa do meio ambiente e do patrimônio genético, destacam-se alguns itens importantes: a regulamentação dos estudos de impactos ambientais; o zoneamento ambiental; o princípio do poluidor-pagador; o princípio da precaução e prevenção como norma institucional; a normatização da questão indígena; a conceituação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável e a criação de lei específica para os crimes ambientais. O Estudo de Impacto
Ambiental e seu respectivo Relatório EIA-RIMA, mencionados no art. 225, IV, §1°, que incumbe ao Poder Público exigir, na forma da lei, Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA para instalação de obras ou atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental. Este instrumento constitui-se em uma inovação, pois a Lei 6.938/86 exigia uma avaliação dde impacto ambiental prévia ou posterior. A Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) 01/86, art. 2º, dispõe que atividades modificadoras do meio ambiente devem obter licenciamento6, dependendo este da elaboração de EIA-RIMA. Estes devem ser submetidos à aprovação do órgão estadual competente e do IBAMA. Entretanto, a outorga da licença não libera o empreendedor da responsabilidade pelo dano que vier a causar.
Segundo consta na Lei 7.804/89 e a Resolução CONAMA 001/86, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é o órgão competente para o licenciamento ambiental no caso de atividades ou obras cujo impacto ambiental venha a ser importante, tanto em âmbito nacional, quanto em regional. O art. 10 dessa Lei esclarece que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente.
Lei 9.605/98 que instituiu a Lei de Crimes Ambientais, estabelece que toda infração ou contravenção penal deve estar prevista em lei. Este instrumento jurídico separou os crimes seguindo os objetos de tutela: crimes contra a fauna (arts. 29-37); crimes contra a flora (arts. 38-53), poluição e outros crimes (arts. 54-61) e contra a administração ambiental (art. 66-69);
Lei 9.433/97 que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Essa Lei define a água como recurso natural limitado, dotado de valor econômico, que pode ter usos múltiplos (consumo humano, produção de energia, transporte, lançamento de esgotos), descentraliza a gestão dos recursos hídricos, contando com a participação do Poder Público, usuários e comunidades.
Lei 9.985/00 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu os critérios e as normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O seu art. 2esclarece que unidade de conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. O Decreto No. 4.340/02 regulamentou alguns artigos da Lei do SNUC.
Esta seqüência histórica da implementação de leis, decretos e normas retrata o avanço do aparato legal no Brasil e deixa evidente que a evolução das discussões sobre as questões ambientais no país deu-se de forma lenta, mas progressiva. Esse processo foi influenciado, em grande parte, pelas conquistas obtidas nos países mais desenvolvidos (A assinatura da Convenção da Biodiversidade é um exemplo desta conquista). Parte da sociedade brasileira, porém, teve um importante papel, ao pressionar os governos etomadores de decisão no sentido de aprovar leis, normas ou diretrizes capazes minimizar ou impedir a execução de programas, planos ou projetos que trouxessem danos ao meio ambiente ou que provocassem reflexos negativos para a saúde humana.
3. GESTÃO AMBIENTAL E CONFLITOS
Como visto, o aparato legal tem sido uma poderosa ferramenta de transformação da sociedade, uma vez que provoca o debate à cerca das limitações, deveres e direitos dos cidadãos em relação ao meio ambiente. Esta, entre outras razões, pode se constituir na base de um novo paradigma que, por seu turno, implicará em um diferente padrão no relacionamento dos seres humanos com a natureza. O estabelecimento de novos procedimentos metodológicos, jurídicos, econômicos ou sociais fortalece as práticas que buscam uma nova forma de administrar o uso dos recursos naturais. A prática da gestão ambiental, configura-se como uma importante forma de estabelecer um relacionamento mais harmônico entre a sociedade e o meio ambiente.
No entanto, a gestão ambiental, como definida anteriormente, depende do objetivo que se busca qualificar ou gerir. De forma mais geral, pode-se dizer que ela é o conjunto de ações que envolvem as políticas públicas, o setor produtivo e a sociedade, visando o uso racional e sustentável dos recursos ambientais, ela engloba ações de caráter político, legal, administrativo, econômico, científico, tecnológico, de geração de informação e de articulação entre estes diferentes níveis de atuação. Entre as principais funções da gestão ambiental destacam-se: o Planejamento, definido como o processo de determinação prévia de ações efetivas da gestão; a Organização, que retrata o estabelecimento de relações formais entre os atores de forma a atingir os objetivos propostos; a Direção que trata do processo de determinar (influenciar) o comportamento dos atores envolvidos (motivação, liderança e comunicação) e o Controle que tem a função de comparar os indicadores de desempenho com os padrões previamente definidos.
Ainda que todas estas funções estejam sendo executadas de forma equilibrada, é necessário que alguns pilares estejam bastante consolidados para que se possa assegurar uma gestão ambiental efetiva. O primeiro pressuposto é a existência de uma legislação ambiental sólida. Nesse aspecto, a legislação ambiental brasileira, tida como avançada, poderia ser a grande base de sustentação. Porém, segundo alguns autores, os entraves na aplicação das leis, bem como a adoção de providências técnicas mais concretas em relação problemas ambientais, são imensos. O segundo pressuposto requer instituições públicas fortalecidas, que permitam a coordenação e a implementação dessa legislação. No entanto, segundo Bursztyn (1994), o desmonte das instituições públicas, provocado após a adoção de políticas neoliberais, especialmente na década de 90, revela profundas fragilidades no setor administrativo brasileiro. O último, tão importante quanto os anteriores, é a legitimidade social, que se traduz em apoio da sociedade. Nesse contexto, nos dias atuais, onde não mais se aplica a simples solução de se mudar um pouco para não modificar o todo, uma parte significativa da sociedade passou a tomar consciência da necessidade de mudanças, como solução para viabilizar sua continuidade. Foi a partir dessa percepção que as principais mudanças foram viabilizadas. Esses avanços fortaleceram os casos de sucesso ocorridos em vários setores. Todavia, apesar das conquistas já alcançadas, a não consolidação dos pressupostos mencionados, aliados à falta de regulação de alguns instrumentos previstos na PNMA, tem causado disputas ou embates entre os atores envolvidos na gestão de determinadas áreas ou regiões. Tais crises geram conflitos de várias matizes.
Pode-se dizer que os conflitos modernos, sobretudo os socioambientais, são inerentes à própria formação do modelo atual da sociedade. A gestão desses conflitos tem se revelado, no Brasil, carente em grupos de excelência formados em facilitação e/ou mediação. A identificação prévia, a discussão e análise dos elementos, bem como a proposição de alternativas negociáveis para conflitos que ocorrem na esfera socioambiental, é um recurso que precisa ser implementado no país. Para tanto, torna-se necessário aprofundar conceitos e dificuldades analíticas, comuns em situações conflituosas, criadas em torno do uso dos recursos naturais.
Como não existe uma diretriz específica de quem deve proceder a busca de soluções negociadas, no Brasil alguns fóruns vêm tratando dos conflitos em diferentes instâncias. Alternativas como a conciliação (negociação, transação), a mediação e a arbitragem vêm se tornando uma prática de resolução extrajudiciais dos conflitos. Esses meios, ainda que sejam considerados ortodoxos, apresentam inúmeras vantagens sobre o tradicional meio jurisdicional público, pois inovam na celeridade e no caráter sigiloso. Por isso, são cada vez mais considerados como meios eficientes para a pacificação social. Segundo Platiau (2001) a conciliação é um meio extrajudicial de solução na qual as próprias partes buscam uma solução. Podem ocorrer três hipóteses: (a desistência, quando uma das partes renuncia à sua pretensão; a submissão onde uma das partes aceita a pretensão alheia e a transação quando há concessões recíprocas, o mais comum). A arbitragem é um meio hetero compositivo de solução em que as partes escolhem um árbitro para resolver o conflito, que poderá ser pautado por limites (cláusula arbitral), sendo que no fim as partes seriam vinculadas em termos ã uma sentença arbitral. Caso as partes não aceitem a sentença, não estariam impedidas de acessarem à justiça. E, por último a autora salienta que a mediação é um meio autocompositivo (não vincula as partes) de solução mais branda. O mediador não pode entrar no mérito da questão, dar sugestões, apontar erros e mostrar com quem está a razão. Ele apenas poderá explicitar objetivamente os fatos que lheforam narrados pelas partes, seus prós e contras, sem com isso tomar partido ou apresentar uma solução, cabendo às partes tal ônus (elaborar o acordo). Pode-se dizer que este procedimento é falho, pois considera somente os aspectos legais envolvidos no conflito. De toda forma tem sido um caminho importante para resolver crises de magnitude menos intensa.
Mas, é importante que se faça uma análise mais aprofundada dos conflitos que afloram nos processos em que alguns instrumentos da gestão ambiental são implementados. Desta forma torna-se possível inserir variáveis consideradas até então subjetivas. Por exemplo, como avaliar a importância de um córrego ou um bosque para um determinado grupo social? Nos processos de avaliação dos impactos ambientais, no licenciamento ambiental ou no zoneamento ecológico-econômico essas informações podem não ser contempladas ou, simplesmente ser desconsideradas, uma vez que não se tem uma forma de avaliar o valor de existência de alguns bens naturais.
Porém, antes de tratar dos conflitos gerados em função da aplicação (ou não) dos instrumentos disponíveis para se efetuar uma gestão ambiental factível, é importante mencionar a visão de Simmel apud Nascimento e Drummond (2002), que menciona que o conflito é uma das formas mais vivas de interação, constituindo um processo de associação. Os fatores responsáveis pela dissociação são o ódio, a inveja, a necessidade, o desejo. O conflito tem como missão resolver estes dualismos divergentes, ele é uma maneira de reconstruir uma unidade perdida, ainda que por meio da destruição de uma das partes envolvidas. O confronto, desta forma, não é patológico mas normal, reunindo o embate entre atores e não entre estruturas ou normas. Não constitui um sinal de falta de integração, mas um elemento vital para a renovação e unidade das sociedades. É parte integrante das relações humanas, da trama social. Nem sempre conduzem à conciliação, podendo por vezes ser responsável pela desagregação. Mas não podem ser negados ou esquecidos. E, sobretudo, não possuem uma conotação negativa, mesmo no senso comum nas sociedades modernas.
Apesar dessa visão, que mostra que as crises são inerentes à própria conformação da sociedade, neste trabalho os conflitos abordados serão tratados como embates que demandam soluções negociadas de forma a viabilizar uma gestão mais harmônica dos recursos em disputa. Assim, o entendimento de que algumas variáveis estão atreladas às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais, intrínsecas à conjuntura na qual os conflitos se desenvolvem, demanda uma abordagem integrada dessas variáveis.
O arranjo das políticas públicas utilizadas como vetor para a construção de estratégias de futuro devem, portanto, estar em sintonia com os imperativos do desenvolvimento, em bases mais sustentáveis e coerentes. No caso dos conflitos, que envolvem disputas de natureza socioeconômica e ambiental, é importante que não se perca a noção de que tais conflitos não se resolvem por meio de procedimentos “binários” (bem x mal; heróis x vilões; legal x ilegal; formal x informal) e, sim, de que é necessário propor uma situação onde não haja perdedores e ganhadores, mas a busca de um ponto intermediário (THEODORO et. ALII, 2002).
Um dos elementos mais importantes, no contexto de uma negociação, é o reconhecimento das interconexões, ou inter-relações, entre as dimensões econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas. A emergência de atores e de situações, antes desconsideradas, e de temas ligados à sustentabilidade, requerem, assim, novas dinâmicas que poderão desencadear práticas ou soluções que atendam à demanda dos diferentes grupos sociais (atores) envolvidos. Para tanto, torna-se fundamental que exista uma postura de relações horizontais, as quais devem promover, entre outras coisas, a participação na tomada de decisões. Se esta medida tornar-se um dos princípios norteadores, os benefícios no médio e no longo prazos, por certo, construirão novos consensos no uso dos recursos naturais.
Para Kakabadse (2002) existem fundamentalmente dois tipos de conflitos: os conflitos potenciais, onde as situações mostram a possibilidade de confronto eminente e os conflitos manifestos, onde existem atores conscientes da possibilidade do confronto, mas que tomam medidas de defesa de seus interesses. Em ambos os casos a possibilidade de diálogo entre as partes é restrita.
Na grande maioria dos casos, conforme enunciam Nascimento e Drummond (2001), existem quatro elementos centrais que devem ser considerados quando se analisa um conflito:
Os atores: indivíduos, grupos, organizações ou Estados que têm identidade própria, reconhecimento social e capacidade de modificar seu contexto, não se esquecendo que estes são movidos por interesses, valores e percepções que são próprias a cada um;
A natureza: os conflitos têm natureza diferente, por isso eles podem ser de natureza econômica, política, ambiental, doméstica, internacional ou psíquica, entre outras.
Os objetos: sempre escassos ou vistos como tais podem ser material ou simbólico, profano ou sagrado, público ou privado, e assim por diante.
As dinâmicas: cada conflito, segundo ua natureza, tem uma história própria, uma forma de evoluir, conhecendo períodos mais ou menos intensos, mais ou menos rápido.
Assim é que, em muitos conflitos gerados em torno da disputa pelo uso de determinados recursos naturais, ocorre uma trama entre os atores, com dinâmicas que precisam ser contextualizadas, uma vez que envolvem aspectos históricos, culturais e éticos, muitas vezes submersos ou invisíveis. Por exemplo, a fluidez temporal das alianças entre os diferentes atores, gera situações de grande complexidade e volatilidade. Os recortes podem ser surpreendentes dependendo do momento em que se analisam determinadas situações.
No campo da ação política, por exemplo, como salienta Little (2001), o tema dos conflitos socioambientais é centrado na problemática da resolução por meio da implementação de políticas públicas e de diversas estratégias e de táticas políticas. A complexibilidade nesses casos é seguramente maior em função da profundidade das divergências. Eliminar ou resolver as divergências que deram origem à crise, de forma pacífica ou consensual, é uma tarefa que exige a aplicação e a aceitação de novos conceitos e teorias. Seria quase a instalação de novos paradigmas, ou de realidades mais complexas. Assim, em função da lentidão em que se processam os entendimentos, é mais prático falar em mediação, em lugar de resolução.
Para Nascimento & Drummond (2002) uma das explicações para a complexidade é que, em tese e em termos práticos, todos os membros da sociedade se “conectam” com a natureza, ou seja, todos dependem da natureza, mesmo que não tenham consciência disso nem se mobilizem a respeito. Em outras palavras, o conjunto das questões ambientais envolve todos os indivíduos e atores, multiplicando a dificuldade do seu enquadramento institucional e da sua resolução. Outra explicação é que os problemas ambientais desafiam a distinção clássica feita no mundo ocidental entre o privado e o público. Embora as iniciativas individuais geralmente desencadeiem tais problemas, eles raramente são passíveis de resolução individualizada, no âmbito da espontaneidade do mercado. Ao contrário, a sua resolução quase sempre exige formas complexas, inovadoras e duradouras de ação coletiva, como leis, regulamentos, agências públicas especializadas, organizações dos cidadãos, mecanismos participativos, saber científico sólido e atualizado, esquemas de monitoramento etc.
A complexibilidade dos conflitos gerados em torno do uso de um determinado recurso, principalmente quando envolve relações de poderes desiguais (companhias petrolíferas x comunidades tradicionais, latifundiários x agricultores sem-terra, índios x garimpeiros, comunidades de remanescentes de quilombos x empresas) é um desafio constante, pois cada caso apresenta especificidades próprias, tanto espaciais, quanto temporais. Em alguns casos, o fortalecimento das fragilidades é um caminho para consolidar o respeito mútuo. O desfio maior para se alcançar uma gestão eficiente, em que todos os atores e o meio ambiente sejam contemplados, pelo menos em parte, significa implementar um modelo de racionalidade, sustentado na observação dos direitos humanos e naturais difusos.
Os instrumentos, sejam eles econômicos ou legais, palpáveis ou subjetivos e que hoje estão disponíveis para se efetuar uma gestão ambiental equilibrada e justa, constituem-se como importantes ferramentas para a resolução, mediação ou facilitação de conflitos, onde o(s) objeto(s) da disputa envolve(m) a sociedade e o uso dos recursos naturais. TodTodos, no entanto, necessitam de complementação de práticas, nem sempre óbvias.
A formalização de parcerias que contemplem o uso dos instrumentos legais, e de outras técnicas menos ortodoxas, viabiliza novos arranjos, que poderão se reverter em conquistas sociais, ambientais, políticas, culturais, éticas e, obviamente, econômicas. Estas dimensões, se integradas e equilibradas, sempre serão consideradas como fundamentais no equilíbrio das sociedades. Ao alcançar este objetivo pode-se inferir que equacionou-se uma parte importante dos conflitos de diversas naturezas e dinâmicas, uma vez que segundo Leff (2001), a percepção da crise ecológica configurou um conceito de ambiente, onde é possível inserir uma nova a visão do desenvolvimento humano, que reintegra os valores e potenciais da natureza, as externalidades sociais, os saberes subjugados e a complexidade.
CONSIDERAÇOES FINAIS
O aparato legal disponível na legislação ambiental brasileira, vem garantindo, nos últimos anos, uma evolução no trato das questões referentes ao uso dos recursos naturais. Os instrumentos disponíveis, especialmente após a implementação da Lei 9.638/81, alterada pela Lei 10.165/00, estão disciplinando as formas de planejamento e implantação dos projetos. Estes mecanismos, de certa forma, favorecem a condução dos processos de gestão ambiental de forma mais integrada. No entanto, como foi exposto ao longo deste trabalho, muita coisa ainda precisa ser feita. O processo de avaliação de impacto ambiental (AIA) e a aplicação de alguns instrumentos como o estudo de impacto ambiental (EIA), o licenciamento ambiental (LA) e o zoneamento ecológico-econômico (ZEE) são fundamentais para amenizar os conflitos provocados pelo uso múltiplo dos recursos naturais.
No entanto é importante destacar que esses instrumentos representam apenas um dos estágios do procedimento que deve ser empregado para se realizar a gestão ambiental. Essa, quando executada de forma estratégica, dentro de um projeto nacional, precisa ser entendida como um conjunto de atividades/procedimentos que visem a integração da área/região ou do recurso de forma que sustentabilidade, em todos os seus níveis, seja o requisito principal. Para tanto, é necessário que nos objetivos do processo, novas formas de condução das crises, sejam perseguidas incessantemente. Para que isso seja possível, é relevante considerar que em um processo de gestão estejam sempre presentes procedimentos de planejamento, de monitoramento e de fiscalização, fundamentados em novos princípios e aspectos, muitas vezes, subjetivos. Com estes procedimentos pode-se praticar a conciliação, a participação e a co-responsabilidade dos vários atores envolvidos, inibindo, assim, a proliferação ou explosão de conflitos socioambientais no país. Com estas medidas fortalece-se a sociedade, o aparato legal e o desenvolvimento em todos as suas dimensões.
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