Insatisfações, Lides, Pretensões E Resistências
Seminário: Insatisfações, Lides, Pretensões E Resistências. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: jovanaingridy • 27/10/2014 • Seminário • 1.609 Palavras (7 Páginas) • 214 Visualizações
Insatisfações, lides, pretensões e resistências
Lúcio Delfino
Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP;
Professor dos Cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE-MG;
Membro do Conselho Fiscal do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON);
Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais;
Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil;
Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual;
Advogado.
1. A manutenção da vida em sociedade exige a imposição e a prática de restrições. E isso porque mesmo sendo o homem um ser racional, cujo inconsciente impõe-lhe a necessidade de agregar-se aos seus semelhantes, sua natureza, não raramente, prega-lhe peças, inserindo-o num contexto caracterizado pela conflituosidade. As imperfeições humanas e os desvios de caráter, frequentemente impulsionam as pessoas a agirem de modo contrário à ordem jurídica, intentadas a fazer imperar seus interesses em prejuízo de outros, incitando o surgimento de conflitos altamente prejudiciais à própria fisiologia do organismo social.
E os conflitos de interesses possuem forma variável, apresentando novéis contornos em conformidade com o desenvolvimento (social, econômico, cultural, político e tecnológico) da sociedade. Se outrora, por exemplo, prevaleciam os choques de interesses envolvendo indivíduos (ou grupos deles) perfeitamente identificáveis, na atualidade despontam-se aqueles de natureza transindividual (ou supraindividual), em que os titulares, muitas vezes, são pessoas indetermináveis, ligadas por circunstâncias de fato, ou vinculadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base.
2. Constantemente a doutrina faz referência às imperfeições e conflitos de interesses. Mas é escorreito tomar essas expressões como se sinônimas fossem, dois modos diversos de se referir a um mesmo fenômeno?
Por igual, é comum menções acerca das pretensões e resistências. E qual é o real significado desses termos segundo a corrente doutrinária majoritária?
Sem maiores pretensões, este sucinto ensaio tem o objetivo, único e despretensioso, de solver essas questões, cujo interesse é imediato àqueles que pretendam enveredar-se no estudo da teoria geral do processo.
3. As insatisfações denotam um estado de espírito, caracterizado pelo descontentamento causado por situações fáticas contrárias aos interesses daquele(s) que os alimentam em seu ânimo. Elas efetivamente podem produzir conflitos de interesses. Podem produzi-los, mas nem sempre são responsáveis por tal resultado. Afinal, estar-se-á tratando de um conceito carregado de elevado subjetivismo, que ao Direito apenas irá representar algo de importância depois que ceder lugar a uma pretensão, ao desejo já materializado de agir em prol de interesses próprios.
Adiante-se já aqui: não se perca de vista que a idéia de intersubjetividade também integra a essência do conceito de lide (conflito intersubjetivo de interesses), pois o conflito apenas possui valia ao Direito quando envolve interesses de dois ou mais sujeitos. Assim, se alguém se encontra inserido num enfrentamento interno de idéias, portando dúvidas de como proceder, já que seu âmago impõe-lhe várias resistências às possíveis ações a serem realizadas para a satisfação de um determinado ideal, não há, aí, sequer um conflito potencial de interesses.
A insatisfação, então, não é o próprio conflito de interesses, especialmente quando esse último conceito está vinculado à idéia carneluttiana de lide. Surge antes dele; não raras vezes representa o seu germe. Ocorre que esse germe apenas se desenvolve na medida em que uma pretensão surja, atuando de maneira a atingir o objetivo pretendido, como uma locomotiva buscando cumprir pontualmente o trajeto a ela estabelecido.
4. Para Carnelutti, pretensão significa um ato e não um poder; é algo que alguém faz, não que alguém tem; trata-se de uma manifestação, não uma superioridade de vontade. É uma exigência de submissão do interesse alheio ao interesse próprio. Seria o direito subjetivo no seu módulo dinâmico; ou o direito subjetivo em exercício.
De nada adianta José perder sua casa de moradia, por um desmoronamento que a tornou inabitável, tudo por negligência da construtora responsável pela obra, se ele, mesmo aborrecido, permanece apático, prostrado e alimentando esperanças de que tudo será resolvido, por vindoura ajuda divina. Apenas se José tomar iniciativa, diligenciando para socorrer seus interesses, seja apresentando uma reclamação formal ao PROCON (ou a outro órgão competente qualquer), seja informando a construtora de suas intenções, seja, ainda, ajuizando a competente ação de reparação de danos, é que o conflito de interesses poderá surgir.
5. Porém, sob a ótica jurídica, não basta a pretensão para o nascimento de um conflito de interesses (litígio ou lide). Os contornos do conflito de interesses apenas estarão completos com o surgimento da resistência.
Etimologicamente, resistir exprime a idéia de teimar, opor-se; é a qualidade de um corpo que reage contra a ação de outro corpo. Tome-se o exemplo anteriormente utilizado: a insatisfação de José, e a caracterização de sua pretensão destinada a tutelar seus interesses, ainda não são suficientes para deflagrar um conflito de interesses. Esse apenas surgirá em havendo resistência por parte da construtora àquela pretensão suscitada por José. Em tal caso, o desenho do conflito de interesses se mostra completo, colorido com cores contrastantes, mas absolutamente necessárias à sua caracterização.
6. De todo esse raciocínio, surge a noção de lide, caracterizada por um conflito (intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão resistida. É a resistência oposta à pretensão que torna a situação litigiosa; enquanto houver só pretensão, não pode haver lide.
E a lide não é um fenômeno exclusivamente endoprocessual. Muitas vezes, ela surge antes de se acionar a jurisdição, desembocando, apenas numa segunda etapa, no Judiciário, quando, então, sua pacificação, com critérios de justiça, será perseguida pelo Estado-juiz.
Daí já se percebe o equívoco de se tomar a lide como sinônimo de processo. A lide não é o processo; este apenas traduz a lide
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