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Melhor Oscar de Imagem

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Por:   •  23/2/2015  •  Tese  •  1.541 Palavras (7 Páginas)  •  179 Visualizações

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O (bom) cinema quer ser retrato do mundo contemporâneo. Por sua natureza, interdisciplinaridade e alcance, é a arte mais bem-sucedida no propósito de levar ao grande público, mais do que algumas horas de distração e entretenimento, um exercício de autorreflexão sobre os temas diversos e dispersos em determinados contextos. Goste-se ou não, ninguém leva esse exercício mais a sério do que os Estados Unidos. A festa do Oscar, portanto, não é apenas uma festa de premiação: é a chance de testemunhar a forma com que o país lida (ou não) com as suas próprias feridas.

Não é por acaso que nas pontas das oito produções indicadas ao Oscar de Melhor Filme em 2015 estejam dois protótipos de heróis americanos. Um é Martin Luther King, pastor protestante e ativista do movimento negro interpretado por David Oyelowo na cinebiografia “Selma”, de Ava DuVernay.

O filme conta os bastidores da cinquentenária marcha de Selma a Montgomerry, no Alabama, quando centenas de pessoas protestavam pelo direito ao voto sem restrições nos EUA. A marcha aconteceu quase um século após o fim da escravidão no país, e o filme é exibido no momento em que os americanos estão nas ruas, a partir de Ferguson, em protesto contra o abuso policial contra a população negra. Antes, como agora, a luta é sobretudo política – ganha ou perde musculatura quem articular um cálculo delicado entre o apelo por justiça, a disposição para negociar, o uso da violência e a visibilidade dos meios de comunicação. Nada mais atual, portanto - como é atual o espelho colocado diante da sociedade americana por Clint Eastwood em “Sniper Americano”, a outra ponta de outro mito do herói.

Se o primeiro expõe as feridas de chagas históricas não devidamente cicatrizadas no interior de um país de vocação expansionista, o outro trata a chamada “guerra ao terror” como um imperativo moral. Curioso que este mito tenha mobilizado tantos espectadores justamente por quem, no início dos anos 1990, decretou a morte de outro mito: o herói do Oeste. Com “Os Imperdoáveis”, vencedor do Oscar de 1993, o diretor Clint Eastwood, então marcado como ator de faroeste, expôs com uma melancolia única as fragilidades do heroi fordiano, que levava ao Oeste não o desenvolvimento econômico, mas a sua vocação civilizatória. Este heroi, mostrou, era quase um fantasma, cercado por parceiros míopes e entregues aos sentimentos menos virtuosos: a vingança, a violência, a intolerância, a incapacidade de dialogar – e perdoar, portanto. Com “Sniper Americano”, Eastwood “desamadurece”: ele, que desmistificara o herói do Oeste, o recria a Leste, mais precisamente no mundo árabe, onde o mito americano imagina levar não mais a civilização aos povos bárbaros indígenas, mas a suposta liberdade, agora nomeada como democracia. Os dois projetos expansionistas têm em seus mecanismos os mesmos motores: a guerra, a farsa e a destruição.

A diferença é que este genocida, em “Sniper”, é tratado como Ulisses em sua Odisseia, e não como o sujeito transformado em máquina que se expõe e se desumaniza conforme a invasão americana ao Iraque se desmistifica por sua própria realidade. O filme em nenhum momento questiona o que os americanos faziam lá. Apenas recicla o imperativo moral do caubói, desta vez interpretado por Bradley Cooper. Eastwood criou, dessa maneira, uma espécie de Tropa de Elite americano. Ali, temos um servidor incorruptível e convicto da missão e um outro lado que precisa ser eliminado, ainda que seja composto por crianças e mulheres. Esta disposição, tanto num filme como no outro, muda conforme o Capitão Nascimento da vez se vê no papel de pai.

O drama do soldado que volta para casa, no entanto, é um drama superficial, a exemplo do pai do personagem que, à mesa, ensina haver no mundo três tipos de pessoas (apenas três, tá?): os lobos, os cordeiros e os cães pastores. A estes é concedido o direito de proteger os primeiros, incapazes de se defender dos segundos. Ainda que este direito seja construído a partir de uma ficção: a busca por armas químicas inexistentes. Para Eastewood, pouco importa: a ficção dá a este heroi uma espécie de divindade. É ele quem decide, em segundos, quem deve ou não seguir vivo. No campo de batalhas, é ele, e não Deus, quem tem o poder sobre os outros homens, mais ou menos como buscava Stephen Hawkings ao propor a sua Teoria de Tudo – uma cosmologia sem deuses – ou o matemático Alan Turing, de O Jogo da Imitação, ao obter o que nenhum homem comum, com o qual havia dificuldades de relacionamento, havia conseguido: a eternidade por meio da máquina e sua inteligência artificial. A máquina, mais tarde conhecida como computador, não só encurtou a Segunda Guerra (pano de fundo também de O Grande Hotel Budapeste, outra história sobre o perfeccionismo de seu protagonista) em pelo menos dois anos, como deu a seu criador uma condição divida: escolher quem poderia ou não morrer.

Neste mundo não mediado por qualquer entidade divina, em que os destinos humanos são definidos em campos de concentração ou lançamentos da bomba H, o homem é a medida de todas as coisas, ainda que em nome de Deus, como em Timbuktu. É este também o mundo herdado pelos personagens do argentino Relatos Selvagens e do russo Leviatã, dois dos mais aclamados concorrentes a melhor filme estrangeiro. No primeiro, uma cena define o impasse da civilização atual: sozinhos em uma beira de estrada, longe do alcance do Estado ou da seguradora, dois homens provocados buscam, em vão, chegar a um acordo para evitar o extermínio um do outro. Saltam, de mãos dadas, ao processo de involução, quando os símios descobrem nos ossos de seus pares as ferramentas do domínio e da autodestruição. É uma forma curiosa de fundar a civilização. A mesma inexistência de medicação está espalhada em Leviatã, obra-prima de Andrey Zvyagintsev sobre a Rússia pós-URSS: um cemitério de ossos e vozes alteradas onde a política, com as bênçãos da igreja local, se une ao capital, às leis e às forças de segurança para atropelar quem se impõe aos seus domínios. No filme há pelo menos uma cena antológica: o tom monocórdico e acelerado de uma juíza para decretar um destino humano – e a falência da humanidade por suas próprias instituições.

Ainda sobre o mito americano (e universal?) estão os dois favoritos da noite. Birdman, dirigido pelo mexicano Alejandro Gonzalez Iñarritu, e Boyhood, de Richard Linklater. Um retoma o drama do artista contemporâneo, e, em parte, do próprio cinema, com a personificação do meio-fio entre o heroi que diverte/entretém e o heroi que provoca por meio da Grande Arte. Um quer ser amado e outro admirado, mas o caminho de uma ponta a outra está sedimentado em uma pista construída com vaidade, ego, autoengano, traição, desencanto, ilusionismo e perda de referência com o mundo real. O ambiente labiríntico, sem cortes aparente de cenas, e com as noções de tempo e espaço transgredidas, transforma Birdman em um dos pontos altos da história recente do cinema, o que não é pouca coisa. O mesmo acontece com Boyhood e a capacidade de Linklater e seus atores de manusearem o tempo a seu favor, como já havia acontecido na trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Entardecer e Antes da Meia-Noite, retomados a cada década.

Filmado ao longo de 12 anos, período em que seu protagonista deixa de ser criança e se torna um adolescente, Boyhood, querendo ou não, é um terreno das questões que nos acompanham ao longo da vida. O que é um homem? O que nos torna adultos? Quais os estragos do tempo? Quais suas bênçãos? O que foi feito de nós? O que acontece enquanto fazemos nossos planos? Em 12 anos, ou 3 horas de filme, podemos sentir, mesmo sem perceber, a passagem implacável do que chamamos existência. De novo: não é pouco.

Como não é pouco o esforço do baterista de Whiplash em busca da perfeição, uma construção arbitrária estabelecida num ponto obscuro entre a vaidade e a vocação do líder moderno (e ultrapassado): o professor do principal conservatório dos EUA. A elevação é o caminho para a autodestruição, esta uma consequência das escolhas diárias entre viver e ter foco, colocadas diariamente pelos mais diversos métodos motivacionais. Mas por que tememos tanto o fracasso? Para onde seguimos? Aonde queremos chegar? E do que vale caminhar se na linha de chegada estaremos todos sozinhos?

As perguntas podem não ser respondidas de forma adequada em poucas horas de sessão, mas estão colocadas. Outras estão nas entrelinhas. Por exemplo: não é curioso que, dos oito indicados ao Oscar principal, seis sejam baseados em biografias ou fatos reais? O que isso diz sobre nossos encantos e desencantos com o imaginário? As histórias inverossímeis precisam ser reais para existirem? Mais: Em nenhum dos oito selecionados a mulher é protagonista. Na lista dos melhores filmes do ano, elas são retratadas como “grandes mulheres atrás de grandes homens”, inclusive a mãe paciente em busca do pai adequado em Boyhood.

A elas restou um prêmio de consolação: o de melhor atriz. Das cinco indicadas, apenas uma, Felicity Jones, de A Teoria de Tudo, estrelou um candidato a melhor filme. Os outros, de protagonistas femininas, foram considerados marginais na disputa. Isso diz muito sobre muito: nos filmes, na Academia e nos temas levados à tela, o macho adulto branco está sempre no comando. Até quando? �]��

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