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Que Raio De Professora Sou Eu?

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Por:   •  31/5/2014  •  1.550 Palavras (7 Páginas)  •  333 Visualizações

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Que raio de professora sou eu?

Fanny Abramovich

Vira e mexe reprisam, na TV, um filme muito bonito e sensível.O Conrak, com o John Voight no papel principal.

É a história de um professor. Que vai trabalhar com as crianças mais carentes, mais assustadas, mais analfabetas, mais medrosas de que já se ouviu falar... E isso, em pleno Estados Unidos, nos anos 70. Num estado do sul. Espantosa a pobreza e a ignorância. Das crianças, das famílias, da diretora da escola.

O trabalho que o Conrak faz é comovente. Vai com tudo. De um modo sensível, paciente, humorado. Brinca, leva as crianças pra praia e pro mato, ensina em cima das árvores, corre e salta, inventa canções e ritmos, fala sobre qualquer assunto. Vai na das crianças. Com elas. Por elas. Começa e recomeça. Um montão de vezes... Atento, atento. Ao novo, ao desconhecido, aos preconceitos, à discriminação.

Ele é dedicado, mas é despedido. Mandado embora porque não corresponde aos interesses dos brancos-classe-média-que- mandam-nas-inspetorias-de-ensino-dos-mundinhos-medíocres... O que fica, do que fez, no coração e na mente, nos olhos e ouvidos das crianças é o fundamental. Entenderam. Valeu pra elas. Arrepiantemente bonito!

Choro sempre que vejo este filme. Choro mansinho. De emoção, não de desespero. Me comove.

Hoje foi diferente. Senti saudades de um tempo em que acreditava que valia a pena me jogar num trabalho. Por inteira, Agora, ando acomodada. Medrosa. Em vez de ir pra frente, sinto que you pra trás... E qual é o sentido de querer ensinar, de querer abrir cabeças, se a minha está fechada? Seguindo só o certo e o conhecido... Fico com inveja do Conrak destemido e despedido. Pra ele, valeu. Pros seus alunos também. E para os meus? Será que valerá? Duvido... É bom quando consigo me questionar. Ir mais fundo. Mesmo sabendo que ando inútil, me sinto viva.

(...)

Fui chamada pela coordenadora. Intimação urgente. Corri para a sua sala. Mal me cumprimentou. Formal, rígida, dura. Perguntou sobre minhas aulas. No melhor estilo de uma arguição oral. Me senti como uma aluna sendo examinada. Tremendo nas bases. Perguntou sobre a verificação dos questionários e exercícios. Respondi que trabalho com perguntas abertas. Nada de apontar o "verdadeiro" e o "falso".

Fechou a cara. Quis saber como avalio o uso dos conceitos. Disse que tinha minhas dúvidas sobre a correção de certos conceitos. Olhou a sua ficha. Devagar. Fui ficando nervosa. Ela testando a minha resistência. Olhei. Desviou o olhar. Fiquei sem ar. A pausa continuou. Por séculos. Interminável.

Falou. Que não tinha gostado do meu relatório. Nada mesmo. Que vários pais já tinham reclamado. Dado queixas sobre minhas aulas. E mais. Tínhamos um método comum de avaliação. Pra ser seguido a respeitado. Passo a passo. Item por item.

Esbravejei. Disse que não concordava com o método imposto pela escola e que não estava gostando de sua cobrança. Que viesse ver o que acontecia com meus alunos. Com seus próprios e sábios olhos e boca. Conferisse no real. Nas salas. Podíamos discutir meus critérios quando quisesse. Mas sem prévios julgamentos apoiados em fofocas e na ignorância de pais que acham que História é uma sucessão de datas e nomes empolados.

Ficou fula. Fiquei fula. Me dispensou. Anotou coisas em sua preciosa ficha. Provavelmente horrores sobre a minha pessoa e a minha pedagogia. Saí batendo a porta. Rodando a baiana. Respirei fundo. Fui me acalmando.

Entrei na classe. 0 primeiro aluno que fez uma gracinha foi convidado a responder a uma arguição oral. Na hora. Me olhou com ódio. Respondeu tudo. Dei nota bem mais baixa do que merecia.

Saí da escola abobalhada. Comigo. Com minhas dificuldades com a autoridade: Não a aceito quando vem em cima de mim. E descarrego nos alunos. Igualzinho. De cima pra baixo. Sem pensar. Só pra me afirmar. Ela ameaçou me suspender, despedir... Eu ameacei reprovar, pôr pra recuperação. Eu fechei a cara pra ela a me defendi. Sabendo dos meus objetivos pedagógicos. 0 aluno fechou a cara pra mim e se defendeu. Sabendo a matéria. Igualzinho. Em degraus da escada. Que vergonha... Repetir comportamentos absurdos como forma de afirmação. Como vingança. Descontando num guri de doze anos. Que raio de professora eu sou???

Vou ter que pensar em tudo isso. Muito bem pensado.

Preciso aprender a me abrir pra uma discussão. Não ir jogando pedras em quem me questiona. E pior. Não pelo questionamento em si. Muito mais pelo posto do perguntador, que faz com que o veja como juiz da Santa Inquisição. E eu, como ré. Ridículo.

Poderia ter falado com a coordenadora. Nem tentei. Não expliquei nada. Só disputei no braço-de-ferro. E perdi as duas brigas. Com ela e com o aluno. Pra mim, na minha autoavaliação, estou reprovada.

(...)

Estou mexida. Mexidíssima. Numa linda!

Encontrei num barzinho uma ex-aluna. Lídia. TrabaIhei com ela um bom tempo. E faz tempo... Tanto, que já está terminando a faculdade. Quase cai de susto. Está cursando História. Aí, caí de susto mesmo.

Depois dos abraços, dos alôs, dos "lembra de fulano", "tem visto sicrano?" a "nossa, como era divertido naquele tempo", ela olhou bem nos meus olhos. Lá dentro. E disse assinzinho:

- Laura, foi você quem me ensinou a fazer uma análise de um fato e de um texto. Pra valer. Como separar o confuso, descartar o desimportante, mergulhar no fundamental, descobrir as entrelinhas. Foi básico pra mim. Foi não, é. Tem sido, até na faculdade. É assim que analiso.

Fiquei vermelha. E muda. Ela continuou:

- Laura, foi você que me ensinou a duvidar. A não acreditar em qualquer livro nem na primeira opinião. A interrogar sempre. Isto me norteia até hoje.

Fiquei roxa. E continuei muda.

- E tem mais. Se escolhi História, hoje sei que foi por sua causa. Descobri o mundo.

...

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