Trecho O Mundo De Sofia, De Jostein Gaarder
Trabalho Universitário: Trecho O Mundo De Sofia, De Jostein Gaarder. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: amandabbb11 • 16/11/2014 • 1.695 Palavras (7 Páginas) • 364 Visualizações
O JARDIM DO ÉDEN
...afinal de contas, algum dia alguma coisa tinha de ter surgido do nada...
Sofia Amundsen voltava da escola para casa. Percorrera a primeira parte do caminho em companhia de Jorunn, sua colega de classe. Tinham conversado sobre robôs. Jorunn considerava o cérebro humano um computador complicado. Sofia não estava bem certa se concordava com isto. O ser humano não seria algo mais do que uma máquina?
Quando passaram pelo supermercado, cada uma tomou o seu rumo. Sofia morava no final de um bairro extenso, com belas casas, e tinha que andar quase o dobro de Jorunn para voltar da escola. Sua casa parecia ficar no fim do mundo, pois atrás do quintal não havia outras casas, só a floresta.
Dobrou a rua Kløverveien. Bem no fim, a rua formava uma curva fechada, chamada de "a curva do capitão". Só aos sábados e domingos viam-se pessoas por ali.
Era um dos primeiros dias de maio. Em alguns jardins, densas coroas de narcisos floriam sob as árvores de frutas. As bétulas pareciam vestidas de finas capas de florescências verdes. Não era curioso como nesta época do ano tudo começava a crescer e a medrar? Como se explicava que quilos e quilos da substância verde das plantas pudessem brotar da terra sem vida quando o tempo ficava mais quente e os últimos resquícios de neve desapareciam?
Sofia olhou a caixa de correio, antes de abrir o portão do jardim. Em geral havia um monte de folhetos de propaganda e alguns envelopes grandes para sua mãe. Sofia costumava colocar toda a correspondência sobre a mesa da cozinha, antes de ir para o seu quarto fazer a lição de casa.
Para o seu pai vinham às vezes só alguns extratos bancários, o que não era de se estranhar, pois afinal de contas ele não era um pai como os outros. O pai de Sofia era capitão de um petroleiro e passava quase todo o ano viajando. Quando voltava para casa por algumas semanas, ficava andando pela casa de chinelos e dedicava toda a sua atenção a Sofia e a sua mãe. Mas a proximidade desses momentos desaparecia por completo quando ele estava em serviço.
Hoje havia na grande caixa verde de correio apenas uma pequena carta � e ela era para Sofia.
"Sofia Amundsen", estava escrito no pequeno envelope. "Kløverveien, 3." Era tudo; não havia remetente. A carta não estava sequer selada.
Assim que Sofia entrou, abriu o envelope. Dentro encontrou apenas uma pequena folha, não maior do que o envelope que a continha. Nela estava escrito: Quem é você?
Nada mais. A mensagem não tinha qualquer fórmula de saudação, tampouco um remetente, só estas três palavras escritas a mão, seguidas de um grande ponto de interrogação. Ela olhou mais uma vez o envelope. Estava certo... a carta era mesmo para ela. Mas quem a teria colocado na caixa de correio? Sofia fechou rapidamente a porta da casa, cuja fachada era pintada de vermelho. Como de costume, o gato Sherekan conseguiu sair furtivamente do meio dos arbustos, saltar sobre o patamar da escada e enfiar-se dentro de casa, antes que Sofia conseguisse fechar a porta.
� Miau, miau, miau!
Quando a mãe de Sofia ficava irritada por algum motivo, ela às vezes dizia que sua casa parecia uma menagerie, isto é, uma espécie de zoológico particular. De fato, Sofia estava muito satisfeita com sua coleção de bichinhos. Primeiro ela ganhou um aquário com peixes ornamentais, a quem deu os nomes de Cachinhos Dourados, Chapeuzinho Vermelho e Peter, o Pretinho. Depois vieram os periquitos Tom e Jerry, a tartaruga Govinda e finalmente Sherekan, um gato malhado. Todos os bichos serviam como uma espécie de indenização por sua mãe sair sempre tão tarde do trabalho e por seu pai ficar viajando tanto pelo mundo.
Sofia jogou a mochila da escola num canto e colocou uma tigela de ração para Sherekan. Depois, segurando a carta misteriosa, largou o corpo sobre um banquinho da cozinha.
Quem é você?
Se ela soubesse! É claro que ela era Sofia Amundsen, mas quem era esta pessoa? Isto ela ainda não tinha descoberto direito.
E se tivesse outro nome? Anne Knutsen, por exemplo. Será que só por isso seria também uma outra pessoa?
De repente lembrou-se de que no começo seu pai queria que ela se chamasse Synnøve Amundsen. Sofia tentou imaginar-se estendendo a mão e apresentando-se como Synnøve Amundsen. Não, não dava. Toda vez que pensava nisso imaginava sempre outra pessoa.
Então saltou do banquinho e foi para o banheiro com a carta misteriosa na mão. Parou diante do espelho e olhou-se fixamente nos olhos.
� Sou Sofia Amundsen � disse.
Como resposta, a garota do espelho não teve a menor reação. Não importava o que Sofia fizesse, ela fazia a mesma coisa. Com um movimento rápido, Sofia tentou se antecipar à imagem do espelho; mas ela foi igualmente rápida.
� Quem é você? � perguntou Sofia.
Também desta vez não recebeu qualquer resposta; por um breve instante, porém, não teve certeza de ter sido ela ou sua imagem no espelho quem tinha feito a pergunta. Com o dedo indicador, Sofia apertou o nariz da figura do espelho e disse: � Você sou eu. E como não recebeu qualquer resposta, inverteu a sentença e disse:
� Eu sou você.
Sofia Amundsen nunca estava muito satisfeita com sua aparência. Com freqüência ouvia que tinha lindos olhos amendoados, mas provavelmente lhe diziam isto porque seu nariz era pequeno demais em relação ao tamanho da boca. O pior de tudo eram mesmo os cabelos lisos, que não tomavam forma nenhuma. Às vezes seu pai lhe acariciava os cabelos e a chamava de "a garota dos cabelos de linho", parodiando uma composição de Claude Debussy. Para ele era fácil dizer isto; afinal, não era ele quem estava condenado a carregar a vida inteira cabelos pretos e escorridos de tão lisos. E nos cabelos de Sofia não adiantava passar nada, nem spray, nem gel.
Às vezes ela achava sua aparência tão estranha que se perguntava se não teria sido um bebê malformado. Sua mãe sempre contara que tivera um parto difícil. Mas será que era mesmo o nascimento que determinava a aparência de uma pessoa?
Não era um tanto esquisito ela não saber quem era? E também não era uma injustiça
...