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Braque e Picasso

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Por:   •  14/8/2013  •  Resenha  •  4.284 Palavras (18 Páginas)  •  463 Visualizações

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A colagem foi desenvolvida por Braque e Picasso em torno de 1911, no final da primeira fase do cubismo, dita "analítica". Ela é justamente considerada como um dos achados mais relevantes da arte moderna e como um elemento central do cubismo. Nessa condição, a colagem é objeto de interpretações variadas. Para o crítico norte-americano Clement Greenberg (1909-1994), a colagem interrompe a sintaxe cubista do período analítico, estruturada à base de planos paralelos à superfície. Ao implicar materiais e elementos não estritamente pictóricos como papel-jornal, areia, linhas etc., a colagem romperia com o primado da interação simbiótica entre o ótico e o mental, que vinha se afirmando desde o início do modernismo como essencial na pintura.

Para Giulio Carlo Argan (1909-92), por outro lado, a colagem assinala, no cubismo, uma inflexão materialista, rica em conseqüências. Nesta última perspectiva, pode-se examinar o recurso da colagem à luz da ambição de Cézanne e dos cubistas, de atualização do poder mimético das artes visuais. E, a partir daí, como um dos casos paradigmáticos em que a arte moderna rompe com a estética da contemplação, de extração kantiana, para optar, ao invés do "ótico", pelo viés do "tátil", na acepção de Walter Benjamin.

Se admitirmos a noção de montagem como articulação entre elementos descontínuos, qual a relação entre peças de uma engrenagem, poderemos considerar que algo de uma montagem já se apresenta em "Le Déjeuner sur l'Herbe" (1863), de Manet (1832-83).

O seu tema, dois burgueses e duas figuras femininas num bosque, soma empréstimos de duas obras da tradição: "O Julgamento de Páris", de Rafael (1483-1520),1 e o "Concerto Campestre", de Giorgione (1476/8-1510).2 Mas seu tratamento, em contraste com a harmonia do classicismo de Rafael e do tonalismo de Giorgione, comporta várias dissonâncias, a saber: ausência de transição entre luz e sombra, estabelecimento de zonas cromáticas opostas etc., sem falar no teor absurdo da cena: dois burgueses engravatados conversando, sentados na relva, ao lado de uma mulher no esplendor da nudez, como se nada houvesse. Ao fundo, outra figura de mulher, destacada das três figuras à frente, reforça a incongruência.

Em síntese, quebra-se assim a unidade pictórica, porque as partes são elaboradas como se situadas em telas distintas.

Analogamente, na "Olympia" (1863) (uma reinterpretação da "Vênus de Urbino", de 1538, de Ticiano, nos Uffizzi), há um conjunto cujo eixo dominante é bem escuro (dado pelo fundo grená e verde, a criada negra e o gato). E há outro conjunto (dado pelo corpo nu, os lençóis e o vestido da criada) cujo eixo dominante são as cores claras (tons brancos, cremes e rosas), de tonalidades desconexas, apresentando a relação inédita e dissonante de um tom claro com outro tom claro. Além disto, o olhar e a pintura de Manet, como ingredientes de um banho químico, trazem à luz a opacidade do branco e a luminosidade do preto. No todo, resulta da atomização das partes e do anti-tonalismo o fracionamento da unidade da luz, quebrando a harmonia tonal da obra de Ticiano.

Desse modo, não apenas na reinterpretação de modelos da história da arte, mas no âmago de suas próprias obras, a busca de Manet leva ao conflito sem meios-termos. O papel fundamental das relações antitéticas na arte de Manet é denominado por Francastel (1900-70) de "princípio da oposição violenta".3

Admitindo-se o "princípio da oposição violenta", ou a descontinuidade como princípio estrutural deste quadro, e, logo, a opção de pensá-lo como uma montagem, explica-se, como mera lógica do procedimento, o aparente nonsense temático. Admitido o teor descontínuo da montagem, concebe-se o quadro ao modo de uma colagem avant la lettre e explica-se a falta de organicidade das partes, que tanto escândalo levantou, na época, em torno da pintura de Manet.

A constatação da indiferença recíproca entre as personagens pode, inclusive, ser estendida, mediante um exame mais acurado, aos olhares e atitudes dos quatro, observando-se então a ausência generalizada de inter-relações. Em suma, no âmbito das operações pictóricas de Manet, o isolamento de cada termo é afirmado. Para o gosto formado no classicismo, é o que se pode chamar de anti-arte.

Analogamente, observa-se a cisão da relação, pictoricamente nuclear, entre figura e fundo em várias outras telas de Manet, como; por exemplo "Le Fifre" ("O Tocador de Pífaro", 1866), na qual a figura do menino destaca-se do fundo.

Enfim, a obra de Manet atenta de vários modos contra o dogma da unidade pictórica, isto é, contra a alma da coisa criada. E, entre todos os atentados que comete, vale insistir, pelo alcance histórico, naquele contra a unidade da luz, unidade esta que era um legado do "luminismo" de Caravaggio (1571-1610) e Rembrandt (1606-69).

O luminismo, desenvolvido no arco que vai de Caravaggio até a pintura do sublime, no século XIX, ligava-se à idéia de alma como substância ou natureza pensante.

Deste modo, com Manet, ou com o princípio de oposição violenta, abrese a era da pintura materialista, da qual a colagem será um momento significativo e até, segundo parece a Argan, emblematicamente revolucionário.

Entrementes, a pintura clara (fundada na relação sem profundidade do claro com o claro - um dos desdobramentos da "Olympia" logo adotado por Monet (1840-1926) em "Femmes au Jardin", 1867) promove um processo analítico em torno dos valores pictóricos e, entre outras coisas que os modernos desenvolverão, acabará levando à negação da cor local (a cor verossímil ou em si do objeto, independente das relações de luz e sombra), como ainda levará, depois, ao aumento de potência da cor.

Ainda em Manet, "Le Balcon" ("O Balcão", 1868-9) estrutura-se segundo o mesmo princípio de oposição violenta e tem também outra novidade análoga: uma modificação abrupta no ângulo do enquadramento. Com este choque, o ponto de vista do espectador perde sua orientação fundamental, dada pela relação frontal com o ponto de fuga (o ponto cêntrico, como queria Leon Battista Alberti (1404-72), deveria ser estabelecido mantendo-se uma distância, com relação ao limite inferior do quadro, equivalente à representação da altura de um homem),4 posição tradicional que lhe descortinava, ao fundo, a linha do horizonte e o céu - portanto, permitindo situar as figuras em face da infinitude e da transcendência.

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