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O Palco Principiou A Narrar

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Por:   •  27/2/2015  •  2.616 Palavras (11 Páginas)  •  240 Visualizações

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“O PALCO PRINCIPIOU A NARRAR”

A TENDÊNCIA NARRATIVIZADORA DO DRAMA NO TEATRO CONTEMPORÂNEO

É inegável a existência de uma forte tendência narrativizadora do drama no teatro contemporâneo. E para compreender essa afirmação é necessário alcançar a importância dessa narrativização, analisando definições, discursos e modos de organização do narrativo, bem como sua enunciação, o modo como se apresenta e sua temporalidade.

A narração é o ato de contar algo e supõe uma seqüência de acontecimentos em um determinado tempo e espaço, fabricando imagens e ações. A narração, por vezes, explica, descreve ou complementa o que está sendo mostrado.

Este gênero, sinônimo de história, surgiu ainda nos tempos primitivos, quando os homens contavam, ou seja, narravam suas próprias experiências, ou de outros, mesmo sem a utilização de palavras, mas se manifestando através de gestos, desenhos, sons. Partindo desse princípio, pode-se também identificar o surgimento dos primeiros espectadores, assim como dos primeiros personagens, participantes da história, localizados, conseqüentemente, num determinado tempo e espaço. Portanto, o teatro, como aponta Margot Berthold, é tão velho quanto a humanidade. Conclui-se, então, que já ali encenavam a vida.

Esta questão pode ser, de início, analisada nos primórdios do teatro, já que a narrativa, seja oral ou escrita, é a mais antiga das manifestações literárias como foi acima sugerido. Esse autor épico evoluiu e atravessou tempos e civilizações até dar origem a epopéias como as de Homero.

A história mítica, transmitida pelos povos, oferecia o material para a feitura da obra teatral, concretizada através da junção de ações, seleção e disposição dos acontecimentos. A fonte literária na qual o poeta se baseava para a construção de uma obra trágica foi, portanto, designada como mythos. A fábula, segundo Aristóteles, é o princípio e como que a alma da tragédia, e está diretamente ligada a ação dramática. E foi nesses meios que o teatro alcançou sua máxima e extrema importância na Grécia.

Aristóteles foi o responsável por separar estruturalmente as formas de se narrar uma fábula, dividindo-as, como se sabe, em épicas e dramáticas e instituiu para isso regras e definições.

O teatro épico é um gênero de teatro que narra a ação ao invés de inseri-la nos diálogos diretos. Esta narração se manifesta através de cenas de relato, intervenções do narrador, do mensageiro, entre outras formas. No teatro grego, o coro, por exemplo, era o responsável por comentar os acontecimentos passados e futuros. No gênero épico esta voz, a do narrador, tem a função de comentar, analisar e criticar as personagens e suas ações. O autor se manifesta na estrutura da peça através, por exemplo, dos prólogos, esclarecendo ou explicando a trama. Este dramaturgo reflete a essência do seu pensamento e se dirige ao público com observações, esclarecimentos, opiniões, críticas e apelos através da voz dos atores, já que, por dedução, o que leva um autor a escrever uma peça é a exposição de seu ponto de vista.

A epopéia, assim, passa a ser um ponto de partida para a origem de estruturas como contos e romances que se dedicam, geralmente, ao tempo em que vivem, contemporâneos aos seus próprios assuntos.

Ao longo dos tempos o palco adotou formas dramáticas de representação que aboliram a narração. O espaço para o narrador se tornou extremamente limitado. A narração se converteu em ação e a relação autor e personagem, no processo de evolução do teatro ocidental, resultou num conflito que acabou por ocultar a voz do narrador, pois este último se incorporou e se fundiu nas falas das próprias personagens. Não foi mais possível, portanto, identificar e separar esta voz.

Patrice Pavis explica que a narrativa existe se as informações trazidas não estiverem concretamente ligadas à situação cênica, e que o discurso narrado apele para o lado crítico e racional do espectador e não para a representação cênica real do acontecimento. O narrador pode aparecer na figura de um narrador-testemunha, narrador-personagem, ou até mesmo, pura e simplesmente, no papel de narrador, mas este não deve assumir uma importância grande na peça, pois esta poderia perder seu caráter teatral. Mas hoje é fácil perceber que não é bem assim.

Como os diálogos não se bastassem mais para traduzir as contradições da realidade, métodos épicos, fundamentados em processos narrativos, foram adotados, ou resgatados, para representar o novo mundo que surge. A denuncia da subjetividade e da interioridade dos personagens podem, então, ser transmitidas com mais clareza através desses processos épicos, pois, por sua eficiência narrativa, o épico conta, relata e transmite a história, a fábula. A narração direta é quase que natural porque não ficcional, assume a ilusão da cena, sua artificialidade. O teatro contemporâneo narrativo, se assim o desejar, pode abrir mão de diálogos, conflitos e até mesmo de personagens, atingindo um grau de não-dramatização, e nem por isso deixa de ser teatralizado.

O desejo de mudança e de transformação é uma das mais marcantes características do teatro contemporâneo. O espectador pede para ser surpreendido. O herói do romance “A fúria do corpo” de João Gilberto Noll – aproximação da idéia de anti-herói de Brecht – é trazido, por exemplo, diante dos espectadores na encenação da peça “O evangelho segundo Nossa Senhora de Copacabana”, tornando-se objeto de debate e discussão consigo mesmo ou com o próprio espectador, e é posto em questão diante do público.

Na linha narrativa deste romance percebe-se um fluxo verbal, de consciência e de pensamento, quase contínuo, com longos períodos. A narração do romance de Noll passou para o palco através do transporte de trechos selecionados pelo ator-leitor. O espectador foi inserido dentro da encenação que buscou um espaço fora do palco tradicional, explorando e recorrendo a lugares sub-mundos, como, por exemplo, o porão ou o depósito de materiais de um teatro. A voz monologante do personagem-narrador, o reconhecimento de seu mundo, as ações minimalistas, o fluxo de movimentação em constante trânsito, a extrema proximidade entre ator e público, é uma crítica a sua própria percepção de mundo e de realidade. Como se houvesse um mundo anterior a ele, o narrador dá a impressão de que tudo ali é uma invenção de mundo. Através da substituição nos ensaios de palavras profanas por palavras sagradas criou-se também um contraste entre a violência do que era dito e a percepção do que era sentido, ou melhor, o espectador ouve uma coisa,

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