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Bazin - ontologia dell'immagine fotografica - riassunto

Por:   •  2/12/2018  •  Pesquisas Acadêmicas  •  2.601 Palavras (11 Páginas)  •  219 Visualizações

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ONTOLOGIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA

André Bazin[1]*

Uma psicanálise das artes plásticas poderia considerar a prática do embalsamamento como um facto fundamental da sua génese. Na origem da pintura e da escultura encontraria o «complexo» da múmia. A religião egípcia, toda ela orientada para a morte, fazia depender a sobrevivência da perenidade material do corpo. Com isso, satisfazia uma necessidade fundamental da psicologia humana: a defesa contra o tempo. A morte não é senão a vitória do tempo. Fixar artificialmente as aparências carnais do ser é arrancá-lo ao rio da duração: arrumá-lo na vida. Era natural salvar estas aparências na própria realidade do morto, na sua carne e nos seus ossos. A primeira estátua egípcia é a múmia do homem curtido e petrificado no natrão. Mas as pirâmides e os labirintos dos corredores não eram garantia suficiente contra a eventual violação do sepulcro; era preciso ainda tomar outras providências contra o acaso, multiplicar as hipóteses de salvaguarda. Assim, colocavam-se perto do sarcófago, junto com o trigo destinado à alimentação do morto, estatuetas de terracota, espécies de múmias sobressalentes capazes de substituírem o corpo no caso de este ser destruído. Deste modo se revela, nas origens religiosas da estatuária, a sua função primordial: salvar o ser pela aparência. E sem dúvida se pode considerar um outro aspecto do mesmo projecto, tomado na sua modalidade activa, o urso de argila crivado de flechas na caverna pré-histórica, substituto mágico identificado ao animal vivo para a eficácia da caça.

É ponto assente que a evolução paralela da arte e da civilização destituiu as artes plásticas destas funções mágicas (Luís XIV não se fez embalsamar: contentou-se com o seu retrato, pintado por Lebrun). Mas esta evolução não podia senão sublimar, em nome do pensamento lógico, essa necessidade incoercível de exorcizar o tempo. Não se acredita já na identidade ontológica de modelo e retrato, mas admite-se que este nos ajuda a recordar aquele e, portanto, a salvá-lo de uma segunda morte espiritual. A fabricação da imagem libertou-se decididamente de qualquer utilitarismo antropocêntrico. Não se trata já da sobrevivência do homem, mas, de forma mais geral, da criação de um universo ideal à imagem do real e dotado de um destino temporal autónomo. «Que coisa vã a pintura» se por trás da nossa admiração absurda não se descortinar a necessidade primitiva de resistir ao tempo pela perenidade da forma! Se a história das artes plásticas não é somente a da sua estética, mas em primeiro lugar a da sua psicologia, então ela é essencialmente a da semelhança, ou, se se quiser, do realismo.

A fotografia e o cinema, enquadrados por estas perspectivas sociológicas, explicariam muito naturalmente a grande crise espiritual e técnica da pintura moderna que se origina em meados do século xix. No seu artigo «Verve», André Malraux escrevia que «o cinema não é senão o aspecto mais evoluído do realismo plástico que começa com o Renascimento e encontra a sua expressão limite na pintura barroca». 

É verdade

e que a pintura universal alcançara diferentes tipos de equilíbrio entre o simbolismo e o realismo das formas, mas, no século xv, a pintura ocidental começou a desviar-se da preocupação primordial com a realidade espiritual expressa por meios autónomos, para combinar a sua expressão com a imitação mais ou menos completa do mundo exterior. O acontecimento decisivo foi sem dúvida a invenção do primeiro sistema científico e, de certo modo, já mecânico: a perspectiva (a câmara escura de Da Vinci prefigurava a de Niépce). Esta permitia ao artista conferir a ilusão de um espaço a três dimensões onde os objectos se pudessem situar como na nossa percepção directa.

Daí em diante a pintura viu-se esquartejada entre duas aspirações: uma propriamente estética — a expressão das realidades espirituais em que o mod

elo se encontra transcendido pelo simbolismo das formas —, e outra que não é senão um desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo. Esta necessidade de ilusão, ao desenvolver-se tão rapidamente, em função da sua própria satisfação, devorou pouco a pouco as artes plásticas. No entanto, não tendo a perspectiva resolvido senão o problema das formas e não o do movimento, era natural que o realismo se prolongasse na procura da expressão dramática do instante, espécie de quarta dimensão psíquica capaz de sugerir a vida na imobilidade torturada da arte barroca[2].

Certamente que os grandes artistas sempre conseguiram a síntese dessas duas tendências: hierarquizaram-nas, dominando a realidade e absorvendo-a na arte. Acontece, porém, que nos encontramos em presença de dois fenómenos essencialmente diferentes, que uma crítica objectiva deve saber dissociar para compreender a evolução pictórica. A necessidade de ilusão não cessou, a partir do século xvi, de trabalhar interiormente a pintura. Necessidade totalmente mental, em si mesma não estética, cuja origem só se pode ir buscar à mentalidade mágica, mas necessidade eficaz, cuja atracção desorganizou profundamente o equilíbrio das artes plásticas.

A querela do realismo na arte provém deste mal entendido, da confusão entre a estética e o psicológico, entre o verdadeiro realismo, que resulta da necessidade de exprimir a significação simultaneamente concreta e essencial do mundo, e o pseudo-realismo de aparência enganosa (ou do engano do espírito), que se contenta com a ilusão das formas[3]. E é por isso que a arte medieval, por exemplo, parece não sofrer tal conflito: violentamente realista e altamente espiritual ao mesmo tempo, ignora o drama que as possibilidades técnicas vieram revelar. A perspectiva foi o pecado original da pintura ocidental.

Niépce e Lumière foram os seus redentores. A fotografia, ao redimir o barroco, libertou as artes plásticas da sua obsessão pela semelhança. Isto porque a pintura se esforçava, em vão, por nos dar a ilusão, e esta ilusão bastava à arte, enquanto a fotografia e o cinema são descobertas que satisfazem definitivamente, e na sua própria essência, a obsessão de realismo. Por mais hábil que fosse o pintor, a sua obra estava sempre hipotecada por uma inevitável subjectividade. Diante da imagem uma dúvida persistia, por causa da presença do homem. Assim, o fenómeno essencial na passagem da pintura barroca à fotografia não reside no mero aperfeiçoamento material (a fotografia ainda continuaria por muito tempo inferior à pintura na imitação das cores), mas num facto psicológico: a satisfação completa do nosso apetite de ilusão por uma reprodução mecânica da qual o homem é excluído. A solução não estava no resultado, mas na génese[4].

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