A Desnaturalização da Menstruação
Por: leidy25242 • 7/2/2022 • Resenha • 1.085 Palavras (5 Páginas) • 86 Visualizações
TEXTO BASE: A desnaturalização da menstruação: hormônios contraceptivos e tecnociência (MANICA, D. T.)
Corpo feminino: um corpo pensado a partir da reprodução biológica
Em um artigo publicado na Revista Horizontes Antropológicos, a Doutora em Antropologia Social Daniela Tonelli Manica analisa e discute trechos do livro Menstruação, a sangria inútil, escrito pelo médico Elsimar Coutinho. O principal argumento do livro é de que os sangramentos naturais não são naturais, portanto, as mulheres devem desejar suprimi-los com o uso de hormônios. Para sustentar seu argumento, Coutinho combina sua experiência no ramo das produções hormonais com seu discurso machista e patriarcal.
Em um recorte histórico na evolução humana, o autor sustenta que as fêmeas que já haviam atingido a maturidade sexual não menstruavam: a partir da maturidade estavam grávidas ou amamentando até o fim da sua vida. Isso era garantido pelos machos que viviam com as fêmeas em bando, e, como estavam em maior número, conseguiam assediá-las fêmeas devido a sua “ação reprodutora”. No entanto, esse recorte histórico acabou evidenciando uma problemática tão antiga quanto a menstruação: a naturalização social do assédio e do tabu que envolve a sexualidade feminina.
Para Coutinho, a civilização veio para romper com o estado de selvageria do Homo sapiens: com a instituição das sociedades as mulheres têm a oportunidade de viver sem serem alvos da ação reprodutora dos homens. Ainda acrescenta que com a civilização “a liberdade sexual praticada na vida selvagem já não era permitida”, referindo-se somente à liberdade sexual masculina (1996 apud Manica, 2011, p. 32-33). De modo que a civilização representa o rompimento da fisiologia e dos comportamentos naturais da mulher, que já não passa mais sua vida adulta (período de maturidade sexual) inteira em gravidezes ou amamentando - agora seu corpo tem intervalos nos quais pode menstruar.
A partir dessa contextualização o autor começa a construir a patologização da menstruação, associando-a à infertilidade pela ausência da gravidez. As menstruações passam a representar que os ciclos férteis não estão cumprindo seu propósito natural, que é a reprodução biológica. Nesse cenário, Coutinho desenvolveu uma dicotomia entre natureza e civilização, propondo a inutilidade da menstruação pelo desacato à finalidade primordial da sexualidade e a menstruação como produto da intervenção social na “liberdade sexual” da vida selvagem. Nas palavras de Manica (2011, p. 223): “a ideia de inutilidade [...] remete a uma visão maquínica do corpo feminino, programado pela natureza para a produção ininterrupta de bebês”.
Embora Coutinho tenha introduzido um discurso evolucionista em parte de sua argumentação, ele argumenta que a menstruação não tem apoio teleológico (de finalidade) para acontecer. Vale ressaltar que em análises evolutivas, entende-se que a teleologia não é um ferramenta, visto que na natureza as coisas não acontecem para uma finalidade ou cumprir um propósito.
Ao decorrer de sua argumentação, Coutinho faz parecer que médicos e farmacêuticos têm o papel de reconstituir a natureza. Entretanto, vale ressaltar que a indústria farmacêutica representa uma das principais estratégias da humanidade contra os mecanismos de seleção natural e controle populacional componentes dos ecossistemas.
De volta à mulher primitiva, o médico diz que, em caso de falhas no cumprimento de seu propósito biológico, a fêmea iria menstruar e isso comprometeria suas chances de sobrevivência - se tornaria presa fácil aos predadores. Ao passo que a gravidez também incluía - e ainda carrega - vários riscos à sobrevivência da mulher, que não tinha acesso ao acompanhamento de obstetrícia nem às condições sanitárias seguras e necessárias. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2016, 830 mulheres morreram por dia por causas relacionadas ou agravadas pela gravidez.
São citadas algumas doenças supostamente relacionadas à menstruação, tais quais endometriose, anemia e câncer, enquanto os efeitos causados pelo contínuo uso de hormônios não são apresentados. Afinal, como o organismo das mulheres irá responder
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