A tarefa de eliminar o racismo no Brasil
Tese: A tarefa de eliminar o racismo no Brasil. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: tiotodi • 27/4/2014 • Tese • 7.202 Palavras (29 Páginas) • 501 Visualizações
O desafio de eliminar o racismo no
Brasil: a nova institucionalidade no
combate à desigualdade racial
Alexandre Ciconello
O racismo é a chave para se entender e superar a reprodução da pobreza e das
desigualdades sociais no Brasil
Mário Theodoro 1
Contexto
Reconhecendo o racismo existente na sociedade brasileira
Quando perguntada como o racismo opera na manutenção das desigualdades raciais no
Brasil, Edna Roland2, conhecida militante do movimento negro e relatora da III
Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata,
realizada, em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001, comparou o racismo no
Brasil à Hidra de Lerna, ser mitológico de várias cabeças. Quando se arranca uma das
cabeças, logo nasce outra e mais outra, em vários lugares e posições. O racismo, para ela,
está entranhado nas relações sociais no Brasil. Uma outra característica é que a expressão
do racismo se modifica com o tempo, manifestando-se em diferentes e novas formas,
gerando e mantendo intacta a perversa estrutura de desigualdade entre a população
negra3 e branca no país.
O racismo é identificado e reconhecido pela população brasileira. Uma pesquisa de opinião
realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2003 (Santos & Silva, 2005), demonstra que
87% dos brasileiros/as admitem que há racismo no Brasil, contudo apenas 4% se
reconhecem como racista. Podemos extrair duas conseqüências desses dados: a primeira é
que o racismo existe não pela consciência de quem o exerce, mas sim pelos efeitos de quem
sofre seus efeitos. A segunda conseqüência é que o racismo no Brasil, embora perceptível,
se localiza sempre no outro, nunca nas práticas cotidianas de seus agentes, o que torna
ainda mais difícil sua superação.
Este estudo de caso foi escrito como contribuição ao livro From Poverty to Power: How
Active Citizens and Effective States Can Change the World, Oxfam International 2008. Ele
foi publicado para compartilhar amplamente os resultados de pesquisa encomendada e
experiência de programa. As visões que ele expressa são as do autor e não refletem
necessariamente as visões da Oxfam International ou de suas organizações afiliadas.
O racismo é um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais que acometem a sociedade
brasileira e, conseqüentemente, é a chave para entender as desigualdades sociais que ainda
envergonham o país. Metade da população brasileira é negra e a maior parte dela é pobre. As
inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos, em pleno século XXI, se expressam no
microcosmo das relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços, ao
mercado de trabalho, ao ensino superior bem como ao gozo de direitos civis, sociais e econômicos. Há
também outras causas das persistentes desigualdades raciais, como o passado de exclusão e
invisibilidade da população negra, sua condição de pobreza e, sobretudo, a negação de seus direitos
após a abolição da escravidão no Brasil, em 1888.
Quadro 1- Passado de escravidão
O Brasil foi o principal destinatário do comércio internacional de escravos africanos entre os séculos
XVI e XIX e foi o último país das Américas a abolir o regime escravocata, em 1888.
Estima-se que 4.2 milhões de homens e mulheres chegaram em terras brasileiras, violentamente
forçados a sair da África e cruzar o Oceano Atlântico em condições precárias, para se
transformarem em escravos no Brasil. A título de ilustração, até 1800, o país recebeu 2.5 milhões de
africanos/as, enquanto para toda a América espanhola, no mesmo período, foram menos de 1
milhão. Por volta de 1872, de todos os escravos vivendo no país, mais de 90% haviam nascido no
Brasil. Em 1890, dois anos após a abolição do regime escravocrata, a população negra
representava quase 50% da população brasileira (Andrews, 2004).
O Brasil, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos e a África do Sul, nunca
estabeleceu um regime jurídico de segregação da população negra, o que segundo diversos analistas,
coloca o país como um exemplo de integração racial. Ao mesmo tempo, a miscigenação nessas terras
tropicais ocorreu com maior freqüência do que em outros lugares, servindo de insumo para a criação
de uma mítica teoria social que posteriormente se transformou em ideologia: a da democracia racial.
O mito da democracia racial, ainda presente no imaginário da população brasileira, foi um avanço
sociológico na época de sua criação, nos anos de 1930, quando se consolidava um “racismo científico”
e com características eugênicas. Contudo, ao mesmo tempo em que incorpora a presença da
contribuição negra na formação nacional,
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