Incobramento e exogamia
Tese: Incobramento e exogamia. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: gabriel1877 • 1/6/2014 • Tese • 4.836 Palavras (20 Páginas) • 286 Visualizações
CAPÍTULO 4
Endogamia e Exogamia
Ao estabelecer uma regra de obediência geral — qualquer que seja essa regra — o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera legitimamente um valor essencial. Recusa-se a sancionar a desigualdade natural da distribuição do sexo nas familias e estabelece, com base no único fundamento possível, a liberdade de acesso às mulheres do grupo, reconhecida a todos os individuos. Este fundamento, em suma, é o seguinte: nem o estado de fraternidade nem o de paternidade podem ser invocados para reivindicar uma esposa, mas esta reivindicação vale somente enquanto direito pelo qual todos os homens são iguais na competição por todas as mulheres, com suas relaçóes respectivas definidas em termos de grupo e não de família.
Esta regra mostra-se ao mesmo tempo vantajosa para os Individuos, porque, ao obrigá-los a renunciar a um lote de mulheres imediatamente disponíveis, mas limitado ou mesmo multo restrito, abre a todos um direito de reivindicação sobre um número de mulheres cuja disponibilidade é na verdade diferenclada pelas exigências do costume, mas que teorlcamente é tão elevado quanto possível, sendo o mesmo para todos. Se objetarem que este raciocínio é demasiado abstrato e artificial para vir ao espírito de uma humanidade muito primitiva, bastará observas que o resultado, única coisa que Importa, não supõe um raciocínio formalizado, mas somente a resolução espontânea de tensões psicossoclals, que constituem dados Imediatos da vida coletiva. Nestas formas não cristalizadas de vida social, cuja pesquisa psicológica ainda está por fazer, e que são tão ricas em processos simultaneamente elementares e universais, tais como as comunidades espontâneas formadas ao acaso das circunstâncias (bombardeios, tremores de terra, campos de concentração, bandos Infantis, etc.), aprende-se rapidamente a conhecer que a percepção do desejo de outrem, o temor de ser despojado pela violência, a angústia resultante da hostilidade coletiva, etc., podem inibir Inteiramente o gozo de um privilégio. E a renúncia ao privilégio não requer necessariamente para ser explicada a Intervenção do cálculo ou da autoridade. Pode não ser senão a resolução de um conflito afetivo, cujo modelo já se observa na escala da vida animal.
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Mesmo assim retificada, esta maneira de levantar o problema conserva-se grosseira e provisória. Mais adiante teremos ocasião de determina-la e aprofundá-la. Porém mesmo nesta forma aproximada basta para mostrar que não é preciso invocar uma aprendizagem que se estenda por milhares de anos para compreender — segundo a expressão vigorosa e intraduzível de Tylor — que no curso da história os povos selvagens devem ter tido constante e claramente diante dos olhos a escoIba simples e brutal “between marrying-out and being killed-out”.’
Mas para que a demonstração seja eficaz é preciso que se estenda a todos os membros do grupo. a condição da qual a proibição do incesto fornece, em forma mais evoluída, a Inelutável expressão. O casamento não aparece somente nas peças de operetas como uma instituição a três. Por definição, sempre e em toda a parte é isso. Desde que as mulheres constituem um valor essencial à vida do grupo, em todo casamento o grupo Intervém necessariamente em dupla forma: a do ‘rivar’, que, por intermédio do grupo, afirma que possuía um direito de acesso Igual ao do cônjuge, direito a respeito do qual as condições nas quais foi realizada a união devem estabelecer que foi respeitado; e a do grupo enquanto grupo, o qual afirma que a relação que torna possível o casamento deve ser social — isto é, definida nos termos do grupo
— e não natural, com todas as conseqüéncias, Incompatíveis com a vida coletiva, que indicamos. Considerada em seu aspecto puramente formal, a proibição do incesto, portanto, é apenas a afirmação, pelo grupo, que em matéria de relação entre os sexos não se pode fazer o que se quer. O aspecto positivo da interdição consiste em dar Inicio a um começo de organização.
Poder-se-á sem dúvida objetar que a proibição do incesto não cumpre absolutamente uma função de organização. Não se acomoda, em certas regiões da Austrália e da Melanésia, com um verdadeiro monopólio das mulheres instaurado em beneficio dos velhos, e, mais geralmente, da poligamia, cujos resultados nós mesmos acentuamos?
Mas estas “vantagens’, se quisermos considerá-las como tais, não são unilaterais. A análise mostra, ao contrário, que admitem sempre uma contrapartida positiva. Retomemos o exemplo, citado acima, do chefe Nhambiquara que compromete o equilibrio demográfico de seu pequeno grupo monopolizando várias mulheres, que se teriam tornado normalmente esposas monógamas à disposição dos homens da geração seguinte. Seria arbitrário isolar a instituição de seu contexto, O chefe do bando tem graves responsabilidades, o grupo confia inteiramente nele para f ixar o itinerário da vida nômade, escolher as etapas, conhecer cada polegada do território e os recursos naturais que aí se encontram em cada estação, determinar a localização e o trajeto dos bandos hostis, negociar com estes ou combatê-los, conforme a ocasião, e constituir, finalmente, reservas suficientes de armas e de objetos de uso corrente para que cada pessoa obtenha eventualmente dele aquilo de que precisa. Sem suas mulheres poligamas, mais companheiras que esposas, e libertadas por sua posição especial das servidões de seu sexo, sempre prontas a acompanhá-lo e a assisti-lo nas expedições de reconhecimento e nos trabalhos agrícolas ou artesanais, o chefe não poderia fazer frente a todas
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as suas obrigações. A pluralidade das mulheres é portanto ao mesmo tempo a recompensa do poder e o Instrumento deste.
Levemos a análise um pouco mais longe. Se os Nhamblcwara tivessem combinado sua regra de casamento entre primos cruzados bilaterais com estrita monogamia, encontraríamos entre eles um sistema de reciprocidade perfeitamente simples, simultaneamente do ponto de vista qualitativo e do ponto de vista quantitativo. Quantitativamente, porque o sistema garantiria aproximadamente uma esposa para todo homem, e qualitativamente, porque esta garantia geral resultaria de uma rede de obrigações recíprocas, estabelecida segundo o plano das relações individuais de parentesco. Mas o privilégio polígamo do chefe vem subverter esta fórmula Ideal, dando em resultado, para cada indivíduo, um elemento de insegurança que de outro modo nunca teria aparecido. Qual é pois a origem do privilégio e qual é seu significado? Ao reconhecê-lo,
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