A Desumanização
Por: Phelipe Ederli • 10/11/2017 • Artigo • 523 Palavras (3 Páginas) • 174 Visualizações
Míseros animais
Phelipe Ederli Coelho de Almeida
Segundo o dicionário Houaiss, desumanizar significa “fazer perder ou perder caráter humano; tornar-se desumano; cruel; desumanar-se”, mostrando-se um processo que possibilita a objetificação do outro, sendo ele um indivíduo ou toda uma nação. Dessa forma, partindo de um sub julgamento, o ator da desumanização se sente confortável a explorar aquele que foi rebaixado, descaracterizado como ser humano. Uma tática de guerra utilizada por todas as sociedades em seus cotidianos
A miséria leva à desumanização das pessoas, que antes já eram marginalizadas da sociedade, mas que agora tornam-se invisíveis e indesejadas, gerando condições para o surgimento de subempregos que tem características que tangem a escravidão. É o que acontece com milhares de famílias que sobrevivem em áreas que as submetem a situações degradantes, como os seringais da Amazônia, os sertanejos nordestinos ou os catadores de lixo nos grandes lixões das áreas urbanas do país.
O capitalismo é responsável pela amplificação das diferenças sociais, e isso leva uma parcela da sociedade há condições de vida inaceitáveis. Em sua obra Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez retrata a vida de alguns trabalhadores “submetidos à insalubridade de suas casas, à farsa dos atendimentos médicos, às péssimas condições de trabalho e até mesmo à ausência de salário, pois o que recebiam eram vales que só podiam ser trocados nos armazéns da companhia por presunto”. A pobreza acaba sendo reforçada pelas atitudes desumanas das companhias. É gente desumana querendo desumanizar gente.
Mestre do Realismo brasileiro, Graciliano Ramos, em sua obra Vidas Secas, trabalha a desumanização dos miseráveis, convencidos, a partir de suas condições de vida e trabalho, de que são bichos, animais, retirando deles a condição humana e toda sua subjetividade. Eram indivíduos que não tinham voz, não tinham seus direitos básicos respeitados e muito menos direito de reclamar de suas vidas. Atualmente, isso pode ser observado nas ruas das grandes metrópoles: mendigos invisíveis aos transeuntes, alimentados nas madrugadas pela ração do Dória, prefeito de São Paulo, renegada pela Organização das Nações Unidas; mendigos esses molhados em noites frias, incendiados vivos ou assassinados enquanto dormem, como na famosa e trágica chacina da Candelária, na Cidade do Rio de Janeiro. Atos cometidos por verdadeiros selvagens. Animais.
Desumanizar é um ato cruel. Esse processo que visa a exploração do miserável não é de hoje, mas é difícil enxergar suas mutações na sociedade. A cada geração, em cada época, a desumanização poderia ter diversos e distintos exemplos a serem dados, como escravidão, colonização, indiferença, subjulgamento. Contudo, pior que ser o ator primeiro desse processo é a aceitação da conveniência que ele nos gera: produtos mais baratos, sensação de segurança. O simples fato de ignorar as condições de vida dos miseráveis, ainda que seja na periferia ou nos centros abandonados das cidades, nos remete à segurança da zona de conforto.
Não cabe apenas às autoridades competentes desenvolverem políticas públicas para uma melhor igualdade social (ultimamente eles têm dificultado a mobilidade social), mas o cidadão deveria olhar para o próximo e enxergar um semelhante, uma pessoa e não um objeto. A sociedade peca pela falta de empatia. Desumanizar é desumano. Ignorar esse processo é ainda pior, é falhar como ser humano.
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