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A noção de "estar no mundo" de acordo com o trabalho de Heidegger

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Por:   •  23/11/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  5.383 Palavras (22 Páginas)  •  365 Visualizações

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A noção de ser no mundo difundiu-se amplamente pelas ciências humanas desde que foi formulada por Martin Heidegger. Essa noção é aqui revista e caracterizada em seu sentido próprio, de acordo com a obra de Heidegger, e é também analisada sua utilização na psicopatologia existencial de L. Binswanger.

A expressão ser no mundo, que fez e faz escola no conhecimento psicológico e social, é daquelas que facilmente se prestam à banalização e a empobrecimentos, talvez mesmo pela sua abrangência e aparente obviedade. De fato, quem se depara com essa expressão, empregada sem maiores explicações, não suspeita a intricada rede conceituai que motivou a sua formulação. Além disso, não raro a expressão é utilizada como uma espécie de palavra mágica, para além da qual nada é preciso explicar. Por tudo isso, em matéria de psicopatologia, onde a noção de ser no mundo foi largamente empregada, não deixa de ser conveniente que a mesma seja revisitada em seu sentido original.

A noção de ser no mundo foi desenvolvida sistematicamente pelo filósofo alemão Martin Heidegger no tratado Ser e Tempo (Sein und Zeit), de 1927. Na obra Heidegger se impõe a tarefa de recolocar a questão do "sentido do ser", que para ele foi esquecida pela metafísica tradicional. Esse esquecimento se deu em virtude do fato de a tradição metafísica ter se convertido numa ontologia da substância, aquela que visualiza o ser em geral a partir da primazia da "coisa", ou, dito de outro modo, que toma a "coisa", como paradigma de representação para tudo o que "é". Todavia, essa rejeição da ontologia da coisa que Heidegger julga necessário levar a cabo, não implica para ele em considerar a questão do ser como uma questão abstrata; do ponto de vista existencial, a questão do ser é eminentemente concreta, porque "o ser é sempre o ser de um ente". Resta, contudo, explicitar o que queremos dizer com a palavra ser, compreender o fundamento e a possibilidade do ser de alguma coisa. Por onde se deve, então, começar uma tal investigação? Ora, diz Heidegger, já possuimos, em nossa vida cotidiana, um certo grau de conhecimento do ser, de outro modo a questão sequer poderia ser colocada. Por isso, para se alcançar uma compreensão do ser é preciso, em primeiro lugar, analisar o ser do ente que coloca a questão do ser, isto é, o ser do homem, o dasein. Assim, toda a primeira seção da obra é devotado à analítica do dasein (daseinsanalyse), isto é, à análise da estrutura do ser no mundo, como horizonte fundamental de onde pode ser abordada a questão do ser em geral.

A reflexão de Heidegger em Sere Tempo, sua "ontologia fundamental", não apenas se converteu num marco do pensamento filosófico do século XX, mas causou grande repercussão nas ciências humanas. No caso da psiquiatria, a daseinsanalyse foi aplicada, por L. Binswanger e E. Minkowski, entre outros, na compreensão das doenças mentais enquanto modo alterado de ser no mundo. Segundo a afirmação de Binswanger (1977: 46), Ser e Tempo "se tomou indispensável, entre outras coisas, também para a psiquiatria enquanto ciência."

Neste artigo procuraremos, primeiramente, e nos valendo da recente tradução brasileira de Ser e Tempo (Heidegger, 1995), fazer uma exposição de alguns elementos essenciais da noção de ser no mundo tal como delineada por Heidegger. Depois, ilustraremos sua aplicação na psicopatologia, discutindo o seu significado e importância.

O Ser no Mundo em Heidegger

A investigação fenomenológica de Heidegger é de caráter ontológico, isto é, busca as determinações essenciais do ser dos entes. Dessa maneira, pretende sempre situar-se aquém do plano empírico ou ôntico (dos entes) e constituir-se na condição de possibilidade do mesmo. Assim, as estruturas ontológicas explicitadas na análise do dasein (como ocupação, disposição, compreensão, discurso) não devem ser confundidas com aqueles que seriam os seus correlatos ônticos ou empíricos (afeto, desejo, conhecimento, linguagem) -na verdade, tais estruturas são a fundamentação existencial dos mesmos. A analítica existencial "está antes de toda psicologia, antropologia e, sobretudo, biologia." (Heidegger, 1995: 81)1. Ela corresponde à abertura de um a priori mas sem que isso signifique uma "construção apriorístíca" (ibid: 87), isto é, desvinculada de toda "empiria". Com efeito, a pesquisa científica e a pesquisa ontológica podem até convergir, esta última tendendo sempre para uma maior "purificação" e transparência do que se descobriu onticamente. A investigação científica realiza uma primeira e tosca "fixação dos setores dos objetos", e só o faz a partir da abertura originária ao modo de ser dos entes pela qual a experiência ordinária do mundo é responsável. Para que o questionamento científico possa abordar uma determinada região dos entes, é preciso antes que essa região seja elevada do horizonte da experiência original - o horizonte da relação fundamental do ente que questiona com o mundo questionado.

Por isso o ser do homem, a pre-sença2, possui uma dimensão ontológica fundamental. Na verdade, no texto de Heidegger, o status da pre-sença é ambíguo. De um lado, ela é um ente, o ente que cabe à analítica existencial investigar e que é o equivalente de homem. Por outro lado, a pre-sença não deve ser entendida como sinônimo de "homem", pois ela é uma determinação ontológica, já que corresponde ao ser desse ente que coloca a questão do ser. A resposta a esse dilema encontra-se no fato de que Heidegger considera que a pre-sença é um ente especial, um ente que é, em si mesmo, ontológico, na medida em que é o único ente de cujo ser faz parte uma abertura originária ao modo de ser de todos os outros entes - isto é, é constitutivo do ser do homem o desvelamento do sentido do "é", a partir do qual o mundo nos advém como sendo de determinada maneira. Essa característica da presença se tornará mais clara com a explicitação da estrutura do ser no mundo - o ser no mundo, aliás, é justamente a constituição ontológica da presença.

O ser no mundo pode ser visivelmente desmembrado em três partes, que são seus momentos constitutivos: o "ser", o "mundo" e o "em". Dito de outro modo e em outra ordem: o mundo em que o ser é, o quem que é no mundo, e o modo de ser-em em si mesmo. A cada um desses momentos é dedicado um capítulo da obra (capítulos terceiro, quarto e quinto, respectivamente). No entanto, o ser no mundo é uma estrutura unitária, e só pode ser decomposta

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