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Abstração e Iluminação Divina em Henrique de Gand

Por:   •  1/5/2015  •  Trabalho acadêmico  •  1.948 Palavras (8 Páginas)  •  365 Visualizações

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Trabalho apresentado na XXXIII Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural.

De autoria de: Renata Soares Gonçalves (renatasoares_acad@outlook.com)

Abstração e Iluminação Divina em Henrique de Gand

    Henrique de Gand, filósofo e teólogo do século XIII, pretendia escrever uma exposição geral de teologia onde trataria de questões sobre: como a teologia é um conhecimento de Deus e das coisas divinas; como é possível uma discussão teológica acerca de Deus e das coisas divinas; e que sorte de conhecimentos podemos ter sobre Deus e sobre as coisas divinas. No entanto, havia chegado ao seu conhecimento textos sobre o ceticismo antigo, que questionava a possibilidade de qualquer método de investigação em alcançar alguma verdade. Henrique ficou incomodado com esse imbróglio: afinal, como ele poderia propor um tratado científico acerca do conhecimento de Deus pelo homem quando todo e qualquer contato do homem com a verdade era questionado pelo ceticismo. Pois só faria sentido fazer teologia científica caso fosse possível ao homem algum tipo de conhecimento. Por isso, Henrique iniciou a sua investigação teológica pretendendo demonstrar que é possível ao homem conhecer alguma coisa, apresentando assim, a sua gnosiologia, numa tentativa de contra-ataque ao ceticismo em defesa da teologia.

     Com o fito de derrubar os argumentos céticos, Henrique elaborou uma gnosiologia que tem como cerne a fusão de duas importantes teorias do conhecimento, a aristotélico-tomista e a platônico-agostiniana. De acordo com aquela, abstracionista, nosso conhecimento provém dos objetos sensíveis, e de acordo com esta, iluminacionista, todo conhecimento provém de iluminação divina. Apesar de suas aparentes diferenças, Henrique pretende associar essas duas perspectivas, pois, de acordo com ele, cada uma delas, tomada isoladamente, não dá cabo de explicar como é possível ao homem alcançar algum conhecimento certo e infalível por sua própria faculdade.

     No que concerne à teoria da abstração, Henrique diz que é impossível adquirir uma certeza absoluta e um conhecimento infalível da verdade a partir dela por três motivos principais: primeiro, a ideia adquirida é abstraída de uma coisa sensível e, portanto mutável. Segundo, a alma que recebe esta ideia é também mutável e, portanto, não pode ser “estabilizada”, ou como que “imobilizada” por uma ideia obtida de alguma coisa mutável. Terceiro, a ideia adquirida é mutável. Tendo estes problemas em vista, como essa teoria poderia garantir um critério de certeza e infalibilidade?

     Por outro lado, segundo Henrique, a teoria da iluminação divina faz parecer que a mente humana é um mero receptáculo vazio esperando uma revelação divina, o que tiraria a dignidade do intelecto criado em poder conhecer alguma coisa por sua própria natureza, ainda que imperfeitamente. Ele argumenta que, como todos os seres humanos naturalmente desejam saber, então eles são capazes de conhecer alguma coisa pela sua própria natureza, e que para tanto a iluminação divina especial não é requerida. Até por que, se o ato de conhecer não fosse possível para o homem, ele se encontraria paradoxalmente naturalmente impelido a buscar algo que jamais encontraria por sua própria natureza. Tendo esses problemas em vista, como poderia uma teoria do conhecimento fazer jus à dignidade da cognição humana, garantindo a ela o poder de alcançar conhecimento sem depender de uma iluminação divina especial?

     Vamos apresentar sucintamente de que maneira Henrique concatenou teorias do conhecimento que se fundamentam em alicerces tão opostos e vamos nos perguntar em seguida se a composição elaborada pelo autor de fato se sustenta como um sistema gnosiológico coerente e que responde ao ceticismo acerca das possibilidades de o homem alcançar algum conhecimento certo e infalível por sua própria faculdade cognoscente.

     A gnosiologia apresentada por Henrique toma por definição que conhecer é a compreensão de uma coisa tal como ela é, sem nenhum erro ou engano. E segundo ele, o ato de conhecer se inicia quando temos contato com a coisa externa através dos sentidos. No primeiro nível de cognição, o intelecto representa o objeto tal como ele foi percebido sensorialmente. Nesse momento tudo o que se conhece da coisa é o que é verdadeiro dela, ou seja, tem-se da coisa uma impressão verídica. Esse processo de conhecimento sensorial já requer, porém, o concurso de uma iluminação divina comum ou geral, pois é Deus, enquanto nosso criador e mantenedor, que permite toda e qualquer ação que tem origem na potência cognoscitiva do homem. Ele, Deus, age como o primeiro motor a mover o intelecto humano rumo ao conhecimento a partir da interação entre os sentidos e os objetos sensíveis.

     No segundo nível de cognição, de acordo com Henrique, o intelecto alcança a realidade imutável da coisa por um processo de abstração, que consiste em suspender a característica comum das coisas particulares e formar uma idéia adquirida com base nessa característica. Nesse estágio cognitivo, devido à potência intelectual humana de intuir o inteligível existente nas coisas, o homem compreende a verdade da coisa, isto é, sua essência. Compreender algo inteligivelmente equivale extrair da coisa sua inteligibilidade e somente nesse estágio podemos dizer que o conhecimento se dá num sentido estrito, pois o homem consegue captar da coisa a natureza universal por trás das particularidades. Segundo o autor, no caso de existir uma adequação, similitude ou conformidade na relação entre a coisa externa e a ideia abstraída dela, o homem alcança a verdade. Não uma verdade perfeita, pura, certa, indubitável, mas uma verdade inferior; no entanto, uma verdade que depende somente das habilidades naturais do aparelho cognoscitivo humano, pois para o conhecimento deste tipo de verdade, a intervenção de uma iluminação divina especial não é requerida – ainda que as habilidades naturais do homem tenham sido concedidas por Deus e, nesse sentido, a luz divina comum ou geral esteja presente.

     Porém, como o objetivo de Henrique era apresentar uma gnosiologia que fosse capaz de defender que somos aptos a alcançar verdades certas e indubitáveis, fez-se necessária a introdução de um elemento nesse sistema de pensamento que nos permita transformar dúvidas em certezas: e esse elemento é nada mais nada menos do que Deus.

     Deus é imprescindível para garantirmos a legitimidade das verdades, já que não conseguimos encontrar critérios internos pelos quais somos capazes de verificar a certeza das verdades que alcançamos. Sem a intervenção de Deus, todo conhecimento que acreditamos obter é passível de erro, pois sempre há a hipótese do engano. No entanto, Deus, enquanto criador e mantenedor de tudo o que há, pode intervir no nosso processo de conhecimento de modo a torná-lo eficiente. E essa intervenção se dá quando, com a bondosa permissão de Deus, temos acesso às ideias exemplares divinas a partir das quais as coisas individuais foram criadas. Esse acesso se dá por meio de uma iluminação divina especial – que é chamada assim por ser uma luz que nos permite enxergar a essência da coisa tal como ela é na ideia de Deus quando a concebe, e esta iluminação é especial, pois, diferentemente da iluminação divina comum ou geral, ela só é oferecida pela graça.

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