Angústia Da Finitude, Angústia Da Infinitude
Casos: Angústia Da Finitude, Angústia Da Infinitude. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: marcelocrube • 26/11/2014 • 2.269 Palavras (10 Páginas) • 320 Visualizações
ANGÚSTIA DA FINITUDE, ANGÚSTIA DA INFINITUDE: SANTO AGOSTINHO E KIERKEGAARD SOBRE O PROBLEMA DO MAL
João Marcelo Crubellate
Texto elaborado como parte da avaliação na disciplina Filosofia e Psicanálise, do Mestrado/Doutorado em Filosofia da PUCPR, ministrada pelo Prof. Dr. Rogério Miranda de Almeida.
1 Introdução
O objetivo que pretendo alcançar com as discussões desenvolvidas neste texto é o estabelecimento de um ponto plausível de comparação do conceito de angústia no pensamento de Santo Agostinho e de Soren Kierkegaard, a partir de sua relação com a questão da possibilidade do nada, princípio da liberdade e também (ou, por isso), do mal (chamado de mal ontológico). Na trajetória de realização de tal propósito, irei primeiramente discorrer sobre as condições de viabilidade metodológica para o tratamento das intuições dos dois pensadores tomados neste texto – notadamente representantes de tradições filosóficas distintas. Em seguida, irei discorrer a respeito do sentido geral do conceito de angústia, em Santo Agostinho e também em Kierkegaard. A partir daí, a questão da angústia é aprofundada a partir dos problemas da finitude da existência humana e da infinitude possível do seu devir, vis-à-vis da consciência do nada e da eternidade, que – segundo admitirei como premissa, aqui – configura a estrutura profunda do próprio problema do mal, naqueles pensadores.
Metodologicamente, a reflexão a partir de diferentes pensadores, tomados a um só tempo, frequentemente nos aproxima do que Guéroult (1971, p. 8) denominou de história horizontal da filosofia, supondo-se uma preocupação com o movimento, a transformação das idéias, doutrinas e problemas através do tempo. Em parte, tais critérios atendem ao propósito que me conduze nesta investigação. Entretanto, a simples distância temporal que separa Santo Agostinho de S. Kierkegaard já seria suficiente para deixar evidente uma lacuna demasiadamente ampla, caso a minha suposição fosse a de que a história do conceito de angústia pode ser contada a partir de ambos. Uma comparação direta poderia ser útil, pelo menos, para documentar suas diferenças e ajudar na reflexão a respeito da importância do contexto – mesmo filosófico, ou ainda histórico – na retomada de um conceito específico (aproximadamente ao que também Guéroult, 1971, chamará de método das fontes e da biografia), mas não é esse o meu intento.
O que pressuponho aqui é que ao pôr em relevo intuições coincidentes entre pensadores com pressupostos e intuitos semelhantes (mesmo que, obviamente, não idênticos), que partem de uma base filosófica coincidente pelo menos em parte e que visam a um fim parecido, podemos ir além da história do conceito. Podemos, em tais condições, compor uma análise que, pela intercessão das intuições, permita aprofundamentos nas estruturas de pensamento de ambos os pensadores, permitindo também – ao menos em possibilidade – esclarecer certas dificuldades, pontos obscuros e desvios interpretativos acumulados na medida em que uma idéia, doutrina ou problema é retomado.
De certo que um tal procedimento é principalmente relevante para a compreensão da estrutura de pensamento mais antiga – e, deste modo, não deixa de ser uma história horizontal – mas também a estrutura mais recente, enquanto retoma, deliberadamente ou não, a estrutura anterior, permite-se à compreensão mais clara de suas próprias razões. Trata-se, então, de reconhecer que todo sistema de pensamento ou estrutura filosófica é parcialmente dada à história (e, portanto, sujeita a algum grau de progressão, ainda que esse seja seu aspecto menos relevante) e é parcialmente aberto a novas interpretações – a retomadas – na medida em que outros sistemas podem ser a ele legitimamente comparado, revelando novos ângulos, perspectivas, possibilidades interpretativas.
Não se trata de um relativismo metodologicamente justificado, mas sim de assumir a premissa de que sistemas comparados de pensamento podem, afinal, compor – ou, ao menos, inspirar – um terceiro, e novo, sistema, em parte diferente dos originais. Desse ponto de vista, configura-se uma dupla via de inspiração. Obviamente que um segundo autor – numa linha temporal – não terá influenciado um primeiro que o antecedeu no tempo, mas olhando a partir de ambos, um terceiro autor poderá – sob a inspiração de um e de outro – reinterpretar obras, ideais, problemas, de um e de outro, a partir das intuições de cada um deles. Isso é ir um pouco além da pura análise estrutural, mas tem como vantagem permitir o tratamento, sob um princípio de dinamicidade, de tradições antigas, renovando-as em possibilidade à luz de novos problemas e novas intuições.
Ainda, quando falamos que o estudo de uma filosofia mais recente pode lançar novas luzes sobre outra filosofia mais antiga, falamos em projetar novos problemas sobre as antigas tradições e delas extrair novas compreensões, supondo-se que toda escrita, todo texto – ainda que tenha seus propósitos e estruturas originais – é, em parte, aberto, incompleto, porquanto nunca é uma escrita ou um texto acabado, e isso porque a linguagem não pode dar conta da totalidade da realidade, ou mesmo de qualquer de seus fragmentos. Encontrar essas aberturas, descobri-las sob o peso do tempo e das interpretações, é ao mesmo tempo renova-las – porém, dentro ainda de suas próprias condições, limites e possibilidades. Não é outra coisa, talvez, do que o que fazem com o mito grego pensadores como Nietzsche e Freud, ou ainda o que faz Nietzsche com as intuições de Heráclito ou, ainda – para usar um exemplo mais próximo e mais específico – o que Gilson (...) obtém da filosofia agostiniana ao revisa-la a partir da filosofia de Santo Tomás de Aquino.
Desse modo então, em ambos os pensadores tomados no presente artigo, Agostinho e Kierkegaard, um princípio orientador de reflexão voltado à própria interioridade se sobressai, fazendo as discussões em torno da angústia ter, neles, suas raízes mais profundas em suas respectivas experiências pessoais (como afirmam, a respeito de Kierkegaard, Thomte e Anderson, 1980, p. xii, e como é manifesto, no que concerne a Agostinho, pela natureza de alguns dos seus escritos centrais – especialmente o caso das Confissões – onde aparece o problema da angústia). Ademais, em ambos o sentimento da angústia aparecerá como problema vinculado ao que podemos chamar de estrutura ontológica do ser humano, vinculado portanto – como veremos adiante – a uma falta primordial que é, por sua vez, estruturante da própria humanidade no ser humano (vide Marino, 2008, p. 320).
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