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O Papalagui

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Por:   •  24/3/2015  •  1.840 Palavras (8 Páginas)  •  291 Visualizações

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O PAPALAGUI

DOS BAÚS E FENDAS DE PEDRA E DO QUE ENTRE ELES EXISTE

O Papalagui mora, como o marisco, numa casca dura; e vive no meio de

pedras, tal qual a escalopendra1 entre fendas de lava, com pedras em volta, dos

lados e por cima. A cabana em que mora parece-se com um baú de pedra em pé,

com muitos compartimentos e furos.

A gente desliza para dentro e para fora da casca de pedra apenas por um

lugar que o Papalagui chama entrada quando vai para dentro, e saída quando vem

para fora, embora ambas as coisas sejam absolutamente uma só e a mesma. Neste

lugar existe uma grande folha de madeira que se tem de empurrar com força para

entrar na cabana. Mas isto é só para começar: tem-se de empurrar ainda outras

folhas para estar, de fato, na cabana.

Quase todas as cabanas são habitadas por mais pessoas do que as que

moram numa só aldeia samoana; por isto, tem-se de saber exatamente o nome da

aiga2 que se quer visitar. Cada aiga tem para si uma parte especial do baú de

pedra, ou em cima, ou embaixo, ou no meio, à esquerda, à direita, ou mesmo na

frente. E cada aiga não sabe nada da outra, nada mesmo, como se entre elas não

houvesse um muro de pedra mas, sim, Manono, Apolima, Saváii3 e numerosos

mares. É muito comum nem saberem o nome umas das outras; e se se encontram

no buraco por onde entram e saem, cumprimentam-se de má vontade, ou

resmungam qualquer coisa, tal qual insetos hostis, dando a impressão de estarem

zangadas por terem de viver perto um das outras.

Se a aiga habita no alto, embaixo do próprio teto da cabana, tem-se de

subir por muitos galhos, em ziguezague ou em círculo, para chegar ao lugar em

que está escrito na parede o nome da família. Vê-se, então, a imitação graciosa de

uma maminha que se aperta até que ressoe um grito e apareça a família. Esta olha

por um pequeno furo gradeado, redondo, para saber se não é um inimigo, caso

1 Uma espécie de centopéia.

2 Família

3 Três ilhas do grupo de Samoa

2

em que não abre. Mas se vê que é amigo, solta imediatamente um grande batente

de madeira, que se acha bem preso por correntes, e puxa-o para dentro para que o

visitante possa entrar, pela fenda, na cabana propriamente.

Esta, por sua vez, é cortada por muitas paredes abruptas de pedra. Vai-se

entrando por batentes e mais batentes, de baú em baú, cada vez menores. Cada

um dos baús, que o Papalagui chama quartos, tem um buraco; quando é maior,

dois buracos, ou mais ainda. É por eles que entra a luz. Esses buracos são

fechados com vidros que se podem tirar quando o baú precisa de ar fresco, o que

é muito necessário. Mas há muitos baús sem buracos para a luz, nem para o ar.

O samoano não demoraria a sufocar num baú destes, porque de parte

alguma vem uma corrente de ar, como acontece em todas as nossas cabanas.

Também os cheiros do baú-cozinha procuram escapar. Mas na maior parte dos

casos o ar que vem de fora não é muito melhor. É difícil compreender como um

ser humano não morre nestes lugares, não se transforma, de ansiedade, em ave;

que não lhe cresçam asas com que paire e voe para onde exista ar e sol. O

Papalagui no entanto, gosta dos seus baús de pedra, e já nem lhes nota as falhas.

Cada um dos baús serve para um fim especial. O maior e mais claro serve

para os fonos4, ou para receber as visitas; outro serve para dormir e neste vêemse

as esteiras, quer dizer, elas estão colocadas em suportes de pau, de pernas

compridas para o ar passar entre elas. Num terceiro baú é onde se come e se

produzem nuvens de fumaça; outro ainda é onde se guardam os mantimentos;

noutro se cozinha; no último, que é o menor, toma-se banho. Esta também é a

mais bonita peça, revestida de grandes espelhos, o piso adornado com um forro

de pedras coloridas, tendo no meio uma grande bacia, de metal ou pedra, para

dentro da qual escorre água fria ou aquecida ao sol. É nesta bacia (tão grande,

maior até do que o túmulo de um chefe) que as pessoas entram para se lavarem e

tirarem do corpo a areia dos baús. Também existem, é claro, cabanas com mais

baús: existem até cabanas em que cada criança, cada criado, tem um quarto para

si e até mesmo os cães e os cavalos.

4 Reuniões, deliberações

3

É nestes baús que o Papalagui passa a sua existência; ora num, ora noutro,

conforme as horas. É aí que as crianças crescem, muito acima da terra, muito

alto, em inúmeros casos mais alto que uma palmeira, entre pedras. De vez em

vez, o Papalagui sai dos seus baús privados (“é assim que os chama”) e vai ter a

outro

...

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