O Papalagui
Trabalho Universitário: O Papalagui. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: izabe • 24/3/2015 • 1.840 Palavras (8 Páginas) • 285 Visualizações
O PAPALAGUI
DOS BAÚS E FENDAS DE PEDRA E DO QUE ENTRE ELES EXISTE
O Papalagui mora, como o marisco, numa casca dura; e vive no meio de
pedras, tal qual a escalopendra1 entre fendas de lava, com pedras em volta, dos
lados e por cima. A cabana em que mora parece-se com um baú de pedra em pé,
com muitos compartimentos e furos.
A gente desliza para dentro e para fora da casca de pedra apenas por um
lugar que o Papalagui chama entrada quando vai para dentro, e saída quando vem
para fora, embora ambas as coisas sejam absolutamente uma só e a mesma. Neste
lugar existe uma grande folha de madeira que se tem de empurrar com força para
entrar na cabana. Mas isto é só para começar: tem-se de empurrar ainda outras
folhas para estar, de fato, na cabana.
Quase todas as cabanas são habitadas por mais pessoas do que as que
moram numa só aldeia samoana; por isto, tem-se de saber exatamente o nome da
aiga2 que se quer visitar. Cada aiga tem para si uma parte especial do baú de
pedra, ou em cima, ou embaixo, ou no meio, à esquerda, à direita, ou mesmo na
frente. E cada aiga não sabe nada da outra, nada mesmo, como se entre elas não
houvesse um muro de pedra mas, sim, Manono, Apolima, Saváii3 e numerosos
mares. É muito comum nem saberem o nome umas das outras; e se se encontram
no buraco por onde entram e saem, cumprimentam-se de má vontade, ou
resmungam qualquer coisa, tal qual insetos hostis, dando a impressão de estarem
zangadas por terem de viver perto um das outras.
Se a aiga habita no alto, embaixo do próprio teto da cabana, tem-se de
subir por muitos galhos, em ziguezague ou em círculo, para chegar ao lugar em
que está escrito na parede o nome da família. Vê-se, então, a imitação graciosa de
uma maminha que se aperta até que ressoe um grito e apareça a família. Esta olha
por um pequeno furo gradeado, redondo, para saber se não é um inimigo, caso
1 Uma espécie de centopéia.
2 Família
3 Três ilhas do grupo de Samoa
2
em que não abre. Mas se vê que é amigo, solta imediatamente um grande batente
de madeira, que se acha bem preso por correntes, e puxa-o para dentro para que o
visitante possa entrar, pela fenda, na cabana propriamente.
Esta, por sua vez, é cortada por muitas paredes abruptas de pedra. Vai-se
entrando por batentes e mais batentes, de baú em baú, cada vez menores. Cada
um dos baús, que o Papalagui chama quartos, tem um buraco; quando é maior,
dois buracos, ou mais ainda. É por eles que entra a luz. Esses buracos são
fechados com vidros que se podem tirar quando o baú precisa de ar fresco, o que
é muito necessário. Mas há muitos baús sem buracos para a luz, nem para o ar.
O samoano não demoraria a sufocar num baú destes, porque de parte
alguma vem uma corrente de ar, como acontece em todas as nossas cabanas.
Também os cheiros do baú-cozinha procuram escapar. Mas na maior parte dos
casos o ar que vem de fora não é muito melhor. É difícil compreender como um
ser humano não morre nestes lugares, não se transforma, de ansiedade, em ave;
que não lhe cresçam asas com que paire e voe para onde exista ar e sol. O
Papalagui no entanto, gosta dos seus baús de pedra, e já nem lhes nota as falhas.
Cada um dos baús serve para um fim especial. O maior e mais claro serve
para os fonos4, ou para receber as visitas; outro serve para dormir e neste vêemse
as esteiras, quer dizer, elas estão colocadas em suportes de pau, de pernas
compridas para o ar passar entre elas. Num terceiro baú é onde se come e se
produzem nuvens de fumaça; outro ainda é onde se guardam os mantimentos;
noutro se cozinha; no último, que é o menor, toma-se banho. Esta também é a
mais bonita peça, revestida de grandes espelhos, o piso adornado com um forro
de pedras coloridas, tendo no meio uma grande bacia, de metal ou pedra, para
dentro da qual escorre água fria ou aquecida ao sol. É nesta bacia (tão grande,
maior até do que o túmulo de um chefe) que as pessoas entram para se lavarem e
tirarem do corpo a areia dos baús. Também existem, é claro, cabanas com mais
baús: existem até cabanas em que cada criança, cada criado, tem um quarto para
si e até mesmo os cães e os cavalos.
4 Reuniões, deliberações
3
É nestes baús que o Papalagui passa a sua existência; ora num, ora noutro,
conforme as horas. É aí que as crianças crescem, muito acima da terra, muito
alto, em inúmeros casos mais alto que uma palmeira, entre pedras. De vez em
vez, o Papalagui sai dos seus baús privados (“é assim que os chama”) e vai ter a
outro
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