PRETO CONTRA BRANCO: UMA DISPUTA SEM CAMPEÃO
Por: Joevan Santos • 28/5/2017 • Resenha • 1.173 Palavras (5 Páginas) • 465 Visualizações
PRETO CONTRA BRANCO: UMA DISPUTA SEM CAMPEÃO
JOEVAN SANTOS DE OLIVEIRA[1]
No país em que ainda se sustenta o mito da democracia racial escolher a que cor/raça pertence não é um questionamento de fácil resposta. Povo miscigenado que somos, herdeiros de três povos, aqui, em terras tupiniquins, de branco, de preto e índio todo brasileiro tem um pouco. E foi com essa ideia de democracia que se construiu, desde o fim do século XIX, e que ainda se reproduz na contemporaneidade, a falácia de que o Brasil é um paraíso racial onde existe uma igualdade de oportunidades independente da cor.
O documentário Preto contra Branco (2004)[2] utiliza uma clássica partida de futebol como pano de fundo para suscitar essa discussão sobre o preconceito racial no Brasil. O filme de Wagner Morales mostra o tradicional encontro de amigos apaixonados por uma pelada que acontece há 44 anos no bairro de São João Clímaco, periferia de São Paulo. A disputa, inicialmente, era dos casados contra os solteiros, isentado da sua atribuição étnico-racial. Mas desde o início da década de 70 as equipes são divididas pelo tom da pele – ideia do “crioulo gente boa” Tipiu. Para fazer do duelo cada jogador declara sua cor. De um lado, os pretos. Do outro, os brancos.
A separação dos times por esse critério não é um incentivo a discriminação, segundo os organizadores. Inclusive, esse momento festivo fora até capa da revista Trip[3] com o título sugestivo “Pretos x brancos: uma partida de futebol põe em xeque o preconceito racial no Brasil”. Porém, o diretor Morales, em sua reportagem fílmica, insufla que este jogo tem fatores que são relevantes à discussão do preconceito racial no Brasil, partindo da concepção de que o critério de que essa identificação, se preto ou branco, seria um ingrediente para acirrar a disputa.
Esta divisão para os jogos do Grêmio Esportivo Flor remete a histórica divisão da sociedade brasileira. São séculos de separação. Pretos de um lado, brancos de outro. Pretos na senzala, brancos na casa-grande. Antes da abolição da escravatura – mentira pra inglês ver – humanos da pele escura nem faziam parte da sociedade. Com a assinatura da Lei Áurea, o negro passou a estar à margem dos direitos civis. Era complicado dar os mesmos direitos à força da lei a duas raças completamente distintas e desiguais, segundo as teorias raciais da época. Como não poderia ser adotado um sistema de segregação legal para que negros e brancos não se misturassem sob pena de crime como nos Estado Unidos, muito menos extinguir a grande massa de ex-escravos, a ideia era embranquecer o país. E esse processo só seria possível através da miscigenação, sem a condenação da hibridação. Assim como foi a Redenção de Cam[4], a miscigenação seria a redenção do Brasil.
Séculos se passaram, e o Brasil se transformou no país do samba, do futebol e das “morenas cestrosas”. Miscigenação a gente vê por aqui. E, é a via de regra para classificar aquela pele que não é branca, e nem é tão negra. Como Marcelo, um dos moradores entrevistados: mãe negra (que se declara marromzinha, ou café com leite),pai branco. Marcelo se declara moreno, assim como 43 % dos brasileiros que se consideram pardo. Artifício que o faz ser jogador dos dois times do Flor, assim como tantos outros. Ora os jogadores se acham pretos, ora se acham brancos. Os pardos, os queimadinhos de sol, morenos e mulatos estão “transitando” entre as duas raças e, consequentemente, entre os dois times da várzea.
Vale ressaltar que desde sempre a cor parda prevaleceu nas classificações raciais, agrupando, desse modo, uma diversidade que vai do branco ao preto. É difícil se declarar negro. Primeiro pelo estigma sócio-histórico, consequência de anos de escravidão e do contexto pós abolição que resultaram em marginalização social. Segundo porque existe a ideia de que negro é uma pessoa de pele muito escura. Está justificada a cena em que alguns entrevistados escolhem a cor ou a tonalidade mais clara para aparecerem no video. Sempre mais claro ou até avermelhado. Escurecer, não!
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