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O Dublê de Corpos

Por:   •  28/8/2022  •  Dissertação  •  2.745 Palavras (11 Páginas)  •  99 Visualizações

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***Andrez***

07h

Cansaço virou rotina.  Aperto o controle do portão e quando vou manobrar o carro pela visão lateral noto uma movimentação incomum do outro lado da rua: um caminhão de mudanças, dois rapazes carregando caixas e uma mulher, que mulher. Morena, baixa, magra, maravilhosa é uma palavra sem significado perto do brilho que ela emana. A cena tem um ar meio surreal, ela é bonita demais para o bairro, está segurando um cachorrinho enorme no colo, como é mesmo o nome daquela raça que aparece falando no filme M.I.B. – Homens de Preto? Pug! Ela está com um pug no colo, vestida de forma casual, simples, o que a deixa mais bela ainda e está orquestrando a mudança de uma forma tão organizada que dá vontade de contratá-la para o meu departamento de investigação que se encontra um caos desde que o último estagiário pediu a conta.

        Entro em casa com a lembrança dela, jogo as chaves em cima da mesa no hall de entrada. Faço um café, modo “full black” e entro num banho reenergizante. Trinta e oito horas de trabalho. Antes de virar investigador eu sabia que isso era possível, mas nunca imaginei que se tornaria minha rotina. Isso acabou com qualquer chance que eu pudesse ter de um relacionamento normal. Me enrolo numa toalha e dou uma passada rápida nas principais manchetes do jornal. O de sempre, planeta está instaurado num caos absoluto. Deito só de boxer na cama e apago.

        17h

        Acordo depois de muitos pesadelos e um sono nada reparador. Ando pela casa sem saber exatamente o que fazer. É estranho ser horcarolic, quando você não está trabalhando é como um peixe fora d’agua. Sento na varanda de casa com uma pasta cheia de dados da última investigação em curso. Um caso com poucas pistas, muitas incongruências e absolutamente nenhum suspeito por hora. Nada comum numa cidade pequena do interior.

        A nova vizinha está saindo. Calça legging preta, camiseta dryfit preta e tênis branco. Fones de ouvido sem fio. Combinação clássica de quem pratica esporte, será que ela já se matriculou em alguma academia do bairro? Ela se mudou hoje da manhã. Como será que teve tempo? Enfim, ela conseguiu me impressionar. E não é pelos motivos óbvios citados de manhã. Ela tem o feeling de militar: certificou-se de estar trancando a casa com cuidado, olhou todos os lados antes de sair, não estava com nada de valor à vista, e um detalhe que quase me passou despercebido da minha varanda, ela estava usando um soco inglês, extremamente discreto. Garota esperta! Meu espírito de curiosidade me faz ter comichões.

        19h

        Talvez eu tenha algo novo para a investigação em curso, talvez, mas só talvez o cara que se acha muito esperto tenha deixado umas poucas pegadas que pode nos colocar em sua cola. Amanhã de manhã preciso dividir minhas novas descobertas com a equipe de homicídios. Dou uma última alongada, preciso comer algo, mas sem coragem para cozinhar, jeito vai ser pedir um delivery. É quando a noto, impossível não notá-la, caso você fosse cego, provavelmente sentiria a energia dela daqui da minha varanda. Despenteada, cabelo todo grudado na nuca, suada, se ela não for maratonista para estar suada daquele tanto seria interessante procurar um endocrinologista, por que ela parece que tomou chuva, apesar do calor insuportável do meio do verão. Faz um aceno com a mão e sorri, certifica-se que está em segurança e entra para dentro, com tanta rapidez, que de novo, me impressiona.  

A vizinha me intriga tanto que pareço aqueles caras de música sertaneja que fica indo pedir açúcar emprestado. Juro que minha vontade é ir na casa dela com essa desculpa esfarrapada e clichê, só para ver se o perfume dela é doce. Contenho a vontade de fazê-lo, coloco uma música para tocar e começo a malhar enquanto decido o que vou comer. Com isso espero apagá-la dos meus pensamentos.

***Alex***

Recomeço, você sempre pode recomeçar. Desde que se sinta forte o suficiente para tanto ou humilhada demais para continuar onde está. Bem, no meu caso, foi a segunda opção. Quando minha mãe morreu, meu padrasto prometeu cuidar de mim. Vejamos, ele não foi capaz de cumprir uma mísera promessa e furtivamente veio a falecer num acidente de trabalho exatamente quando eu completei a maioridade. Um saco, vocês devem pensar, não é mesmo? Mas depois de sofrer abusos de toda sorte durante seis míseros anos, foi mais alívio do que remorso o que eu senti.

Estava estudando letras, tinha acabado de iniciar a faculdade, trabalhava numa livraria durante meio período, tinha acesso a toda e qualquer tipo de informação sobre qualquer assunto e lendo entendi meu propósito de vida. Deveria salvar àquelas que como eu, deveriam ser protegidas por aqueles que amavam, mas eram incineradas na dor e na vergonha.

De onde eu parei mesmo? Ah sim. De hoje de manhã, quando pela sexta vez em dez anos me mudei de cidade. Pré-requisitos para minha nova habitação: um lugar longe do último endereço em no mínimo 150 quilômetros, um bairro tranquilo, uma vizinhança clássica de gente que trabalha e tem família, muros altos, um bom sistema de segurança e no mínimo uns poucos metros de grama para o senhor Stark (meu cachorro).

Pesquisei bastante sobre o novo sobrado que iria alugar, sempre contratos de um ano com pagamento de alguns meses adiantados. Vizinhança se adequava nos padrões que buscava, então ficava mais fácil socializar. Depois de muitas mudanças, organizar tudo para que não se perca tempo na organização depois não é mais um problema, sempre etiquete as coisas, sempre. Ok? Por que assim você não precisa abrir algumas caixas se não for usar até a próxima mudança, que invariavelmente acontecerá no prazo de quatro estações. E como nunca recebo visitas, isso virou um péssimo hábito, eu sei. Mas sabe, tem coisas que ainda não entendi por que teimo em guardar, deve ser aquela balela de valor sentimental. Só isso explicaria alguns livros e outros souvenires que estão numa caixa com uma etiqueta escrita: arte neoclássica.

Deixei tudo empacotado e sentei no meu escritório. Uma casa com escritório não estava nos planos, mas pelo preço que pago nos aluguéis, que mal há, não é mesmo? É um luxozinho (existe essa palavra será, ou é assim que se escreve?). Ah, deixa a gramática de lado e vamos falar do escritório. Um espaço de mais ou menos doze metros quadrado, não sou boa em medidas, se fosse seria arquiteta e não tradutora. Todo mobiliado em uma madeira clarinha. Não entendi por que foi a única parte da casa que fizeram em marcenaria, mas a pessoa que decorou tinha um gosto muito minimalista. Perfeito! Numa parede há uma estante para livros onde penso eu que terei que comprar no mínimo uns trezentos livros para enchê-la, uma mesinha de centro (vou por uma bandeja com café sem açúcar e tâmaras lá), duas poltronas que reclinam, um tapete mais macio que minhas cobertas, do outro lado uma mesa estilo escritório de advogado chique, duas cadeiras de um lado, outra atrás, parece cadeira de gamer, tudo isso emoldurado por um blindex gigante de quatro portas que dá no jardim. Acho que falta uns dois quadros, mas vou providenciar depois.

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