AD 2 FILOSOFIA
Trabalho Escolar: AD 2 FILOSOFIA. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: seabrabp • 23/2/2015 • 915 Palavras (4 Páginas) • 592 Visualizações
Para além da inveja do tênis
Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo,
em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, em 20 de janeiro de 2014.
Na década de 1990, um sintoma aterrorizou o país: cresciam relatos de meninos que agrediam ou
até matavam outros, um pouco mais ricos, para roubar um par de tênis de grife, no que parecia ser o
paradigma do crime por motivo fútil. Cunhei a expressão "inveja do tênis", para explicar por que
algo tão supérfluo, vaidoso ou vão quanto um item de conforto pode mobilizar paixões que a luta
por grandes necessidades da vida nem sempre desperta. Sustentei que as "causas nobres", como a
educação, a saúde, a segurança, o transporte, o emprego, não conseguiam gerar o investimento
psicológico que um artigo de grife suscita. O caso dos rolezinhos traz de novo à tona esse tema, mas
numa chave bem diferente.
Lembremos as manifestações de 2013. Em julho de 2011, Juan Arias, que há anos cobre com
competência para o jornal espanhol "El País" o que acontece no Brasil, lamentava: por que
investimos tanta energia na Parada Gay - que hoje, em São Paulo, rivaliza com o carnaval carioca
em mobilização de libido - e não depositamos sequer uma parcela disso na luta por questões
prementes, como poderiam ser as que mencionei acima? Pois as manifestações de maio e junho de
2013 devem ter realizado alguns sonhos do correspondente espanhol. Elas marcaram uma grande
novidade em nosso país, com multidões indo às ruas para traduzir suas carências, suas necessidades,
em direitos, em exigências, em política. Ponto para o Brasil.
Já os rolezinhos parecem voltar à lógica do tênis. O que os jovens pobres vão fazer nos shoppings é
clamar por sua integração na sociedade de consumo. Querem, como todos os de sua idade, desfrutar
do prazer. Há um charme nisso, que inclui o uso do verbo "pegar" (que na sua polissemia herda o
lugar de outra palavra ambígua, que os mais velhos não entendiam, o "ficar" de dez anos atrás) nas
convocações que circulam no Face. Mas algumas grandes mudanças precisam ser apontadas - e
celebradas.
Primeira: os rolês não são ações individuais, mas coletivas. A ação coletiva tem mais chances de
construir o futuro, de mudar o mundo. Segunda: as convocações claramente repudiam o crime. Os
rolês são chamados para serem atos não-violentos.
Recomendo o fascinante filme "O mordomo da Casa Branca" (2013), que mostra décadas de
preconceito racial vistos por um mordomo que serve a sucessivos presidentes dos Estados Unidos.
Destaco uma cena. Em 1960, vários jovens negros entram numa lanchonete do Sul, sentam-se do
lado proibido para os "de cor" e pedem para serem atendidos. Não o são. Acabam espancados por
brancos da elite local. O pedido - educadíssimo, sem violência alguma - para "ser atendido" num
lugar em que eles não são bem-vindos aproxima o caso norte-americano do brasileiro. Uma
diferença é que no Brasil a segregação não é legal - mas mesmo assim existe. Outra é que nossos
jovens pobres estão indo aos shoppings para rir, brincar, ocupar o espaço com sua alegria.
Daí, terceira característica: os rolezinhos são atos políticos. Com ou sem consciência disso, os
participantes se reúnem - em vez de atuar sozinhos - para exigir direitos. É incrível o poder da
união. Longe do que o pensamento mais conservador teme, unir forças não leva ao crime, mas
afasta dele.
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