Golpe Militar
Dissertações: Golpe Militar. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: Vlavina • 10/4/2014 • 8.062 Palavras (33 Páginas) • 432 Visualizações
COMPREENSÃO HISTÓRICA DO REGIME EMPRESARIAL-MILITAR BRASILEIRO
Fábio Konder Comparato*
Meio século após a instauração do mais longo regime de exceção de nossa história política, é importante examinar suas causas e analisá-lo num amplo contexto social, ultrapassando fatos singulares e personagens individuais.
Com esse propósito, parece-me necessário considerar, antes de mais nada, a tradicional estrutura de poder vigente entre nós e a po-sição que nela ocupou a corporação militar.
I
Posição das Forças Armadas na Estrutura de nosso Poder Político
Em todo o curso da História do Brasil, a organização do poder apresentou uma estrutura dualista, englobando de um lado os agentes estatais, e de outro lado os potentados privados, ou seja, os grandes proprietários e empresários. Enquanto os primeiros se apresentaram oficialmente como titulares do poder político e administrativo, os segundos, graças ao seu poderio econômico, não deixaram de exercer sobre aqueles uma influência determinante. Essa organização do poder político, a bem dizer, é própria da civilização capitalista. “O capitalismo”, como bem advertiu Fernand Braudel, “só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”.
Como órgão auxiliar dessa estrutura dualista de poder sempre atuou a Igreja Católica. A monarquia portuguesa havia obtido do papado, durante a Idade Média, o privilégio do padroado régio, que habilitava o monarca a propor a criação de novas dioceses, escolher os bispos e propor sua sagração ao papa; além do chamado beneplácito, que era o poder de o rei aprovar previamente as normas e determinações da Santa Sé destinadas ao reino. Em razão do padroado, que vigorou entre nós até a República, os eclesiásticos atuaram como autênticos funcionários da Coroa. Mesmo após a separação entre a Igreja e o Estado, estabelecida pela primeira Constituição republicana de 1891, a Igreja Católica exerceu no Brasil uma influência decisiva, em defesa da ordem política estabelecida.
Quanto ao povo propriamente dito, ele nunca, nem de longe, deteve a soberania e, salvo períodos de curta duração – como durante a “Era Vargas”, por exemplo – ficou totalmente alheio ao esquema geral de exercício do poder político, mesmo quando, a partir do período republicano, foi constitucionalmente proclamado como a fonte de onde emanam todos os poderes.
Entre os dois grupos dominantes acima nomeados –os agentes estatais e os potentados privados – estabeleceu-se aquela dialética da ambiguidade a que se referiu o historiador José Murilo de Carvalho, retomando uma expressão cunhada pelo sociólogo Guerreiro Ramos. Cada um desses grupos de poder sempre busca, antes de tudo, realizar o seu próprio interesse e não o bem comum do povo. Mas, salvo conflitos episódicos, mantêm-se associados, em situação de mútua dependência. Assim, enquanto o conjunto dos agentes estatais – governantes, legisladores, juízes, membros do Ministério Público, altos funcionários – no exercício de suas funções oficiais favorece a realização dos interesses econômicos dos potentados privados, estes últimos, sob o disfarce da submissão ao poder oficial, não cessam de exercer pressão sobre os primeiros em todos os níveis – legislação, ad-ministração, prestação da justiça –, quando não os corrompem, pura e simplesmente. Aliás, a generalizada prática da corrupção dos agentes públicos, herdada de Portugal, marcou toda a nossa história, havendo chamado a atenção de notáveis viajantes estrangeiros no século XIX.
Até o final do Império, as Forças Armadas atuaram como organização auxiliar desse esquema dúplice de poder. A partir da Guerra do Paraguai (1865-1870), entretanto, a corporação militar manifestou crescente insatisfação com o seu estado de dependência na organização estatal, como passamos a ver.
a) Período colonial
A colonização portuguesa, tanto na América, quanto na Ásia e na África, teve, desde o início, um caráter nitidamente mercantil.
Com efeito, a partir do reinado de D. João I, inaugurador da dinastia de Avis na segunda metade do século XIV, o pequeno reino ibérico conheceu a primeira grande revolução dos tempos modernos, com o rompimento da milenar estrutura social da civilização indo-europeia. Nesta, como sabido, a sociedade era dividida em três estamentos (États, Stände): o dos clérigos, o dos aristocratas-militares e o dos simples servos lavradores. Sucedeu que no dealbar da Baixa Idade Média, nas localidades chamadas “burgos de fora”, ou seja, não sujeitas ao poder feudal, surgiram e prosperaram três grupos sociais estranhos àquela tripartição estamental, e que passaram, em razão de sua origem territorial, a ser denominados burgueses: os comerciantes, os juristas e os militares de profissão.
O Mestre d’Avis, assumindo o trono logo após a grande crise de 1383 – 1385 entre Portugal e Castela, afastou da Corte a nobreza favorável à aliança entre ambas as Coroas ibéricas, e chamou a si aquelas três categorias de burgueses, atribuindo-lhes a missão de servi-lo diretamente na luta pela manutenção da independência do reino. Criou, destarte, aquele estamento burocrático, cuja atuação na história política de nosso país foi analisado em profundidade por Raymundo Faoro em obra já clássica.
A grande aventura colonial, desenvolvida a partir da descoberta da América e a abertura do caminho marítimo para as Índias, foi desde o iníicio montada com o auxílio dos militares e comerciantes ligados à Coroa. O próprio rei tornou-se o primeiro comerciante do reino. Em suma, como disse Alexandre Herculano, fundou-se em Portugal um regime de capitalismo político.
No sistema das capitanias hereditárias, por primeiro instalado no Brasil, a autoridade máxima local, o capitão-donatário, era dotado de todos os atributos régios, notadamente o poder militar, e desenvolvia pessoalmente a atividade de exploração mercantil da terra. Sobrevindo o regime de governo-geral, inaugurado por Tomé de Souza em 1549, garantiu-se, em benefício de alguns senhores de engenho designados pela Coroa, o oligopólio da produção de açúcar. “O ser senhor de engenho”, asseverou Antonil em sua obra de 1711, é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos”.
Criou-se em consequência, em todo o período colonial, uma estrutura dúplice de poderes, reunindo de um lado os grandes fazendeiros e senhores de engenho, e de outro lado o estamento burocrático
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