O CONSPIRACIONISMO E CONSPIRAÇÃO
Por: Victor Gabriel • 12/11/2019 • Artigo • 4.589 Palavras (19 Páginas) • 130 Visualizações
CONSPIRACIONISMO E CONSPIRAÇÃO. Do discurso anticomunista exacerbado à “Ditadura Empresarial Militar” de René Dreifuss.
Victor Gabriel de Jesus Santos David Costa
Resumo
Esse trabalho visa debater alguns dos trabalhos historiográficos mais utilizados para se pensar a Ditadura Empresarial Militar brasileira, a fim de problematizar as mais variadas argumentações que compreendem o desmonte do Estado de Direito, enfatizando na mais famosa justificativa para implementação de tal golpe: a ameaça comunista em terras brasileiras. Além disso, busca-se discutir como a teoria do Estado Ampliado de Antonio Gramsci é de fundamental importância para compreender a complexidade de uma temática tão discutida nesses tempos de efervescência política, sendo utilizada para pensar em tal perspectiva teórica a obra 1964. A Conquista do Estado, do cientista político René Dreifuss.
Palavras chave: Anticomunismo, Ditadura Empresarial Militar, Teoria Gramsciana.
Da ausência de um projeto à articulação estruturante
O pioneirismo da obra Brasil: de Castelo a Tancredo (1985) do autor Thomas Skidmore, deve ser ressaltado como uma das primordiais análises na qual se verifica um exacerbado detalhamento de informações documentais acerca do regime ditatorial brasileiro. Entretanto, tal investigação possui uma versão um tanto quanto acrítica, na qual o referencial teórico do autor pouco se vê, construindo assim, uma narrativa pura e sem tanta problematização. No texto verifica-se o uso de afirmações que foram desenvolvidas pelos golpistas como forma de legitimar aquilo que eles chamaram de “revolução”. O exemplo deste fator encontra-se na acusação ao presidente João Goulart “por alianças comunistas e por planejar o início de uma possível guerra civil” (MENDES, 2016, p.317), fazendo da ditadura um “mal necessário”.
Estas acusações também se encontram no livro Ditadura à brasileira: 1964-1985 a democracia golpeada à esquerda e à direita (2016), do autor Marco Antonio Villa que, numa tonalidade mais maliciosa e direta, como sugere o próprio título de seu livro, justifica a tomada autoritária do poder direitista não pelos seus planos profundamente complexos e arquitetados em prol de possibilitar a instalação de uma hegemonia de determinadas frações de classes, mas, com o intuito de desarticular o golpe comunista da esquerda que já estava em desenvolvimento deste o início dos anos de 1960, sendo esta análise um ponto de partida que o autor utiliza para engrandecer os feitos dos ditadores. Em artigo datado do ano de 2009 (“Ditadura à brasileira”), publicado na Folha de São Paulo, ele explana “os possíveis ‘benefícios’ da industrialização e modernização daquela época, ‘esquecendo-se’ das contradições envolvendo os trabalhadores, a alta inflação e a dívida externa que até hoje ecoam nas estruturas econômicas do Brasil.” (AIRES e CAVALCANTI, 2014, p.11-12).
Uma das obras historiográficas que insinuam um determinado extremismo no atual discurso da esquerda sobre a temática, desatacando que os reformistas não foram vítimas da história e dos golpistas maquiavélicos, é a do autor Marcos Napolitano, na obra 1964: História do Regime Militar Brasileiro (2014). O historiador compreende a instauração do regime ditatorial como uma consequência do processo de profunda divisão da sociedade brasileira, ou seja, uma disputa entre classes. No livro busca-se esclarecer que a justificativa para tal implementação da ditadura vai muito além daquela que coloca na conta de João Goulart uma provável intenção revolucionária de cunho comunista. Napolitano enfatiza nos fatores além das fronteiras brasileiras, ou seja, nos projetos intencionais intensificados pelo momento geopolítico, oriundos da guerra fria. Particularismos que acabam por transplantar uma corrente anticomunista de maior intensificação. Além disso, o autor envereda pela tese de que a ditadura não fora uma ideia despretensiosa e sem direcionamento lógico, por mais complexo, errático e multifacetado, ainda sim, deve-se pensar em tal regime como um projeto.
Justificando o (in)justificável? os comunistas de espingardas enferrujadas.
Como já fora dito anteriormente, uma das formas de justificar a implantação do Golpe derivava da ideia de uma “possível ameaça comunista”, de um “inimigo interno” que trazia consigo sementes da estagnação do desenvolvimento econômico da nação. Dessa maneira, a criação de um complexo sistema de informação e repressão que serviria para parar esses filhos “revoltosos” da pátria tornava-se necessário para a concretização do “progresso” e da tão sonhada “ordem nacional”. Evidentemente que esses slogans patrióticos vieram a ser utilizado, em grande medida, como uma maneira consensual de justificar os acontecimentos nefastos ocorridos ao longo da ditadura. Para embasar tal argumentação, basta entender o que estava acontecendo dentro das próprias estruturas do Partido Comunista do Brasil (PCP) a partir dos anos de 1950, o principal núcleo estruturante das ideologias comunistas do país naquele momento[1].
Ao longo da segunda metade do século XX, parte da liderança do antigo PCB preferiu seguir uma corrente não radicalista contra o governo Dutra (1946-1951), assumindo, dessa forma, “[...] outra posição que defendia uma revolução anti-imperialista e antifeudal através de um caminho pacífico e de uma frente ampla, democrática e nacional adotada em apoio à candidatura de Juscelino Kubitschek. ” (SILVEIRA, 2013, p.292). Essa nova estratégia promoveu uma grande cisão entre aqueles que queriam um projeto revolucionário e os que posicionavam-se a favor da nova frente reformista e mais pacifista. Além disso, em 1956 o relatório de Nikita Krushev, exposto no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), que denunciou diversos crimes do stalinismo, aprofundou mais ainda uma cisão que se concretizaria mais tarde, em 1962. Por conta do novo estatuto do PCB, exposto no V Congresso do partido, em que presava pela retirada da ortodoxia marxista, e algumas de suas termologias como a “ditadura do proletariado”, grandes nomes como João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois organizam um novo comitê central com a prerrogativa de reorganizar um novo Partido Comunista do Brasil, a partir de um novo estatuto e com uma nova sigla: o PCdoB.
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