O DISTRICTO DE OSASCO: NOTÍCIA DE JORNAL

O DISTRICTO DE OSASCO: NOTÍCIA DE JORNAL

por Sonia Regina Martim

Ao realizar pesquisa para a dissertação de mestrado, obtive cópias de alguns exemplares do jornal semanal ''O Districto'', de 1919, que circulava no então distrito de Osasco.

Embora o semanário estivesse vinculado à ''Liga dos Interesses Locaes'', organização política liderada por Júlio de Andrade e Silva, não poderia desprezar as informações ali contidas, evitando-se o risco de '' jogar a criança fora junto com a água da bacia – ou, deixando de lado as metáforas, a cultura popular junto com a documentação que dela nos dá uma imagem mais ou menos deformada''(1)

Com este trabalho pretendo resgatar as ações individuais dos líderes (e adversários políticos) – Júlio de Andrade e Silva e Coronel Delphino Cerqueira --, bem como recuperar a vida cotidiana da sociedade osasquense da época, relatadas naquele periódico.

O anúncios publicitários do jornal revela que o comércio local, composto de pequenos negociantes, além de reduzido e concentrado, era bem conhecido por seus consumidores, pois exceto a Fábrica a Vapor (que ficava em São Paulo) e da Irmania (que funcionava junto à 'Liga dos Interesses Locaes'), os demais anunciantes não especificavam o endereço de seus estabelecimentos.

No último dia de 1918, Osasco foi elevado a categoria de Distrito do município de São Paulo, (lei no. 1634) fato noticiado pelo 'O Districto', na edição de 20 de abril de 1919.

''Temos a satisfação de hoje, orientar o público das divisas do districto, devidamente approvadas e em cujo êxito muito se esforçou o sr. Júlio de Andrade e Silva....

Segue-se a descripção geral...

Câmara dos Deputados, 31 de dezembro de 1918''

1 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p.22.

Mediante esse texto, verificamos o nascedouro dos limites territoriais legais de Osasco e também o acirramento das disputas entre as lideranças políticas locais, tendo, de um lado, o latifundiário Coronel Delphino Cerqueira, que liderava politicamente a vila e, de outro, o industrial Júlio de Andrade e Silva, que surgia como oposição. Cada um deles pretendia se apresentar como único representante local do PRP – Partido Republicano Paulista, que era situação e dominava a cena política no Estado.

O ano de 1919 foi bastante rico para a história de Osasco, pois com a elevação da vila à condição de distrito, vários cargos surgiram dentro da administração pública local, gerando eleições locais, disputas e confrontos.

Em todas as edições consultadas, encontramos textos cujo propósito era a desmoralização do grupo adversário, liderado pelo coronel Delphino Cerqueira, que era ridicularizado e hostilizado:

''... esperamos que o chefe desse grupo (de Delphino Cerqueira) não volte mais ao sonno lethargico de outros dez annos quase, porque se adormece temos de lhe aplicar novas dozes do nosso relho.''

Era tão clara a finalidade de denegrir os 'cerqueiristas' que, ao noticiar o pleito eleitoral de 13 de março, quando Júlio de Andrade e Silva foi eleito Delegado de Osasco junto ao PRP, cargo reconhecido pela Comissão Central do Partido para Osasco, o jornal mostra seus eleitores como superiores e nobre, ao passo que os do grupo adversários são subestimados:

''Quem votou a meu favor, praticou esse acto previamente conhecedor de si e da ação nobre que se deve exercer a boca da urna, o que já assim não acontece ao eleitorado do meu adversário, que sendo quase todo elle constituído de gente assalariada, pelo trajar e até pela difficuldade de responder a chamada, se revelou na qualidade de que se travestia''

Ficava evidente que o grupo de Júlio e Silva tentava vincular ao seu líder a imagem do homem novo, moderno, industrial, estudado e culto, ao mesmo tempo em que atribuía ao coronel Delphino Cerqueira a idéia de um homem ultrapassado, caipira e inculto. Os progressos locais eram freqüentemente atribuídos a Júlio e Silva, considerado também o de responsável pela ascensão da vila à condição de distrito.

As ameaças que recebiam dos adversários também eram menosprezadas, como revela o texto de 30/11:

''Com a bocca no gargallo – A polícia foi dada com particulares informes uma comunicação em que se esclarece o seguinte:Um individuo residente neste districto temporariamente, a mando de uns bandidos, assalariou uns capangas para executar nesta terra uma série de aggressões de emboscada, no que ainda não foram felizes os inferiores bandidos.

A polícia esta porém, ao facto de tudo e de muita coisa mais que é nosso dever silenciar por enquanto.

Andam sem sorte os refinados crápulas .... mesmo sem sorte.''

Numa leitura ampla, o texto retrata a situação vivida, na época, em todo o país: a chamada política coronelista, que resolvia suas diferenças políticas por meio da violência e ameaças. O poder concentrava-se nas mãos dos homens de posses e as diferenças políticas eram tratadas como questão de honra pessoal. As desavenças eram resolvidas a bala.

Os eleitores submetiam seu voto à constante pressão e intimidação exercidas pelos coronéis.

Em Osasco, o surgimento de um novo grupo político, que poderia desestabilizar o poder do coronel Delphino Cerqueira, acabaria desencadeando uma feroz luta pelo domínio do eleitorado.

A força política de Júlio e Silva na localidade, ficou mais evidente quando, na edição de 30 de março, foi publicada a seguinte Nota Oficial: (a) ''Comissão Diretora do Partido Republicano reconhece o sr. Júlio de Andrade e Silva representante do Districto de Osasco'', na condição de ''Delegado Districtal de Osasco, reconhecido pela Comissão Central'' do partido. Nesse dia (30/3) realizou-se uma grande festa por essa nomeação:

''Da cidade, em trem especial, chegarão cinco carruagens de primeira classe, com os numerosos amigos do illustre Delegado eleito e reconhecido os quaes, formando alas, se dirigirão com a respectiva Banda de musica até a residência do homenageado.''

A comemoração