Análise do filme francês "Um banho de vida" - Análise do Discurso

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A REPRESENTAÇÃO DAS PRÁTICAS IDEOLÓGICAS ATRAVÉS DO NÃO DITO NA MATERIALIDADE FÍLMICA

CLAUDIA TEN CATEN (UNIOESTE)

        Dentre os diversos aparatos que controlam a produção discursiva da sociedade, o cinema serve como um local de reprodução de práticas ideológicas. Supostamente retratando a sociedade ou os indivíduos, os filmes servem como referência para a construção de sentido de diversas “verdades” elaboradas socio historicamente,  dentre elas, o corpo ideal, o comportamento ideal, a família ideal, o relacionamento ideal, culminando assim, na vida ideal. Estas reproduções estereotipadas do que é considerado socialmente adequado/inadequado, são projetadas para o sujeito através de imagens, dizeres e do silenciamento (do que não foi dito). O não dito, de acordo com Orlandi (2020, p.81), também significa, pois “atravessa as palavras, que falam por elas, que as calam”.  Segundo a autora,

todo dizer é uma relação fundamental com o não-dizer. Essa dimensão nos leva a apreciar a errância dos sentidos (a sua migração), a vontade do “um” (da unidade, do sentido fixo), o lugar do non sense, o equívoco a incompletude (lugar dos muitos sentidos, do fugaz, do não-apreensível), não como meros acidentes da linguagem, mas como o cerne mesmo de seu funcionamento (ORLANDI, 2007, p. 12).

        Tomando como corpus de análise de reprodução de discursos não ditos o filme francês Le grand bain (Um banho de vida, em tradução livre, 2018), observam-se vários discursos, já cristalizados na sociedade, sendo reproduzidos através de personagens e situações caricaturais. O enredo apresenta um grupo de homens de meia idade que frequenta a mesma piscina e decide participar de uma competição internacional de nado sincronizado. Cada um deles, incluindo a treinadora, tem seus conflitos pessoais retratados: depressão que incapacita para o trabalho, insatisfação profissional, decepção amorosa e familiar, tragédia, transtornos mentais e psicológicos e adicção. O escapismo encontrado por eles, através do exaustivo treinamento e da sensação de pertencimento ao grupo, somado a profunda simpatia que causa no expectador a exposição de suas falibilidades, produzem o efeito catártico de identificação entre ficção e vida real.

        A primeira apresentação do grupo que causou, ora desinteresse, ora visível constrangimento no público presente na piscina, é, quase que, certamente, acompanhada de risadas também do expectador. Qual a condição de irrupção da comicidade na cena? Um dos discursos que se evidencia, apesar de não dito explicitamente, é o preconceito em relação a participação destes homens em uma atividade esportiva considerada feminina, tal qual ocorre com outras modalidades esportivas como a ginástica rítmica e patinação. O inverso - esportes e atividades considerados masculinos e que não deveriam ser praticados por mulheres-  também se trata de um discurso construído historicamente, e que faz parte de um discurso maior, que exerce uma função de controle, delimitando os espaços femininos na sociedade.

        Na plataforma Netflix, a sinopse do filme apresenta o seguinte texto: “Se você acha que o oceano é cheio de peixes estranhos, espere para ver o que há na piscina pública”. Este enunciado somado a imagem dos seis homens sentados de sunga e touca a beira da piscina, sugerem ao telespectador, que os personagens são bizarros, excêntricos, esdrúxulos, estapafúrdios, segundo a definição dicionarizada da palavra “estranho”.  

O discurso do corpo ideal também se sobressai na apresentação final da equipe. Competindo com diversos adversários de corpos magros e musculosos, a Equipe da França se destaca pela falta destes atributos. Apesar de ganharem a competição, os franceses não possuíam o corpo considerado compatível à alta performance esportiva, discurso repetido constantemente e, recentemente, reforçado publicamente através de críticas à atletas brasileiras nas Olimpíadas que não estavam, de acordo com postagens agressivas em redes sociais e de falas de comentaristas esportivos, na “forma” ideal para a prática desportiva. Cabe ressaltar que, ao digitarmos corpo atlético nas imagens do buscador Google, aparecem imagens de homens e mulheres com músculos definidos, levando à conclusão única de que são atletas os indivíduos que apresentam os corpos padronizados nestas condições.