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A ESTRANHEZA, A ANGÚSTIA E O SER

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Por:   •  13/10/2014  •  9.210 Palavras (37 Páginas)  •  173 Visualizações

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A ESTRANHEZA, A ANGÚSTIA E O SER

THE STRANGENESS, THE UNCANNY, AND THE BEING

Resumo: O artigo analisa a angústia e o estranho como fenômenos da condição humana. Parte da premissa de que a angústia é vivida como a radical desintegração do ser o que concorre para reavivar o estado de desamparo. O estranho produz angústia pelo fato de que o bastante familiar é experimentado como o que provoca pavor. Em se tratando de condições extremas de angústia, temos a vivência a ser explicada por parâmetros outros que não o recalque. Finalmente, a articulação entre angústia e estranho pode ser compreendida em função do momento em que o sujeito é ameaçado de aniquilação tanto no domínio imaginário quanto no que concerne à expressão pela palavra. Por esta razão, o estranho que causa angústia deve ser considerado como aquilo que excede ao princípio do prazer.

Palavras-chave: estranho, angústia, desejo, desamparo, sujeito

Abstract: This article analyzes anxiety and the uncanny as phenomena of the being human condition. It unfolds from the premise that anxiety is at the core of the human condition, and it is experienced as radical disintegration, which sends the subject to helplessness. The uncanny produces anxiety because it is overwhelmingly familiar for, if it has not been experienced, it cannot be feared. From the uncanny follows the experience that is beyond the realm of the repressed. Finally, the articulation between anxiety and the uncanny can be understood as the moment in which the subject is threatened annihilation, either in the domain of the imaginary or in the expression through words. For this reason, the uncanny that causes anxiety must be considered exterior in the realm of the pleasure principle.

Keywords: The uncanny, anxiety, desire, helplessness, subject

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A estranheza, a angústia e o ser

1 – A angústia e o ser

Desde o momento em que o homem caiu de quatro sob o logos, na sua revolucionária subversão ao ascender à posição bípede, não se ocupou de outra tarefa que não seja a de interrogar o mundo e principalmente a sua condição de ser. Nessa árdua tarefa utilizou-se de diversas modalidades de aproximação como finitude, incompletude, carência, falta, nada, vazio, inacabamento e ausência, todas indicativas de uma falha estrutural no âmago do próprio ser. A elaboração, a partir da produção dessas categorias, indica que há algo impossível de ser apreendido pelo pensamento, mas que se coloca diante do Ser como o Nada e o Vazio impossíveis de qualquer preenchimento. A aspiração do homem em querer compreender o Nada ou preencher o Vazio resultaria na possível anulação desses esteios estruturantes do Ser, visto que no Ser vazio de representação, quer dizer, na falha ôntica, o Nada encontra seu lugar como marca daquilo que é possível apenas de vivência sem jamais ser objeto de qualquer universalidade.

O fato de o sujeito ser habitado por uma outra cena, o estrangeiro de seu inconsciente, possibilita-nos recorrer ao ensino freudiano para adentrarmos na singularidade do Ser de cada um, pelo trilhar nas vivências de dor e sofrimento enquanto ocorrências resultantes da presentificação, ao sujeito, do Vazio irrepresentável, lugar que serve de moradia ao Nada. Queda vertiginosa do Ser e abalo na existência cujo resultado imediato é a vivência atemorizadora de dissolução. Eis o que resulta do encontro com o Nada inevitável a quem fez seu ingresso no âmbito da palavra. De porte de valioso instrumento, resta ao homem executar sua sublime tarefa: indagar. Então nada melhor do que nos reportarmos à exortação heideggeriana, por que há simplesmente o ser e não o nada? (HEIDEGGER, 1987:33), para situar uma ocorrência bastante conhecida no âmbito da psicanálise. Certa vez, Freud relata-nos que estava sozinho no compartimento de um trem, quando houve um solavanco que fez girar a porta do toalete e a partir daí, um senhor de meia idade, vestindo um roupão ali adentrou. Presumiu então ter havido um engano e que aquele senhor houvesse tomado a direção errada e entrado inadvertidamente no seu compartimento. Levantou-se tentando fazer ver ao suposto intruso o seu equívoco, quando se apercebeu que o intruso era, nada mais nada menos, o seu próprio reflexo no espelho da porta aberta. O que viu foi sua imagem no vidro espelhado, sem por um instante efêmero, reconhecê-la enquanto um duplo de si mesmo. O que havia ali à sua frente era um outro, a lhe olhar e a lhe fazer experimentar no seu ser, o afeto da angústia. Sendo assim, essa manifestação da angústia, mesmo de forma indeterminada, marcou de forma significativa, o seu ser singular de modo a acompanhá-lo em todos os momentos de sua existência: “ainda me lembro o quanto essa aparição me desagradou”. (FREUD, 1919-1994:247) A vivência desse outro, aparentemente estranho, não lhe causou dúvidas de ser um outro, embora fosse demasiadamente

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familiar, sem que isso tenha evitado a produção da sensação de desprazer. Tal sensação somente pode ser imputada a um resto que escapou na integração da imagem com o corpo: um excesso de tensão proveniente da fratura traumática. Tal excesso conhece vários destinos, dentre os quais, a angústia é o principal por ser revelador do núcleo do Ser, potencializando o estado de desamparo. Eis a condição radical do Ser que se converte na única possibilidade de o homem existir na imposição de seguir a trilha a ser construída como caminho para a morte, destino que somente se inscreve no exato momento de sua ocorrência: nunca antes! Somente o homem tem noção de seu destino, razão que muito lhe importa no diferenciar entre querer viver, como qualquer ser vivo, e querer existir enquanto falante e ator encarregado da escrita de uma história ciente de que “a linguagem é a morada do Ser” (HEIDEGGER, 1973:249).

O pórtico aberto pela angústia e estranheza que levam o sujeito a se indagar, insinuam o Nada, como possibilidade de queda e dissolução e o duplo, como vivência atemorizadora. O duplo apreendido como estranheza inquietante potencializa o resquício da vivência arcaica própria da reação ante o encontro com a imagem. O retorno do mesmo sob a forma de duplo é a estrutura que produz a estranheza experimentada como a intrusão do afeto angústia, paradoxalmente, vivida a partir do que há de mais intimo ao sujeito referido ao território estrangeiro no interior do psiquismo: o inconsciente. Certamente, o que é experimentado como angústia provém de algo interno que causa estranheza precisamente de um ponto aquém do recalque onde pode ser formulado a existência

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