Do Amor Platônico ao Amor Patológico
Por: kikamoleiro • 4/6/2016 • Artigo • 2.312 Palavras (10 Páginas) • 736 Visualizações
DO AMOR PLATONICO* AO AMOR PATOLÓGICO
Isabel Cristina Gouvêa Moleiro[1]
Resumo: O amor é um sentimento capaz de levar à destruição de si próprio e de quem se ama. É possível que ultrapasse a linha da normalidade para adentrar o universo das patologias, quando se transforma em obsessão, abrindo caminho para o amor patológico. O tratamento deve ser realizado conforme a intensidade dos sintomas, a associação de psicoterapia e a utilização de medicação é a forma mais indicada.
Palavras-chave: amor patológico, obscessão, psicoterapia.
Resumen: El amor es un sentimiento que se puede llevar a la destrucción de sí mismo y de quien amas. Es posible superar la línea normal y entrar en el universo de las condiciones cuando se convierte en obsesión, dando apertura del camino para el amor insalubre. El tratamiento debe ser realizado de acuerdo con la intensidad de los síntomas, la combinación de psicoterapia y el uso de medicación es la forma más adecuada.
Palabras clave: amor insalubre, obsesión, psicoterapia.
INTRODUÇÃO
Os amores platônicos são comuns na adolescência e fazem parte do processo de formação, segundo o psiquiatra Raphael Boechat, professor na área de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB).
Existe, e sempre existirão, pessoas que sofrem por não ter reciprocidade no amor. Mas, neste caso não cabe uma abordagem psicopatológica. Trata-se de uma das muitas frustrações da vida humana normal. Entretanto, quando nos deparamos com formas de sofrimento advindo desse mesmo amor, que é versado em prosa e poesia, está qualificado o amor patológico como ferida que dói e que se sente.
Platão em sua obra O banquete, elege a filosofia como a melhor forma de amar, uma vez que nobre é o seu objeto, a saber, o belo, nobre também é o amante, a alma e da mesma nobreza é a relação entre amante e amado. A proximidade entre amor e filosofia levou a expressão “amor platônico” a virar sinônimo de amor filosófico.
Na filosofia helenistica, o amor-paixão era condenado, apreendido como um vício irracional da alma, consideravam também como uma emoção destrutiva que resultava muitas vezes em erros de julgamento. Para eles, a atitude do sábio deveria ser não a destruição da paixão, mas sim sua extinção total, para dar lugar unicamente à razão. Acreditavam que esse homem ideal, desprovido de paixão, teria superioridade como um Deus entre os homens. (Wikipédia, 2016)
Na idade Média (século X – XV), ocorreu o surgimento do amor romântico. Até o séc. XI, a união que visasse à satisfação era considerada errada e pecaminosa. Por outro lado, a união com intenção procriadora era considerada como superior. Para a igreja o amor que deveria existir entre o casal, era o amor ao próximo, à caridade, sem o desejo carnal. O casamento seria assim uma instituição que visava a estabilidade da sociedade, servindo apenas para a reprodução e para a união de riquezas (ROUGEMONT, 1988).
A partir do século XII teve início o denominado amor cortês, o qual se popularizou através dos séculos XIII, XIV, XV e teve plena ascensão na Idade Moderna. A partir dessa época, ocorreu uma grande mudança: a união entre o amor e o casamento, ou seja, o homem começou a escolher o seu parceiro amoroso por amor (ROUGEMONT, 1988).
Na Idade Moderna (séculos XVI – XVIII), com o advento do iluminismo francês e do liberalismo filosófico, importantes críticas ao amor complementar passaram a ocorrer. De acordo com o renascimento, que valoriza a subjetividade do Eu em contraponto ao social, o indivíduo passou a ser entendido como um todo indivisível e foi incorporada a idéia de que cada um é responsável pela sua própria felicidade. No relacionamento amoroso, amante e amado se afirmariam como singularidades absolutas, o que pode ser entendido como um ideal utópico moderno (LÁZARO, 1996).
Immanuel Kant (1724 – 1804) retoma a idéia de que existem duas formas de amor, uma saudável e outra doentia. Para ele, existia “amor-ação” ou “amor prático”, o único moralmente aceitável, uma disposição de agir de modo solicito com que precisa independentemente de qualquer relação que se possa ter, explicita preocupação verdadeira e desinteressada pelo bem do outro. Para Kant, haveria também o “amor-paixão” ou “amor patológico”, aquele impossível de controlar e que inclui desatino e desprezo pelo outro. Atos de amor patológico, segundo Kant, decorreriam de paixões volúveis e não de uma análise racional do que seja certo fazer.
Um exemplo, comum na época de Kant, eram os indivíduos que se apaixonavam por outros de nível social superior: “apaixonar-se por uma pessoa de uma classe social mais alta e esperar desta loucura um casamento não é a causa, mas a consequência de uma prévia perturbação”.
Schopenhauer, em sua obra O Mundo como Vontade e Representação, publicada em 1819, explicou que o amor seria o último objeto de quase toda preocupação humana porque influenciaria nos assuntos mais relevantes, interrompendo as tarefas mais importantes e desorientando as mentes mais geniais.
Jacques Lacan (1985) baseia-se no amor grego para articular o par amante-amado com a estrutura do amor. Aquele que experimenta a sensação de que alguma coisa lhe falta, mesmo não sabendo o que é, ocupa o lugar de sujeito do desejo (amante); aquele que sente que tem alguma coisa, mesmo não sabendo o que é, ocupa o lugar de objeto (amado). O paradoxo do amor reside justamente no fato de que o que falta ao amante é precisamente o que o amado não tem. Se Eros nasce de uma aspiração impossível, que é de dois fazer um, o ser humano inventa o mito do amor, sustentado na promessa de felicidade. E, enquanto isso não vem, o bem se transforma em mal, inaugurando uma escola de amor infeliz.
Amores impossíveis costumam refletir algo que admiramos: a beleza, a inteligência, o charme ou alguma habilidade especial de certa pessoa que nos faz desejá-la. Ao olharmos para essa profunda admiração, que pode chegar à idolatria, é interessante perceber que aquilo que tanto apreciamos no outro é na verdade aquilo que, de alguma forma, não conseguimos enxergar em nós mesmos.
O fator platônico do amor torna inalcançável externamente aquilo que, na realidade, buscamos dentro de nós mesmos.
Projetamos externamente as possibilidades para conquistar aquilo que só será alcançado dentro de nós, mas que colocamos fora do nosso alcance, de alguma forma nos distanciando de nossa própria realização.
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