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Habeas Corpus

Trabalho Universitário: Habeas Corpus. Pesquise 860.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  12/10/2014  •  7.079 Palavras (29 Páginas)  •  358 Visualizações

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Habeas Corpus na Prisão Disciplinar Militar

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Desenvolvimento. 2.1 Da aplicação das sanções no regime da administração militar. 2.2 Limites legais à aplicação do habeas corpus e os Princípios Constitucionais correlatos. 2.3 As inconstitucionalidades dos regulamentos disciplinares militares. 2.4 Aplicação isonômica dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. 2.5 Problemas de ordem social e institucional. 2.6 Possíveis inconstitucionalidades do artigo 142, § 2º da Constituição Federal de 1988. 2.7 Posicionamentos jurídicos e doutrinários. 3 Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo abordar o tema da possibilidade ou não da interposição de habeas corpus quando da ocorrência de prisão disciplinar militar. Neste sentido, serão consideradas as controvérsias jurídicas acerca dos artigos 5º, inciso LXVII e 142, parágrafo 2º da Constituição Federal e do artigo 647 do Código de Processo Penal Brasileiro.

Este instituto de grande valia para garantia do direito individual à liberdade, derivado do Direito Romano, foi criado na Inglaterra pela Magna Carta outorgada pelo rei João Sem-terra. É uma locução composta do verbo latino habeas e a expressão corpus, podendo ser traduzido como “ande com o corpo” ou “tenha o corpo” e tem como precípua finalidade, proteger o direito à liberdade de locomoção dos indivíduos.

No Brasil, o habeas corpus foi visto pela primeira vez com a promulgação do Código de Processo Criminal, do ano de 1832, em seu artigo 340, porém, alguns doutrinadores como Pontes de Miranda, entendem que tal instituto já constava implicitamente no direito pátrio, desde a Constituição Imperial de 1824.

Cabe aqui destacar um dos vários conceitos dados ao instituto jurídico em tela, que na visão de Antônio Mossin, pode ser definido como “o remedim iuris de natureza constitucional, voltado à tutela da liberdade de locomoção do indivíduo, quando coarctada ou ameaçada de sê-lo por violência ou coação decorrente de ilegalidade ou abuso de poder”.

Registre-se que, o writ da liberdade, possui duas espécies, o habeas corpus liberatório ou repressivo, aplicável quando já houver um constrangimento ilegal à liberdade de locomoção e o habeas corpus preventivo, destinado a afastar uma ameaça de lesão ao direito à liberdade de locomoção de um indivíduo, através da expedição de um salvo-conduto.

A discussão sobre o tema tem fundamento na leitura do artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal, que não veda em momento algum a concessão do writ da liberdade aos servidores militares, porém, a própria Constituição traz expressamente em seu artigo 142, parágrafo 2º a vedação à concessão daquele remédio constitucional, sendo ratificado pelo legislador no Código de Processo Penal, em seu artigo 647.

A liberdade é um direito garantido pela Constituição Federal a todos os cidadãos, independente de sua raça, credo, cor, profissão ou outra distinção, não fazendo o artigo 5º, inciso LXVIII da Carta Manga, qualquer vedação deste direito aos militares Federais ou Estaduais, portanto, negar aos mesmos o direito a utilização desse remédio constitucional, direito fundamental de todos, é a mesma coisa que negar a vigência daquele dispositivo legal.

O próprio preâmbulo da Constituição Federal destaca como um dos objetivos principais da Assembléia Nacional Constituinte, garantir, dentre outros direitos, a liberdade como valor supremo para construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Por conseguinte, negar-se aos militares o direito a interposição de qualquer remédio constitucional, seria um contra-senso à própria vontade do legislador originário, segundo parte da doutrina pátria.

Por outro lado, existe corrente doutrinária no sentido de que não cabe a impetração de habeas corpus na prisão disciplinar militar, pelo fato de que tal prisão é uma punição aplicada pelo Comandante do militar que tivesse cometido uma transgressão disciplinar, sendo, portanto, ato administrativo punitivo, não cabendo, por parte do Poder Judiciário, qualquer apreciação dos motivos que determinaram a aplicação da punição.

Os dados apresentados neste artigo foram elaborados através de pesquisa bibliográfica, livros de escritores especializados no presente tema e que buscam solucionar questões controvertidas, bem como através da Internet, jurisprudências e partes de textos legais pertinentes ao assunto.

O desenvolvimento do artigo está dividido em sete partes. Na primeira parte, aborda-se o tema proposto sob uma abordagem institucional. Na segunda parte, serão discutidos os limites legais a impetração do habeas corpus ante alguns Princípios Constitucionais. Na terceira parte, será tratada a questão das inconstitucionalidades existentes nos regulamentos disciplinares militares. Na quarta parte, será abordado o tema da aplicação dos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Na quinta parte, será abordada a questão dos problemas de ordem social e institucional que envolvem o tema. Na sexta parte, serão questionadas as possíveis inconstitucionalidades do artigo 142, § 2º da CRFB/88. Na última parte, serão apresentadas algumas posições jurisprudenciais sobre o tema.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1. DA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES NO REGIME DA ADMINISTRAÇÃO MILITAR.

Desde os primórdios da história, os países que mais se destacaram no cenário mundial, sempre foram aqueles que possuíam suas Forças Armadas poderosas e bem disciplinadas, o que os diferenciava e os tornavam colonizadores, desbravadores de novas terras, na maioria das vezes através da guerra.

Quanto ao poderio de suas Forças Armadas, não era difícil a sua mantença, pelos países mais poderosos, pois esta era realizada às custas da derrota de seus inimigos, que tinham seus pertences agregados ao patrimônio do país vencedor.

Porém, em relação à disciplina militar, a questão era bem mais complexa, já que os militares eram na sua maioria cidadãos comuns, que por necessidade de defesa de seu reino, eram instados a guerrear em nome da coroa.

A grande problemática era como transformar artesãos, carpinteiros, pedreiros, em soldados preparados para batalha. A resposta, segundo especialistas, dentre outros quesitos, estaria na disciplina e hierarquia dos comandantes sobre a sua tropa. E nessa época, as indisciplinas eram punidas muitas das vezes com a morte, como no caso de um soldado que na guerra contra o Estado Ch’i, em 200 a.c, atacou as tropas inimigas sem ordem, voltando com duas cabeças inimigas, de pronto seu comandante mandou executá-lo, dizendo: “Acredito realmente em que era um bom soldado, porém mandei decapitá-lo porque agiu sem ordens”. Essa passagem mostra como importante é a disciplina e hierarquia na administração militar.

Na atualidade, não muito se diferencia a lógica da administração militar daquela época, o que evoluiu na verdade foram as restrições das formas de punir que possui o administrador, porém suas diretrizes seguem o mesmo pensamento de séculos atrás, além de ser expresso na Constituição Federal como pilares do militarismo a hierarquia e a disciplina consubstanciadas no artigo 142 de nossa Carta Magna.

Entretanto, mesmo com a observância dos preceitos constitucionais que inviabilizam penas desumanas ou degradantes, na esfera da administração militar ainda ocorrem improbidades que na maioria das vezes atingem um bem jurídico inestimável do ser humano, a sua liberdade, tendo em vista que, calcados nos princípios da hierarquia e disciplina, alguns comandantes de tropas militares, em todas as suas esferas, federal ou estadual, cometem abusos, atentando contra a liberdade de seus subordinados muitas das vezes desrespeitando além de outros, os princípios da ampla defesa e do contraditório, preceitos fundamentais de um Estado Democrático de Direito.

Os abusos cometidos na época em que não se dava tanto valor aos direitos pessoais do ser humano, visando-se, segundo a administração da época, ao interesse coletivo, ou interesse público, permanecem até hoje na administração militar, pois como se pode observar no relato de diversos militares, que por medo de retaliações, não assinam suas declarações, há ainda diversos casos de perseguições e abusos contra Oficiais e Praças das Forças Armadas e das Polícias Militares Estaduais que se escoram em termos como “a bem da disciplina”, “ordens são para ser cumpridas”, dentre outras, mas que na verdade apenas mascaram a intenção de satisfação de interesses pessoais ou motivos políticos ou pelo simples fato de se viabilizar uma demonstração de poder diante de seus subordinados.

O grande anseio dos militares é que casos como o do Cabo Silva, personagem de uma perseguição de seu comandante contra ele, que acabou se suicidando para evitar a sua expulsão, o que deixaria sua família ao léu, não mais sejam vistos no país, para que os militares possam desempenhar seu papel constitucional de forma digna.

Diante da necessidade de impor um a espécie de freio aos administradores militares, mas sem ferir os princípios constitucionais que regem a administração militar é que asseveram-se as discussões entre juristas brasileiros sobre a possibilidade ou não da aplicação do instituto do habeas corpus no caso de sanções disciplinares aplicadas por meio de detenção ou prisão, sem entretanto, adentrar no mérito administrativo da questão.

2.2. LIMITES LEGAIS À APLICAÇÃO DO HABEAS CORPUS E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CORRELATOS.

Inicialmente, cabe ressaltar que conforme leitura do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, em interpretação literal, vislumbra-se o instituto do habeas corpus como sendo uma defesa da liberdade garantida a todos os cidadãos, independentemente de suas peculiaridades como raça, classe social, profissão, etc.

No dispositivo constitucional, em momento algum, o legislador originário restringiu a aplicação do writ da liberdade a qualquer cidadão que se ache lesado ou com ameaça de lesão à sua liberdade, o que mostra a intenção de proteger o direito de liberdade a todos os cidadãos indistintamente.

Da leitura da lei defere-se que mesmo os militares quando se achem sofrendo constrição de sua liberdade, mesmo por medida administrativa, terá direito à aplicação do habeas corpus em sua defesa.

A grande celeuma reside no fato de que a própria Constituição Federal, em seu artigo 142, parágrafo 2º, veda a possibilidade de mantença da liberdade do administrado militar através da utilização do remédio constitucional em tela.

Porém, negar aos servidores militares a possibilidade de utilização dos meios de defesa de sua liberdade é negar à existência de um Estado Democrático de Direito, visto que os militares que estão em atividade ou na inatividade, são pessoas que saíram de seus empregos comuns, como pedreiros, marceneiros, vendedores, etc e vieram trabalhar em prol da defesa das instituições legalmente constituídas e de seus semelhantes.

Heráclito Mossin ensina que: “[...] seria altamente insensato quem nome dessa hierarquia ou dever de obediência se tolerasse, para prestigiar o princípio da autoridade, ou coação ou sua ameaça da liberdade física do servidor público[...], concluindo que: “[...] O direito não deve, inexoravelmente, sancionar aquilo que por ele não é aceito, nem aparado e nem tutelado[...]

Não se pode negar a um cidadão o direito de somente ter sua liberdade obstaculizada após o regular desenvolvimento de um processo, em que lhe seja assegurado todos os meios de defesa possíveis previstos em nosso ordenamento jurídico.

O que ocorre na prática é que na ponderação dos princípios da ampla defesa, do contraditório, da legalidade, da impessoalidade, da isonomia e demais princípios, estão prevalecendo sempre, no nível da administração militar, a hierarquia e a disciplina, mascarados na máxima do interesse público.

Ainda, cabe ressaltar que um dos grandes problemas encontrados nos intrínsecos do regime disciplinar militar é que diversos Estatutos e Regulamentos Disciplinares encontram-se em desacordo com a Constituição Federal, porém não são objeto de qualquer controle de constitucionalidade, o que restringe a possibilidade de defesa daquele que se ache sofrendo alguma situação de abuso de se defenderem adequadamente.

Os regulamentos disciplinares prevêem o recurso de reconsideração de ato, porém, deverá o militar cumprir a pena imposta e ingressar com o recurso no prazo de oito dias úteis, conforme artigos 45 e 46 do regulamento Disciplinar da Marinha. Entretanto, tais disposições são flagrantes atentados contra ordem constitucional, pois viola o princípio da presunção de inocência, positivado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, até porque perde totalmente o objeto, uma interposição de recurso após o cumprimento da pena restritiva de liberdade.

Portanto, além de uma completa revisão nos Regulamentos e Estatutos aplicados aos militares no Brasil, se deve adotar uma nova visão em relação aos direitos coletivos e individuais, principalmente dos servidores militares, que em tempos de discussão acirrada sobre direitos humanos individuais, estão diariamente sofrendo constrições à sua liberdade de ir e vir e não são beneficiados grande parte das vezes por remédios constitucionais garantidos a todos os cidadão, como se não fizessem parte da mesma sociedade que os demais brasileiros.

2.3 AS INCONSTITUCIONALIDADES DOS REGULAMENTOS DISCIPLINARES MILITARES.

Inicialmente, deve atentar para o fato de que os regulamentos disciplinares militares e estatutos datam de antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, como é o caso do Estatuto dos Militares Federais, disciplinado pela Lei nº 6.880/80, que serviu de base para a elaboração de alguns estatutos dos Militares Estaduais, como no Rio de Janeiro, através da Lei nº 443/81, além do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro (Decreto nº 6.579 de 05 de Março de 1983), que contém também, algumas inconstitucionalidades, as quais serão citadas sucintamente.

Imperioso ressaltar que a maioria dos regulamentos disciplinares militares foi instituída através de decretos do poder executivo estadual ou federal que a princípio foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, mas qualquer alteração nos mesmos somente poderá ser realizada por meio de lei do Poder Legislativo, o que não tem sido feito na atualidade, tornando ilegal qualquer modificação realizada após o ano de 1988, por decreto.

Importante ressaltar, o significado da expressão “transgressão disciplinar” ou “contravenção disciplinar”, que são violações dos deveres dos militares, tendo sua definição expressa no Decreto Federal nº 88.545 de 26 de julho de 1983 (Regulamento Disciplinar da Marinha), que em seu artigo 6º define: "Contravenção disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, regulamentos, normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime" (grifo nosso). Com redação similar dispõe o Decreto Federal nº 90.680 de 04 de dezembro de 1984 (Regulamento Disciplinar do Exército), no seu artigo 12 e no Decreto Federal nº 76.322 de 22 de setembro de 1975 que institui o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica. Observe-se também que o Regulamento Disciplinar do Exército brasileiro serve de modelo para os regulamentos das Polícias Militares Estaduais

Conforme será explicitado, muitas regras e formas de punir dos atuais regulamentos disciplinares, em especial o RDPM (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) são eivados de vícios inconstitucionais, haja vista não respeitarem alguns princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, seja na procedibilidade das formas de apuração e aplicação de sanções, seja na tipificação de algumas transgressões, que como se demonstrará, são de estrema subjetividade, o que dá margem ao cometimento de muitas ilicitudes, amparada pelo manto da legalidade de um regulamento disciplinar que no mínimo teve parte de seus artigos não recepcionados pela nova ordem constitucional.

Essas inconstitucionalidades, que não são objeto de controle concentrado de constitucionalidade, são aplicadas pelos administradores das instituições militares, o que faz com que seja aumentado o número de processos no judiciário, pois muitos militares ingressam com pedidos de habeas corpus, em face das prisões que são realizadas com base nesses regulamentos, sendo alguns indeferidos por entendimento de que não cabe ao judiciário analisar o fato, bem como alguns sendo julgados, conforme HC nº 70648/RJ, onde o Ministro Moreira Alves diz: “[...] o princípio de que nas transgressões disciplinares não cabia “habeas corpus”, não impedia que se examinasse nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (hierarquia, o poder disciplinar, a ato ligado a função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente) [...]”.

Como exemplo de subjetividade, quem sabe até de ilegalidade, se pode observar um artigo do RDPM da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), a classificação como sendo transgressão da disciplina, passível de punição: “Faltar com a verdade”. Ora, a qualquer criminoso, seja qual hediondo crime tenha ele cometido, lhe é garantido o direito de usar todos os meios possíveis para sua defesa, até mesmo mentir, porém, ao militar lhe é negado este direito, que está ligado intimamente ao princípio de que ninguém deverá produzir provas contra si mesmo, ou seja, há evidente violação ao Princípio do Devido Processo Legal, já que até mesmo a omissão de algum fato é considerada transgressão disciplinar.

Outro artigo do RDPM versa sobre a apresentação pessoal de um militar, classificando também como transgressão, o fato de um militar estar com o corte de cabelo, ou do bigode, em desacordo. Porém, não qualquer regulamentação do que seria o tamanho ideal para o cabelo de um militar, bem como a medida de seu bigode, no mínimo, esta norma teria que ser classificada com sendo de eficácia limitada, uma vez que lhe falta regulamentação, não podendo produzir seus efeitos antes dessa regulamentação, sendo portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou segundo alguns autores, aplicabilidade diferida, não podendo de imediato, qualquer militar ser punido por tais transgressões.

Entretanto, muitos militares são punidos por, em tese, ter cometido tais transgressões e o judiciário, muitas vezes sob a alegação de não invadir o mérito administrativo se recusa a analisar tais fatos. Mas não se dá conta de que não estaria julgando o mérito da aplicação da punição e sim sua legalidade, haja vista que uma punição aplicada em função de uma norma que necessita de regulamentação, é no mínimo contrária às normas vigentes no país.

Não obstante, deve se considerar que de acordo com Pedro Lenza: “[...] nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, como vimos, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, por falta de recepção”.

Isto posto, os regulamentos disciplinares e estatutos militares que por ventura sejam incompatíveis com a ordem constitucional, o que comumente ocorre com a maioria deles, devem ser considerados, ao menos, revogados naquilo em que com a Carta Magna conflitarem. Porém, não é isso que acontece na prática e os militares continuam sob a égide de legislações obsoletas e inconstitucionais, tendo seu direito à liberdade restringido pelos administradores com apoio dessas legislações.

Afinal, os servidores militares, por força de disposições regulamentares encontram-se subordinados aos princípios de hierarquia e disciplina, porém, isso não significa que os diretos e garantias fundamentais dos mesmos possam ser desrespeitados.

2.4 APLICAÇÃO ISONÔMICA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS.

Inicialmente, cabe aqui uma breve explanação das diferenças entre direitos e garantias fundamentais, antes do aprofundamento sobre o tema.

Direitos constitucionais são aqueles bens e vantagens prescritos na norma constitucional e as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos ou os repara, caso violados.

A Constituição Federal consagra diversos direitos a todos os cidadãos, em geral, os principais no seu artigo 5º e um dos meios de defesa deles, ou seja, uma das garantias fundamentais para o exercício desses direitos é o habeas corpus, ressaltando-se que em momento algum, como já dito, fez alguma distinção entre os cidadãos brasileiros para sua utilização.

Considere-se que outro princípio considerado basilar de um Estado Democrático de Direito é o Princípio da Igualdade, consagrado no artigo 5º, caput da Constituição Federal e versa serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Não obstante essa igualdade formal, deve-se levar em conta a igualdade material, consubstanciada no tratamento igualitário de situações iguais e diferenciado em casos desiguais.

Celso Antônio Bandeira de Mello encontrou parâmetros sólidos e coerentes em sua monografia sobre o princípio da igualdade, na qual estabelece três questões a serem observadas, a fim de se verificar o respeito ou desrespeito ao referido princípio, a primeira versa sobre o elemento tomado como fator de desigualação; a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discriminação e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados.

Destarte, observados os três parâmetros asseverados pelo aludido autor, observa-se que o fator de desigualação entre militares e civis para impetração do writ da liberdade, reside apenas sobre sua escolha de profissão, bem como há uma disparidade enorme entre a discriminação existente entre as partes em tela, ao ponto de se considerar mais importante a liberdade de um cidadão civil em detrimento de um militar, que não pode à princípio utilizar-se de um remédio constitucional garantido a todos os outros cidadãos brasileiros somente em razão de sua profissão. Ainda, se o sistema constitucional vela pela igualdade entre os cidadãos brasileiros, discriminar civis e militares quanto aos seus direitos e garantias fundamentais pelo simples fato de optarem por profissões diferentes é negar o disposto na própria Constituição Brasileira.

Tem-se como parâmetro que qualquer atitude atentatória, sejam formais ou materiais, aos Princípios Constitucionais previstos está eivada de vicissitudes que ensejam sua anulação pela própria administração (revogação) ou pelo judiciário. Entretanto, em relação à violação dos direitos dos militares não é o que acontece no Brasil, já que parte dominante da doutrina e jurisprudência entende que o judiciário não deve interferir na administração militar, no que tange a aplicação de sanções disciplinares aplicadas aos servidores militares, ficando os mesmos desamparados pelo Poder Judiciário quando se acham sofrendo lesão ao seu direito à liberdade, às expensas da garantia de que ninguém terá sua liberdade cingida senão após o devido processo legal e somente após ser considerado culpado.

Isto posto, se aos cidadãos civis assegura-se o direito à defesa de seus direitos fundamentais por todas as vias possíveis e previstas na legislação, negar aos servidores militares, seja dos Estados ou da União, o direito de realizar a defesa de seus interesses por todos os meios processuais admitidos na legislação, dentre os quais o habeas corpus, é negar-lhes como cidadãos do Estado à qual servem arriscando suas vidas.

2.5 PROBLEMAS DE ORDEM SOCIAL E INSTITUCIONAL.

A problemática na aplicação e efetivação dos direitos concernentes aos servidores militares encontra barreiras tanto internamente quanto em relação à sociedade em geral.

Internamente, o problema reside no fato de que muitas normas que são aplicadas aos militares são pré Constituição Federal de 1988 e em sua maioria não foram objeto de controle de constitucionalidade, nem de verificação de recepção ou não pela ordem constitucional vigente, o que faz com que muitos dos direitos dos servidores submetidos ao regime militar lhes sejam negados.

Um simples exemplo dessa constrição na garantia de alguns direitos dos militares é a aplicação da sanção de prisão quando da ocorrência de infrações disciplinares, que somente é aplicada aos servidores militares, como um resquício da época da ditadura em que os comandantes, a fim de manter o controle sobre seus subordinados e obrigá-los a executar suas ordens por mais ilegais que pudessem parecer.

A aplicação de prisões aos militares ainda é a forma mais eficaz de controle dos comandantes de batalhões e unidades operacionais sobre os oficiais e praças que lhes são subordinados, tendo aplicação inclusive quando um militar questiona uma ordem superior.

Portanto, fica difícil garantir a efetividade na aplicação dos direitos comuns a todos os cidadãos aos militares, já que uma mudança na legislação, bem como na abolição das normas inconstitucionais deveria partir de uma iniciativa interna, o que mexeria com o poder de mando de alguns servidores ocupantes de cargos de chefia e direção, já que daria mais voz ativa aqueles que por anos se calaram.

No tocante à sociedade, os militares encontram uma grande barreira para exercer e ter garantido os seus direitos, porque a maioria da população não tem uma visão muito amigável dos militares, também como um efeito do período repressor da ditadura, onde os milicianos atuavam de forma agressiva e ilegal na maioria das vezes, desrespeitando direitos e garantias individuais da maioria dos cidadãos, por anos.

Isso refletiu-se no Poder Judiciário que, durante muito tempo, procurou não intervir muito nas questões que envolviam interesse de militares, atuando de forma modesta quando estes procuravam a proteção daquele órgão, deixando que as questões internas, mesmo que violassem direitos, fossem resolvidas n âmbito interno da administração militar. Esta posição tem mudado com o tempo, inclusive com a análise de diversas questões envolvendo servidores militares dos Estados e da União, com decisões favoráveis a ambos os lados, mostrando que a visão em relação a estes cidadãos que resolveram servir à Pátria e aos seus estados está mudando, sendo estes vistos como cidadãos detentores de direitos e deveres como qualquer cidadão de um estado Democrático de Direito.

Com a atuação mais volumosa do Judiciário nas questões envolvendo direitos dos servidores militares, aos poucos o Brasil vai se adaptando ao previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que passou a ser norma interna de conteúdo constitucional pelo fato de tratar de direitos e garantias fundamentais asseguradas aos cidadãos americanos, que deve ser observada pelos operadores do direito, face ao contido no artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal Brasileira que versa sobre a incorporação dos tratados internacionais no direito brasileiro.

O artigo 7º, número 06 da Convenção Americana de Direitos Humanos, versa que toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou detenção forem ilegais. Em momento algum, a CADH fez qualquer distinção entre os cidadãos civis ou militares, nem ao menos vedou a possibilidade de interposição de habeas corpus nas transgressões disciplinares, devendo tal preceito ser observado pelo Judiciário brasileiro, em respeito às normas de Direito Internacional.

Assim como o Poder Judiciário, a sociedade como um todo está mudando sua visão em relação aos militares das Forças Armadas e das Polícias Militares, tomando-se conta de que em seus próprios lares existem pessoas que precisam ter seus direitos garantidos e que estas vem sofrendo inúmeras ilegalidades na execução de seu serviço.

2.6 INCONSTITUCIONALIDADES DO ARTIGO 142, § 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Primeiramente deve ser ressaltado que, o legislador constituinte originário preocupou-se de forma inconteste com os direitos e garantias fundamentais do cidadão enumerados no artigo 5º da CRFB/88, preocupação tamanha que, no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, este impôs restrições em caso de Emendas Constitucionais, determinando que, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Isto posto, por mais que o legislador derivado deseje modificar os preceitos fundamentais explicitados no artigo 5º da Carta Magna, deverá respeitar a vontade popular expressa através de seus representantes que elaboraram o sistema constitucional vigente, uma vez que tais assuntos integram as chamadas “cláusulas pétreas”.

A fim de justificar o não cabimento de habeas corpus nas transgressões disciplinares militares, alguns se apóiam no artigo 142, § 2º da CRFB/88, que veda expressamente a concessão do referido remédio constitucional aos servidores militares, porém, tal dispositivo está em flagrante incongruência com o artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal de 1988 e com o artigo 7º, número 06, da Convenção Americana de Direitos Humanos, devendo ser interpretado de forma relativa.

Da literalidade do artigo 5º da Carta Magna, tem-se que, se o legislador originário quisesse abolir a possibilidade da interposição do writ da liberdade aos militares quando da prática de transgressões disciplinares, o teria feito expressamente no capítulo concernente aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, o que não ocorreu.

Lançando mão do direito comparado, observa-se que a Constituição da República de Portugal, promulgada em 02 de abril de 1976, em seu artigo 31, número 01, versa que haverá habeas corpus contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar consoante os casos. Portanto, o militar português tem expressamente garantida a possibilidade de impetrar o writ da liberdade contra prisão ou detenção ilegal decorrente de transgressão disciplinar.

No tocante à competência para julgamento de habeas corpus impetrado por militar, no Brasil, os Auditores da Justiça Militar da União ou dos Estados não são competentes para conhecerem do pedido de liberdade. Caso a autoridade coatora seja militar federal, o pedido deverá ser feito diretamente ao Superior Tribunal Militar (STM), órgão que possui competência originária para apreciar a matéria. Se a autoridade coatora for militar estadual, o habeas corpus deverá ser distribuído ao Tribunal de Justiça Militar (TJM), se não houver no estado Câmara Especializada, a qual será a competente se for o caso.

Desta breve análise, abstrai-se que a hierarquia e a disciplina, princípios basilares das Corporações Militares, devem ser preservados, porém, os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, são normas de aplicação imediata e devem ser garantidas a todos os cidadãos civis, militares ou estrangeiros, não podendo haver qualquer distinção, a fim de respeitar-se o Estado Democrático de Direito, base principal da República Federativa do Brasil.

Assim sendo, deve o magistrado ao analisar o pedido de liberdade, verificar se a feitura do ato administrativo obedeceu à competência, a finalidade e o motivo, se houve a devida motivação, se fora assegurado ao militar o devido processo legal, se lhe foi garantida a ampla defesa, com todos os seus meios, se fora oportunizado o contraditório, com a assistência de advogado ou defensor público e se houveram motivos determinantes. Caso não seja verificado qualquer desses pressupostos, conforme artigo 4º da Lei nº 4.898/65, é dever do juiz, de ofício, mandar relaxar a prisão, deixando para julgar no final a legalidade do ato administrativo.

O que não poderá ocorrer é a análise pelo Poder Judiciário, da conveniência, utilidade, oportunidade e necessidade da punição disciplinar, garantindo assim o Princípio da Separação dos Poderes, não entrando o Judiciário no mérito da decisão administrativa.

2.7 POSICIONAMENTOS JURÍDICOS E DOUTRINÁRIOS.

Pode-se vislumbrar no Supremo Tribunal Federal alguns julgados sobre o tema, conforme será explicitado, demonstrando o entendimento desse órgão no sentido de que somente pode o Poder Judiciário atuar em caso de ilegalidade, observados os pressupostos já referenciados acima, bem como a observância da hierarquia, do poder disciplinar, do ato ligado à função e da pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente.

No julgamento do habeas corpus número 70.648, impetrado por militar do Estado do Rio de Janeiro, entendeu o Excelentíssimo Ministro Moreira Alves que: “[...] O entendimento relativo ao § 20 do art. 153 da EC n. 1/69, segundo o qual o princípio, de que nas transgressões disciplinares não cabia "habeas corpus", não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a função e a pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente), continua valido para o disposto no § 2º do art. 142 da atual Constituição que e apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a limita as de natureza militar”.

Em outro julgamento, do habeas corpus número 89.741, também do Estado do Rio de Janeiro, em que houve falta de intimação pessoal do defensor constituído de um militar, referente à decisão do Superior Tribunal Militar (STM), ou seja, ocorreu um vício processual, posicionou-se o Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, da seguinte forma: “[...]3. Ausência de intimação do defensor constituído. Constrangimento ilegal verificado. [...] 5. Habeas Corpus concedido de ofício, para que o paciente seja absolvido, determinando-se, por conseguinte, sua imediata soltura [...]”.

No Superior Tribunal de Justiça observa-se decisão no mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal, demonstrando o entendimento uno da maioria da jurisprudência no tocante a análise dos pressupostos para concessão de habeas corpus a servidores militares, considerando a legalidade do ato praticado pela autoridade militar coatora.

Em recurso no habeas corpus número 88.543, impetrado por militar do Estado de São Paulo, entendeu o Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski que: “[...]À Justiça Militar da União compete, apenas, processar e julgar os crimes militares definidos em lei, não se incluindo em sua jurisdição as ações contra punições relativas a infrações (art. 124, § 2º, da CF) [...]. Tal decisão corrobora com a idéia de que a Constituição Federal Brasileira procurou evitar ao máximo a ingerência do Poder Judiciário, mesmo que em sua instância militar (Superior Tribunal Militar), sobre as decisões do administrador militar quanto a aplicação de punições disciplinares aos seus subordinados, asseverando a consagrada separação dos poderes, explicitada no artigo segundo da Carta Magna.

No entendimento de Alexandre de Moraes, seguindo grande parte da doutrina pátria, consoante o artigo 142, parágrafo segundo da Constituição Federal, não caberá o remédio constitucional em tela, em relação às punições disciplinares militares, no tocante ao mérito das mesmas, não impedindo o legislador constituinte o exame pelo Poder Judiciário dos pressupostos de legalidade.

Corroborando com esse entendimento, Fábio Ramazzini Bechara ostenta que no caso da prisão militar por transgressão disciplinar, deve o controle jurisdicional ser feito através do instituto do habeas corpus, que tem por objetivo a impugnação da prisão do militar que contraria regulamento disciplinar, observados o aspecto da legalidade, não alcançando o mérito da decisão que determinou a medida restritiva.

Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, integrante da Associação dos Diplomas da Escola Superior de Guerra (ADESG/SP) e Juiz-auditor da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, em artigo publicado na rede mundial de computadores, demonstra entendimento diverso e minoritário no cenário jurídico brasileiro de que a vedação à concessão do habeas corpus prevista no artigo 142, parágrafo 2º da Constituição Federal é inconstitucional, por ferir o disposto no artigo 5º, inciso LXVIII do texto constitucional, pois se a intenção do legislador constituinte fosse de restringir o cabimento desse remédio constitucional em relação aos militares dos estados e federais, o teria feito expressamente no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, o que não ocorrera.

Lançando mão do direito comparado, temos na Constituição da República de Portugal, em seu artigo 31, número 01, que: “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar, consoante os casos”. Isto significa que o militar português tem expressamente garantido seu direito de interpor o writ da liberdade em seu favor, quando achar-se sob contrição do seu direito a liberdade por ato ilegal de prisão em seu desfavor.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Procurou-se, ao longo deste estudo, demonstrar as possíveis ilegalidades dos Regulamentos Disciplinares Militares aplicados aos servidores militares de todo país, face ao Estado Democrático de Direito e aos princípios constitucionais vigentes, bem como a importância em se preservar os direitos e garantias fundamentais dos servidor públicos militares, sujeitos de direitos como os demais cidadãos da sociedade.

Por se tratarem de normas pré-constituição de 1988, a análise das inconstitucionalidades presentes nos regulamentos disciplinares militares deve ser feita observando-se a questão da recepção ou não das referidas normas e se criadas após a promulgação da Constituição Federal vigente, sob o aspecto do controle de constitucionalidade. O que não se pode admitir é que em um Estado Democrático de Direito, cidadãos brasileiros ainda tenham seus direitos e garantias fundamentais restringidos pela vigência de leis e entendimentos que contrariam preceitos constitucionais, pois como assevera Alexandre de Moraes: “A idéia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais”.

Como grande parte dos regulamentos disciplinares foram criados antes da Constituição de 1988, haja vista que as Forças Armadas foram criadas há mais de séculos e as Polícias Militares dos Estados existem há aproximadamente 200 anos, todos eles deveriam passar por um processo de recepção ou não pela ordem constitucional vigente a fim de expurgar as ilegalidades existentes nos mesmos. Pois não há como se exigir que um servidor público garanta os direitos de uma sociedade, se esta não se preocupa com os direitos e garantias desse servidor.

É de extrema importância garantir os direitos fundamentais, principalmente o da liberdade, a todos os cidadãos, em especial aos militares dos Estados e da União para que o serviço prestado por estes servidores tenha a excelência necessária que a evolução da sociedade requer.

A vedação da concessão do instituto garantidor de liberdade aos militares, remete ao período negro da história brasileira, quando os direitos e garantias individuais de toda população eram desrespeitados pelo regime militar dominante à época. Muito se tem discutido sobre o medo de um novo golpe e suas conseqüências, tendo a sociedade enorme preocupação em evitar esse episódio, porém ainda nos tempos atuais vemos resquícios daquele período de opressão no que tange aos direitos dos militares.

É antagônico a sociedade brasileira temer a possibilidade de ter seus direitos desrespeitados novamente por um regime autoritário, mas ao mesmo tempo aceitar que seus servidores sofram diversos abusos em nome do interesse da administração e do interesse público.

Admitir ainda hoje que servidores públicos sofram punição através da restrição de sua liberdade é como uma forma de manter viva a lembrança de uma época de ditadura que a maioria da população prefere esquecer.

A Constituição Federal, procurou assegurar princípios fundamentais como o da dignidade da pessoa humana, positivado no artigo primeiro, inciso terceiro daquele instituto garantidor e da prevalência dos direitos humanos, conforme leitura do artigo quarto, inciso dois do mesmo livro.

Não obstante, preocupado com as relações interpessoais e entre as pessoas e o Estado, o Legislador Constituinte fez questão de explicitar no caput do artigo quinto da Carta Magna, que todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei, não admitindo qualquer distinção entre os mesmos, garantindo-se a todos, sem exceção, o direito à liberdade, dentre outros.

Portanto, se a Lei Maior do país explicitou em cláusula pétrea que os direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos brasileiros não podem ser desrespeitados sob nenhuma forma de discriminação, a qualquer pretexto, não seria racional estabelecer uma distinção entre o cidadão civil e o cidadão militar, para fins de manutenção de direitos, em especial o da liberdade, afinal a Carta Magna não os diferiu quanto à sujeição a direitos e garantias fundamentais, dentre os quais a liberdade.

Tais direitos e garantias fundamentais, encontrados no texto constitucional, são conforme propõe Maria Helena Diniz: “[...] as intangíveis; contra elas nem mesmo há o poder de emendar. [...]. Por exemplo, os textos constitucionais que amparam a federação (art. 1º), o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), a separação de poderes (art. 2º) e os direitos e garantias individuais (art. 5º, I a LXXVII), por serem insuscetíveis de emenda são intangíveis, por força dos arts. 60, § 4º e 34, VII, a e b”. (grifo nosso).

Isto posto, pode-se perceber que há uma necessidade emergencial de se realizarem mudanças nas legislações que norteiam o regime jurídico dos servidores públicos militares, a fim de que eles tenham seus direitos respeitados como o restante da sociedade da qual fazem parte.

A revisão dos regulamentos disciplinares não atinge somente aos interesses dos militares, mas a todo o ordenamento jurídico pátrio, que não pode admitir que em tempo de garantias totais aos direitos humanos, cidadãos ainda sofram restrições arbitrárias em seu direito de ir e vir, sob o pretexto de se garantir a hierarquia e a disciplina nos quartéis.

Imperioso lembrar que o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica, que estabeleceu a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual versa em seu artigo primeiro que os Estados membros da convenção ficam comprometidos a respeitar os direitos reconhecidos nela, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Como a mudança na legislação é uma medida mediata, importante seria se o Poder Judiciário, a fim de atender aos preceitos constitucionais instituídos, atender aos pedidos de liberdade realizados através da impetração de habeas corpus por militares, não só observando o aspecto da legalidade do ato do administrador militar, tendo em vista que a maioria dos abusos cometidos são feitos sob o manto da legalidade, já que quase impossível para um subordinado provar que teve sua liberdade tolhida por perseguição de seu superior hierárquico, mas também, deveria o judiciário brasileiro observar a impessoalidade e a moralidade do ato administrativo, quando da análise de um pedido de liberdade, afinal nem tudo que é legal e honesto.

A análise do pedido contido no remédio constitucional, sob o aspecto da legalidade, impessoalidade e moralidade, em nada confrontaria com o princípio da separação dos poderes, pois como bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Certamente, com o objetivo de sujeitar ao exame judicial a moralidade administrativa é que o desvio de poder passou a ser visto como hipótese de ilegalidade, sujeita, portanto, ao controle judicial”, acrescenta ainda que “Ainda que, no desvio de poder, o vício esteja na consciência ou intenção de quem pratica o ato, a matéria passou a inserir-se no próprio conceito de legalidade administrativa. O direito ampliou o seu círculo para abranger matéria que antes dizia respeito apenas à moral”.

Atuando assim, estaria o Poder Judiciário garantindo a hegemonia da constituição, utilizando o princípio da razoabilidade para sopesar os princípios da supremacia do interesse público com os direitos e garantias expressos na Carta Magna, destacando-se a liberdade.

Porém, encontramos na atualidade alguns juristas entendendo que a violação aos Princípios instituídos no art. 37 da Constituição Federal e aos implícitos, ou seja, impessoalidade, moralidade, proporcionalidade, razoabilidade, etc, ferem diretamente o Princípio da Legalidade, pressuposto para análise do ato administrativo pelo Poder Judiciário.

O que fará com que o Poder Judiciário controle mais veementemente as ações dos administradores públicos militares é o constante acesso àquele órgão jurisdicional, provocando a análise dos atos praticados em desfavor do servidor público militar. Ou seja, devem os militares que se sentirem de qualquer forma cerceados de sua liberdade, procurar o manto da justiça através do Poder Judiciário, até que todos os direitos constitucionalmente elencados sejam efetivamente garantidos a todos, inclusive aos militares, indistintamente.

Dessa forma, o ideal é manter a proposta central do constituinte de 1988 em consagrar a todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, os direitos e garantias fundamentais que assegure sua a dignidade como ser humano e, em especial, proteger aqueles que colocam suas vidas em risco para proteger o bem estar de toda uma sociedade.

Sun Tzu disse: “Comandar muitos é o mesmo que comandar poucos. Tudo é uma questão de organização”.

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