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A Presença da Mitologia no Canto primeiro de Os Lusíadas

Por:   •  7/11/2016  •  Ensaio  •  1.578 Palavras (7 Páginas)  •  807 Visualizações

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Ensaio: a mitologia no Canto primeiro d'Os Lusíadas

Um dos maiores expoentes da literatura ocidental, a epopeia Os Lusíadas, narra e imortaliza a bravura e a bandeira portuguesas. A fortuna crítica de tal obra é rica, variada, e abrange as mais distintas camadas de análise. Um dos grandes pontos de discussão é a presença da mitologia ao longo dos Cantos.

Esta presença deve-se ao fato de Camões saber que a mitologia greco-romana faz parte da língua poética do século XVI, em claro débito à literatura clássica. Como então o Poeta faz uso dessa tradição do maravilhoso pagão que amalgamado ao maravilhoso cristão cria um sincretismo religioso sem fazer com que o texto sofra com a discrepância entre as crenças?

O presente ensaio propõe uma breve apresentação dessa inserção do mítico pagão na obra quando descreve a viagem de Vasco da Gama, personagem marcada sob a égide da doutrina cristã. Será abordada a presença da mitologia no Canto primeiro de Os Lusíadas, bem como de sua função como elemento importante para a narrativa, de modo a dar à obra o caráter criativo e inovador que possui em relação às epopeias-padrão.

Através de pesquisa bibliográfica diversa tem-se o intuito de melhor fundamentar a importância do assunto em questão, o mito como recurso literário da obra Os Lusíadas.

Um estilo grandíloquo e corrente

Os Lusíadas é uma epopeia renascentista e clássica. Renascentista porque o impacto do ressurgimento da epopeia clássica da antiguidade foi uma das maiores marcas do início do século XVI. Clássica porque compreende o valor da imitação dos autores da antiguidade e a presença dos deuses pagãos, que nutrem as mitologias greco-romana.

Ambas características na narrativa épica ocorrem na presença do maravilhoso, das grandes viagens náuticas e seus efeitos heroicos, cujas obras maiores da tradição clássica são Odisseia de Homero e Eneida de Virgílio. Portanto, vale dizer que

Ressuscitar a epopeia homérica na época do Renascimento – quando o espírito abstractor de um mundo já muito mercantil pouco se prestava à admiração de heróis semidivinos; e quando a mitologia clássica, característica do gênero, era uma expressão irrecuperável […] – constituía um nobilitante desafio ao engenho dos poetas. (SARAIVA; LOPES, 2000, p. 12)

Influenciado pelo Renascimento, Camões estava exposto a presença do mito das epopeias de outrora. Nessas composições clássicas, segundo Nascimento e Oliveira (2011), o mito exerce um papel fundamental, de tal forma que a diferença entre seres humanos e seres divinos é estreita, ou seja, o homem adquiria um poder inigualável durante sua atuação nos combates, alcançando assim uma proporção quase imortal.

Camões decide narrar a História de Portugal e resgata a tradição clássica de composição épica para versar sobre o tema por ele escolhido. Mas seguir cegamente os padrões da antiguidade faria o seu trabalho se perder na areia. Exige-se, portanto, mais criatividade do que mera repetição. Segundo Saraiva e Lopes (2000) as narrativas antigas, de origem fundamentalmente oral, estão compostas de relatos que, após a utilização da palavra escrita para registro passaram a ser inverossímeis. E Camões compreendeu o senso histórico do seu ato.

Ora, a epopeia camoniana é dotada de realizações, feitos verdadeiros por um povo desbravador e ele deseja contá-los, tudo isso consoante à sua crença e convicção religiosas.

A narrativa de Os Lusíadas tem como foco a Viagem de Vasco da Gama e sua tripulação às Índias. Os navegantes têm de escapar dos ardis de Baco e da ira dos mouros; para tanto, contarão com o favor de Júpiter e Vênus, bem como da Providência Divina: a fé cristã e a mitologia greco-romana coexistem aqui. A seguir, alguns apontamentos deste sincretismo religioso no Poema.

Às gentes Lusitanas

No canto em questão na estrofe 20, logo após realizar a proposição, invocação e dedicatória, inicia a narração, com as naus singrando o Oceano e, paralelamente, apresenta os deuses reunidos em conselho para discutirem o futuro do oriente:

Quando os Deuses do Olimpo luminoso,

Onde o governo está da humana gente,

Se juntaram em consílio glorioso,

Sobre as cousas futuras do Oriente,

Pisando o cristalino Céu fermoso [...]

(CAMÕES, 1972, p. 22)

O terceiro verso apresenta de forma sutil a mitologia incorporada no cristianismo. O Poeta utiliza a palavra “consílio” para indicar que os deuses faziam uma “reunião em assembleia”, quando pode ser confundido com a sua correspondente homófona “concílio” que designa a “reunião de prelados católicos” (CAMÕES, 1972).

Após a deliberação favorável de Júpiter aos lusitanos, “estabelece-se entre dois deuses, Baco e Vênus, um duelo cujo realce é maior quando se transfere as reminiscências particulares de cada deus da mitologia para as entidades das parábolas da Bíblia.” (SILVA, et al, 2009, p.7-8)

Em outras palavras:

A credibilidade duvidosa dos intentos de Baco e as rasuras em seu caráter elegem-no, dentro da epopéia, como o vilão que aglutina em si toda a intensidade do mal; como se confrontado com um espelho, essa imagem do mito é reflexo do diabo bíblico, que tenciona destruir e aniquilar os inimigos.

Nesse discurso surge Vênus, complacente e dedicada, capaz de mover céus e terras por seus protegidos. Essa figura feminina assemelha-se à outra de real valor e importância dentro da Bíblia Sagrada. Esse amor maternal da deusa é equivalente ao misericordioso amor da Virgem Maria, mãe dos necessitados. (SILVA, et al, 2009, p. 8)

Ferreira (1997, p. 9) afirma que os deuses são os verdadeiros dinamizadores da ação que gera o interesse narrativo de Os Lusíadas, pois que dão sustentação à ação do poema, ação esta que passa a ocorrer não só no plano Histórico, mas também no plano poético.

Não houvesse a intervenção do maravilhoso pagão, o poema seria nada mais que uma narração enfadonha de uma viagem por mar, um diário de bordo em versos, em suma, etnografia pura.

São os deuses que apoiam ou criam dificuldades à ação dos portugueses. O que movimenta Baco é o seu interesse pessoal, e o que movimenta Vénus, é igualmente o seu interesse pessoal. Camões indica isso na estância 34 do canto I:

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