Inovação e indústria de moldes, a introdução do CAD/CAM/CAE nos anos 80
Por: nabucodonozor • 27/9/2015 • Trabalho acadêmico • 9.375 Palavras (38 Páginas) • 706 Visualizações
Inovação e indústria de moldes, a introdução do CAD/CAM/CAE nos anos 80
No início de 1983 foi instalado em uma determinada empresa portuguesa, um sistema CAD/CAM multiposto (São um tipo de sistemas multi utilizador que permitem ter vários terminais ligados a um computador central, onde está centralizado todo o processamento do sistema). Era o primeiro sistema desse tipo instalado numa empresa portuguesa de moldes e ao mesmo o primeiro sistema multiposto a operar num ambiente industrial num setor da metalomecânica. Era também uma entrada precoce na utilização de uma tecnologia ainda incipiente, em especial para uma empresa de pequeno ou médio porte.
A nível mundial a experiência existente na indústria de moldes era ainda muito restrita (e os casos conhecidos eram em geral de resultados duvidosos). Financeiramente era uma aposta forte feita por uma empresa dinâmica integrada numa indústria de sucesso, mas de dimensão limitada. Os objetivos de um sistema deste tipo na indústria de moldes eram ambiciosos: ganhar capacidade de resposta na maquinação de geometrias complexas e viabilizar a exploração do crescente parque de máquinas e ferramentas com controladores programáveis NC a vários eixos (3 ou mais), sendo que as soluções 2D (e mesmo 2 ½ D) tinham uma capacidade de resposta muito limitada. O desafio antecipado era não só de comunicação com os clientes do setor, em geral empresas de grandes portes ou mesmo multinacionais, mas a capacidade de fabricar moldes para peças com geometrias cada vez mais complexas, logo muito exigentes de soluções 3D requer nível de CAD como do CAM. Vinte anos depois este objetivo foi conseguido e é uma rotina bem estabelecida na generalidade da indústria de moldes, mas só a partir de meados dos anos 90 é que a viabilidade e a acessibilidade da tecnologia se consolidaram e generalizaram. Até lá houve um percurso percorrido pelos pioneiros e um conhecimento que se adquiriu e estruturou, não só sobre a tecnologia em si, mas também sob a organização da produção e mesmo sobre modelos de negócio do setor. Este trabalho procura refletir sobre esse percurso e alguns dos seus percalços e sucessos. Portugal anos 80, apenas dois anos antes tinha sido instalado um primeiro sistema numa unidade industrial – uma empresa de tecnologia, instalara em 1981 um sistema monoposto da ComputerVision, então líder mundial de sistemas CAD vocacionado para a planificação e oxicorte de placas (chapas) metálicas, cujos resultados terão mesmo permitido recuperar rapidamente o investimento, em particular pela dramática redução de tempo de reparação de um navio que o sistema facilitava no caso de serem disponíveis em suporte digital os “desenhos” de construção do navio. Quase em paralelo tinha sido instalado um sistema multiposto, também da ComputerVision, no então LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia). O sistema tinha sido primeiro instalado ainda em Sacavém, cidade de Lisboa, mas rapidamente foi transferido para as então novas instalações no Lumiar, (Lumiar é uma freguesia portuguesa do concelho de Lisboa) e tinha uma vocação de ação de demonstração, especialmente orientada para uma indústria eletrônica então em fase esforçada de emergência em Portugal. Equipado com um “foto-plotter” especializado, o sistema deu apoio a algumas das iniciativas e projetos mais importantes dos turbulentos e criativos princípios dos anos 80 na consolidação de alguma indústria eletrônica: os esforços de desenvolvimento de produto da Timex, do Centro de Estudos de Telecomunicações (Aveiro), da Efacec. Saliente-se, no entanto, o papel que este sistema teve nos primeiros anos da década de 80 para as empresas concorrentes para o setor em geral na leitura e impressão em plotter de desenhos de peças ou moldes enviados por clientes estrangeiros em banda magnética, e já sem suporte de desenho em papel, para efeitos habitualmente de orçamentação. Para os primórdios do CAD em Portugal registe-se ainda a experiência do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) em aplicações 2D. No quadro I registram-se alguns dos eventos mais importantes da década de 80 sobre a difusão e divulgação da tecnologia CAD/CAM em Portugal, em que a Ordem dos Engenheiros teve um papel relevante, primeiro através de uma série de colóquios e simpósios, depois através da organização dos PPAC, as Jornadas Nacionais de Projeto, Planeamento e Produção Assistidas por Computador, de que se realizaram cinco edições, a primeira das quais em 1987 e a última já em 1995. Mas as duas edições do Simpósio CAD/CAM que organizou em 1986 em Lisboa e no Porto tinham já tido especial impacto. Em 1986 a API (Associação Portuguesa de Informática) promoveu um Seminário Internacional, com a colaboração da IFIP, que também teve repercussão. No ano seguinte a Revista de Informática, publicada pela API, dedicou um número ao CAD/CAM, na qual aparecem já as primeiras publicações referentes ao esforço de desenvolvimento de soluções para as indústrias ditas tradicionais então iniciadas por várias instituições nacionais. Das máquinas ferramentas programáveis ao CAM e aos centros de maquinação, terá sido na feira de Hannover em 1968 que os industriais portugueses da indústria de moldes se confrontaram mais seriamente com uma novidade que prometia ser a tendência da tecnologia futura em máquinas ferramentas: uma máquina de furar programável, que permitia posicionar a ferramenta com um rigor razoável, de modo autônomo relativamente ao seu operador. Na década seguinte a indústria foi-se progressivamente equipando com máquinas com controle numérico (NC), não só de furar, mas também de tornear e mesmo de fresar, cuja programação era feita diretamente através dos teclados e comandos de console, em geral pelo próprio operador da máquina. Era chamada programação “key-in”, ou com o input de dados para a operação por via manual, uma forma de CAM independente dos grandes sistemas, baseados em computadores de grande porte e muito mais acessível sob o ponto de vista financeira. Este tipo de operação levantava vários problemas, por um lado desviava-se dos princípios clássicos da separação entre a programação e a operação das máquinas, que até o final da década de 60, tinha caracterizado a aplicação de tecnologias de máquinas ferramentas NC. Otto (1980) fala mesmo num síntese das potencialidades das máquinas com as competências do operador humano, numa equipe de trabalho “homem-máquina” que abria novas perspectivas à aplicação das tecnologias de controlo numérico (NC) relativamente aos ambientes convencionais de programação até aí típicos. Mas a necessidade de ocupar tempo de produção da máquina com tempo de programação, entrada do programa e de “debugging”, verificação e correção do programa, tornava a opção pouco interessante para setores com séries de pequena dimensão, e a indústria de moldes caracteriza-se precisamente por ser um caso limite de produção “one-at-atime”. As dificuldades dos operadores tradicionais de máquinas ferramentas controladas manualmente se adaptarem a uma operação mais ou menos “programada”, logo com elevadas exigências de abstração para codificação da “inteligência” da maquinação agravavam as dificuldades da sua aceitação por empresas pequenas e com uma carga muito variável – caso das empresas de moldes. Ora esses ambientes em que as máquinas ferramentas programáveis se desenvolveram, assim como as primeiras soluções CAM (geração de programas NC através da “assistência” de computadores e software – então ainda não gráfico ou com facilidades gráficas muito rudimentares e limitadas - para facilitar a geração do código NC de programação das máquinas ferramentas específicas – o que podia envolver post-processadores) eram muito diferentes dos que caracterizavam e caracterizam a indústria de moldes, em Portugal e não só. As máquinas ferramentas desenvolvem-se à volta da procura criada pelo fabuloso desenvolvimento da indústria automóvel americana nas primeiras décadas do século XX. Por sua vez as primeiras tecnologias de comando NC de máquinas ferramentas aparecem na década de 50 na indústria aeronáutica americana, à volta de frágeis válvulas eletrônicas e leitores de fitas perfuradas, e implementam-se no contexto de aplicações militares altamente financiadas por contratos com a US Air Force e pelo DoD e com objetivos de melhorar a perfeição, eliminação do erro humano e obter uma repetição confiável, não comuns objetivos de flexibilidade. As necessidades e exigências desse tipo de aplicações eram então muito superiores às da indústria concorrente metalomecânica, donde resultou uma tecnologia sobre dimensionada e muito cara para a indústria em geral e por sua vez pouco capaz a responder a algumas das suas necessidades específicas, mas que não eram tão importantes na indústria aeronáutica. A complexidade do APT (Automated Programming Tooling), então desenvolvido pelo MIT, tornava a programação tudo menos acessível aos operadores das máquinas ferramentas. A consequência foi o desenvolvimento de equipes de programação autônomas, independentes do “shopfloor”, usando mesmo complexos e caros sistemas especializados do tipo DNC (em que a máquina ferramenta era diretamente controlada por um computador central, no qual residia o programa NC a executar). A isso não terá sido alheia a tendência de “isolar” ou proteger o processo de fabricação das potenciais consequências da rebeldia ou das lutas dos trabalhadores, ao mesmo tempo, que os desenhos e planos de fabricação desapareciam do “shopfloor” e passavam para uma nova classe de trabalhadores mais próximos dos “colarinhos brancos” e por isso potencialmente mais controláveis pela gestão – considerações nada irrelevantes na indústria de construção de aviões militares no contexto político dos anos 50 e 60, ainda muito influenciado pelo post-guerra e acima de tudo pela crescente importância da guerra fria (Noble, 1979). Aliás Noble (1979) argumenta de forma convincente sobre o efeito perverso das raízes militares da origem da tecnologia, privilegiando uma tecnologia complexa e cara, logo inacessível ao grande mercado, quando existiam alternativas tecnológicas prometedoras e baratas: as tecnologias do tipo “tracer” de contornos a maquinar, tipo pantógrafo, em máquinas “record-playback” com facilidades de edição do contorno registado e que mantinham o controle do processo na esfera do operador especializado da máquina ferramenta. Uma solução, aliais, retomada nos anos 90 com as soluções de digitalização (scanning) tridimensional de geometrias e a sua reprodução eventualmente por prototipagem rápida. O artigo de Noble (1979) tornou-se mesmo uma referência na discussão das opções e escolhas sociais e políticas na inovação tecnológica e sua difusão. Alic et al (1992) por sua vez argumentam que sem o apoio da procura militar, o descalabro e a crise da indústria americana das máquinas ferramentas nos anos 70 teria sido ainda mais dramática. O mercado das máquinas ferramentas conhece nos anos 70 uma verdadeira revolução com o sucesso dos fabricantes japoneses em dominar as vantagens de controladores baseados em microprocessadores e em massificar a produção de máquinas ferramentas altamente flexíveis e de uso geral, inclusive em configurações mais avançadas de “centros de maquinação”, com facilidades de mudança automática de ferramentas e inclusive de mudança de mesas de operação. Para uma excelente discussão das diferentes trajetórias das indústrias americana e japonesas de máquinas ferramentas, ver Mazzoleni (1999). A progressiva adopção pelos japoneses da fabricação de máquinas ferramentas com especificações standard e modulares em linhas de montagem especializadas capazes de séries médias, e mesmo curtas, permitiu produzir com grandes economias de escala logo com preços finais mais acessíveis e com uma rápida capacidade de resposta. Uma limitação devastadora para os fabricantes americanos nos finais da década de 70, para além de uma manutenção e de uma programação simplificada. Isso lhes conferiu então uma decisiva vantagem competitiva como exportadores para o mercado internacional (Mazzoleni, 1999). A porta abria-se à massificação das máquinas ferramentas programáveis nas médias empresas, e mesmo nas pequenas empresas. Indústria portuguesa de moldes e máquinas NC. Na década de 70 a indústria de moldes inicia os primeiros investimentos em máquinas ferramentas programáveis. Na turbulência posterior aos 25 de Abril de 1974, numa conjuntura internacional com uma procura em crise, o setor conhece um período de sobressalto e inquietação. A pressão para a melhoria da produtividade e a necessidade de resposta a uma procura com peças de geometrias cada vez menos lineares e com especificações de produto mais exigentes leva as principais empresas a adquirirem as primeiras máquinas programáveis, por “key-in”. Esse tipo de máquinas caracteriza a primeira ronda de investimento nesta nova geração de tecnologias. As dificuldades encontradas na operacionalização deste tipo de solução levam à procura das primeiras soluções CAM (Computer Aided Programming), de que a aquisição nos finais dos anos 70 dos primeiros sistemas Diaprog por empresas como o Aníbal H. Abrantes ou a Molde Matos são exemplares. Os sistemas CAM Diaprog baseavam-se em processadores PDP 11/23 da DEC, usavam disquetes de 8” para arquivo de programas e dados e faziam a transferência do programa de maquinação para o controlador (de muito limitada memória) da máquina ferramenta tipicamente fresadoras Deckel FP4NC diretamente através uma ligação assíncrona por uma porta série do PDP. As facilidades de geração de programas numéricas (frezagem) eram ainda muito limitadas. Não só eram apenas 2D como a interface gráfica era quase inexistente. Não permitia ainda uma pré-visualização e inspeção mais ou menos completa da maquinação. No início da década de 80 a dialética das soluções NC com as dificuldades de programação associadas versus soluções não programáveis ou máquinas ferramentas de outro tipo a eletro erosão fazia então a sua aparição com força e despertou de imediato grandes expectativas dominava a agenda da indústria, precisamente quando em Janeiro de 1983, o I Congresso da Indústria de Moldes, em cujas atas, estas preocupações aparecem bem refletidas.
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