Meu Trabalho
Pesquisas Acadêmicas: Meu Trabalho. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: marcelosilvapel • 15/8/2013 • 1.964 Palavras (8 Páginas) • 318 Visualizações
II - O VIAJANTE
Próprio de espírito sorumbático, é andar sempre calado: tagarelar é o encanto e a alma da vida.
La Chaussée.
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Comigo, respondeu Sancho, meu primeiro movimento é logo tal comichão de falar que não posso deixar de
desembuchar o que me vem à boca.
Cervantes, D. Quixote.
O dia 15 de julho de 1860 era dia claro, sereno e fresco, como costumam ser os chamados de inverno no interior do
Brasil.
Ia o Sol alto em seu percurso, iluminando com seus raios, não muito ardentes para regiões intertropicais, a estrada,
cujo aspecto há pouco tentamos descrever e que da Vila de Sant'Ana do Paranaíba vai ter aos campos de Camapuã.
A essa hora, um viajante, montado numa boa besta tordilho-queimada, gorda e marchadeira, seguia aquela estrada. A
sua fisionomia e maneiras de trajar denunciavam de pronto que não era homem de lida fadigosa e comum ou algum
fazendeiro daquelas cercanias que voltasse para casa. Trazia na cabeça um chapéu-do-chile de abas amplas e cingido
de larga fita preta, sobre os ombros um poncho-pala de variegadas cores e calçava botas de couro da Rússia bem
feitas e em bom estado de conservação.
Tinha quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados
quase à escovinha e ar tão inteligente quanto decidido.
Na mão empunhava uma comprida vara que havia pouco cortara, e com que ia distraidamente fustigando o ar ou
batendo nos ramos de árvores que se dobravam ao alcance do braço.
Vinha só e, no momento em que damos começo a esta singela história, achava-se no bonito trecho de caminho que
medeia entre a casa de Albino Lata e a do Leal, a sete boas léguas da sezonática e decadente Vila de Sant'Ana do
Paranaíba
Nesta porção de estrada, ensombrada pelas árvores de vistoso cerrado, o leito, ainda que já bastante arenoso, é firme
e parece mais aléia de bem tratado jardim, do que caminho de tropas e carreadores.
Ainda aumenta os encantos daquele lance a inúmera quantidade de rolas caboclas a brincar na areia e de pombas de
cascavel, cujo bater das asas produz um arruído tão característico e singular.
O nosso viajante, se caminhava distraído e meio pensativo, não parecia, contudo, de gênio sombrio ou pouco
divertido.
Muito ao contrário, sacudia às vezes o torpor em que vinha e entrava a cantarolar, ou assobiar, esporeando a valente
cavalgadura, que na marcha que tomava ia abanando alternadamente as orelhas com o movimento cadencial da
cabeça.
Numa dessas reações contra alguma preocupação, disse em voz alta, puxando por um relógio de prata, seguro em
corrente do mesmo metal:
--Às duas horas, pretendo sestear no paiol do Leal. Falta pouco para o meio-dia, e tenho tempo diante de mim a botar
fora.
Moderou, pois, a andadura que levava o animal e mais ativamente recomeçou a zurzir os galhos das árvores,
bocejando de tédio.
Também pouco tempo caminhou só, por isto que em breve ao seu lado emparelhou outro viajante, escanchado num
cavalinho feio e zambro, mas muito forte, o qual, coberto como estava de suor, mostrava ter vindo quase a galope.
Homem já de alguma idade, o recém-chegado era gordo, de compleição sangüínea, rosto expressivo e franco. Trajava
à mineira e parecia como realmente era, morador daquela localidade.
--Olá, patrício, exclamou ele conchegando a cavalgadura à da pessoa a quem interpelava, então se vai botando para
Camapuã?
Olhou o nosso cavaleiro com desconfiança e sobranceria para quem o interrogava tão sem-cerimônia e meio
enviesado respondeu:
--Talvez sim... talvez não... Mas a que vem a pergunta?
--Ah! desculpe-me, replicou o outro rindo-se, nem sequer o saudei... Sou mesmo um estabanado... Deus esteja
convosco. Isto sempre me acontece... A minha língua fica às vezes tão doida que se põe logo a bater-me nos dentes...
que é um Deus nos acuda e... não há que avisar: água vai! Olhe, por vezes já me tem vindo dano, mas que quer? É
sestro antigo... Não que eu sela malcriado, Deus de tal me defenda, abrenúncio; mas pega-me tal comichão de falar
que vou logo, sem tirte, nem guarte, dando à taramela...
A volubilidade com que foram ditas estas palavras causou certo espanto ao mancebo e o levou a novamente encarar o
inopinado companheiro, desta feita com mais demora e ar menos altivo.
Notou então a fisionomia alegre e bonachã do tagarela e, com ar de simpatia, correspondeu ao comunicativo sorriso
daquele que, à força, queria travar conversação.
--Pelo que vejo, disse ele, o Sr. gosta de prosear.
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--Ora se! retrucou o mineiro. Nestes sertões só sinto a falta de uma coisa: é de um cristão com quem de vez em
quando dê uns dedos de paroula. Isto sim, por aqui é vasqueiro. Tudo anda tão calado!... uma verdadeira
caipiragem!...
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